22.8.06

A morte de Janus Mazursky

Por seis meses, eu não consegui dormir

PRÓLOGO

Antes que o leitor mais sensível se assuste ou fique preocupado (e antes que o desafeto comemore), o óbito mencionado no título acima não produziu nenhum cadáver.

As pessoas sempre me perguntam se eu conheci Tyler Durden

Janus Mazursky está morto, finado, aniquilado, deixou de existir, mas nesse processo não houve a perda de nenhuma vida humana.

Não consigo pensar em nada

Na verdade, Janus Mazursky nunca existiu. Não era uma pessoa real. Era um pseudônimo, ou mais precisamente, uma impessoa.

Estamos na primeira fila desse projeto de destruição em massa

Entretanto, Janus Mazursky está morto, e mais, foi assassinado. Mas como se mata uma impessoa? Como assassinar um ser que nem sequer existe no mundo real? Quem cometeu esse crime? Quem tem o poder real sobre esta entidade virtual?

Está bem, agora é a sua vez de chorar

Janus Mazursky foi assassinado por seu próprio autor. O leitor será testemunha, ao longo destas mal-traçadas linhas, do estranho processo por meio do qual um escriba fulmina e enterra o seu próprio pseudônimo.

Com insônia, nada é real

Os autores literários reiteradamente matam seus personagens sem que isso ordinariamente traga maiores repercussões para sua vida real. Entretanto, o que acontece quando o personagem é a única face usada pelo próprio autor para dirigir-se ao público? Então, nesse caso, o que houve foi um suicídio? A resposta para essa questão é bastante complexa. É preciso começar explicando o que é uma impessoa.

É tudo uma cópia de uma cópia de uma cópia

O conceito de impessoa foi criado pelo escritor George Orwell no clássico livro “1984” (cada dia que você passa sem tê-lo lido é um crime contra sua consciência!) para designar as pessoas que foram mortas pelo regime totalitário, e deixaram de ter sua existência oficial reconhecida, tiveram seus nomes removidos de qualquer registro e não podem mais ser sequer mencionados pelos demais.

Eu vejo muita coragem aqui. E isto me dá força

A história do nosso mundo real registra vários casos de personalidades transformadas em impessoas. Stalin removeu das fotografias as imagens de Trotsky e de outros bolcheviques históricos (depois de tê-los exterminado também fisicamente, é claro), apagando-os cirurgicamente da memória pública oficial da Revolução.

Eles usam isso em cavalo de corrida

Impessoas são seres que “nunca existiram” porque se tornaram ideologicamente inconvenientes e politicamente embaraçosos para o poder constituído.

Perdido no esquecimento. Escuro, silencioso e completo

Em sua antiga página pessoal na internet o escriba mantinha um texto intitulado “Janus por Janus” dedicado a explicar a natureza de sua intervenção. O texto iniciava-se dizendo: “Janus Mazursky é uma impessoa. Seu nome não consta em nenhum registro civil, policial, fiscal, comercial, escolar ou de qualquer natureza mantido pelo Estado. Oficialmente, Janus Mazursky não existe.”

Eu encontrei a liberdade na perda de esperança

Tal declaração, desdobrada em detalhes ao longo do texto, era uma maneira enviesada de dizer que Janus Mazursky é um pseudônimo.

O mundo girava a minha volta

Tal texto buscava apresentar Janus Mazursky como um ser que não tem lugar no nosso mundo real. Um combatente contra o sistema, sob a limitada forma de pessoa virtual.

Eu morria todas as noites e toda noite eu era ressuscitado

Uma impessoa, no contexto orwelliano do “1984”, é alguém que foi morto e excluído do convívio público. É um ser derrotado, banido, inexistente, que não é mais capaz de intervir no mundo real, em qualquer esfera que seja.

Sua mentira refletia a minha

Declarar-se impessoa, no nosso mundo, tem o sentido contestatório e irônico de aproveitar o conteúdo crítico do conceito, de recusar-se a deixar de existir, e ao mesmo tempo, por meio da inexistência material do personagem adotado, desenvolver uma forma de existência virtual. A auto-definição de impessoa é o pretexto para o uso de um pseudônimo militante.

Não tenho mais medo da morte

O DUPLIPENSAR

O combate virtual de Janus Mazursky contra o sistema, como não poderia deixar de ser, foi travado dentro do Duplipensar.net, um site dedicado a divulgar a obra de Orwell.

Sinta a energia positiva a sua volta

O nome do site é uma inversão criativa da idéia de duplipensar, que é mais um dos ricos conceitos elaborados por Orwell no “1984”. Formalmente, o duplipensar é “a capacidade de manter na cabeça duas crenças contraditórias e aceitar ambas”.

Esta é a sua vida e se desfaz a cada minuto

O conceito de duplipensar não pode ser confundido com a saudável prática filosófica de suspender os juízos peremptórios e estar aberto a todas as possibilidades. A capacidade de administrar hipóteses contraditórias faz parte de todo processo de conhecimento da realidade concreta. A dúvida é sempre sábia, a certeza é em geral autoritária. Entretanto, o duplipensar não é a saudável dúvida cartesiana, é a doentia manipulação stalinista.

As pessoas que conheço nos vôos são amizades descartáveis

O duplipensar não é a busca do conhecimento, é a sua negação. Através do duplipensar, o que é verdade hoje é mentira no dia seguinte, e no dia posterior volta a ser verdade. A contradição não é resolvida dialeticamente, é imposta arbitrariamente, de forma que os donos do poder possam modelar a realidade a seu bel-prazer. A aceitação de duas crenças contraditórias em escala de massa é uma ferramenta do poder constituído para justificar práticas contraditórias.

Há muitos desses acidentes? Você nem acreditaria

O duplipensar é uma forma de justificar meios que são opostos aos fins declarados. É fazer uma coisa em nome do seu contrário. Orwell acrescenta ainda que “para entender o duplipensar é preciso duplipensar”.

Ilusão de segurança

O duplipensar é uma ferramenta de dominação a serviço do Estado totalitário da distopia descrita no livro. É o paroxismo da desfaçatez pública. Ele acontece quando um governante diz que a “economia está crescendo”, e enquanto isso o povo está passando fome.

É uma teoria interessante

Acontece quando Bush invade o Iraque “para levar a democracia”. Quando alguém faz a guerra para levar a paz. E assim por diante. “Guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força”, são as frases duplipensadas que compõem o lema do Partido governante.

Você tem um certo desespero na sua risada

O duplipensar é todo o conjunto de mentiras que a grande mídia despeja em doses cavalares para convencer o público de que está tudo bem, o mundo vai bem, sua vida vai bem, e se você não se sente bem (porque, na verdade, o mundo vai muito mal, está tudo errado e tudo desmorona ao seu redor), não diga isso a ninguém, pois não fica bem. E principalmente, não faça nada a respeito, pois acarreta inimizade, demissão, cadeia, ou pena de morte.

Essas coisas acontecem, imagino

O Duplipensar.net foi criado com o objetivo de denunciar o duplipensar, ou seja, denunciar as mentiras públicas aceitas passivamente pela platéia. Usar o nome Duplipensar.net significa duplipensar o duplipensar, ou seja, subverter o nome de uma prática de dominação para dar nome a uma prática de libertação.

Eu digo, nunca queira ser completo. Pare de querer ser perfeito. Vamos evoluir

O ROMPIMENTO

Entretanto, Janus Mazursky não está mais na equipe do Duplipensar.net. Nem seu nome nem seus textos são mais encontrados no acervo do site. Subitamente, desapareceram quase quatro anos de colaboração e algo em torno de 130 textos publicados.

As coisas que você possui acabam possuindo você

Todos esses artigos foram tragados no Buraco da Memória (outra invenção genial de Orwell). Vaporizados, como se não tivessem jamais existido. O escriba, que já era um ser inexistente no mundo real, tornou-se uma impessoa ao quadrado, deixando também de existir no plano virtual. Como se deu esse processo?

Quero que me bata o mais forte que puder

Talvez os leitores devam perguntar isso ao próprio Duplipensar.net. Mas será preciso mais do que uma rápida visita ao site para obter alguma resposta. A única coisa que se pode descobrir em sua página de apresentação (http://www.duplipensar.net/duplipensar/index.html) é que: “O Duplipensar.net é um projeto pessoal de Leonardo Silvino, criador e editor do site.” Será preciso pois escrever ao próprio Leonardo Silvino para descobrir o que aconteceu recentemente no site.

Ninguém sabe o que viu, mas viram algo

O falecido Janus Mazursky não foi o único autor a ser vaporizado, pois juntamente com ele foram removidos stalinisticamente da fotografia da história praticamente todos os membros da equipe que compunha o conselho do site. Todos deixaram de existir, tiveram seus textos e seus nomes retirados do ar.

Não olhe, não consigo fazer com gente olhando

Antes desse acontecimento os colaboradores mais próximos e membros do conselho trabalhavam sem que houvesse uma delimitação clara de tarefas e de projeto. Não havia definição formal das atribuições, responsabilidades e prerrogativas dentro do trabalho coletivo executado. Agora que foi feita essa delimitação, estão todos fora do site.

No fim do primeiro mês, já nem sentia falta da TV

O finado escriba e mais meia dúzia dos principais colaboradores dos últimos dois anos tiveram que passar por um processo bastante tortuoso para descobrir que “o Duplipensar.net é um projeto pessoal”.

Aos poucos descobríamos que não estávamos sós

O Duplipensar.net silenciou a respeito da saída de uma parte de seus mais importantes colaboradores e de um desfalque substancial no seu acervo de textos. Não expôs publicamente as razões dessa mudança e não deu satisfações aos leitores. De maneira stalinista (duplipensada) o site jogou sua própria história no Buraco da Memória.

A primeira regra do clube da luta é: você não fala sobre o clube da luta

Para conhecer esse verdadeiro Processo de Moscou em detalhes, o leitor interessado teria que perguntar a cada um dos antigos conselheiros do site, bem como ao editor-chefe, qual é a sua versão dos fatos. O escriba aqui apresentará a sua versão. Ao assassinar Janus Mazursky, o escriba considera como fato consumado sua saída do Duplipensar.net. Considera que tudo se deveu a um mal-entendido cujas conseqüências foram potencializadas por melindres exacerbados. Mas não é sua intenção desfazer esse mal-entendido e voltar a estar em acordo com o Duplipensar.net. Mesmo porque, isso exigiria disposição da outra parte para fazer o mesmo, o que não existe.

A segunda regra do clube da luta é: você não fala sobre o clube da luta!

A intenção não é desfazer o mal-entendido nesse sentido, mas metabolizar o processo para eventualmente extrair dele algum ensinamento. Do ponto de vista do editor-chefe o rompimento se deu porque este considera o escriba moralmente falido; do ponto de vista do escriba, o rompimento se deu porque o projeto do Duplipensar.net está politicamente falido.

Todos começamos a ver as coisas de maneira diferente

O PROCESSO

Demonstrar a falência política do Duplipensar.net e por tabela restabelecer a reputação moral e a honra de Janus Mazursky exige descrever em detalhes o processo de ruptura.

Não acreditaria no sonho que tive esta noite

A desaparição de todo o antigo conselho do Duplipensar.net só pode ser explicada como resultado de alguma sorte de conflito. Uma vez que não foi exposta publicamente a razão do conflito, o seu julgamento por parte do observador externo se reveste de algumas características sui generis.

Sabia da história antes que me contasse

Constitui um princípio básico do direito a norma de que o ônus da prova cabe ao acusador. Entretanto, o Duplipensar.net não apresentou publicamente nenhuma acusação contra as impessoas que excluiu. Simplesmente as excluiu. Logo, não temos que carregar o ônus da prova, mas sim o da acusação. Estamos aprisionados no limbo deste paradoxo. Será preciso fazer uma auto-acusação para em seguida ter a possibilidade de emendar a defesa.

Prepare-se para evacuar a alma em dez, nove, oito...

É sempre mais fácil dar crédito a uma acusação do que a um desmentido. O público em geral guarda a acusação, mas despreza e desconhece o desmentido. Logo, melhor do que fazer uma acusação, é deixar que o acusado seja obrigado a se explicar. Ao se explicar, vai ter que primeiro se acusar, para depois se defender. No meio do caminho, é possível que o público se desinteresse, e retenha apenas a acusação. Ao silenciar sobre o motivo do expurgo, o editor-chefe conta com essa possibilidade de que as impessoas se compliquem, não se expliquem e se auto-impliquem. O escriba prefere contar com a inteligência dos leitores e correr o risco de oferecer uma explicação completa.

Alguém chamou a polícia

O escriba adota aqui o método da transparência, contra o da omissão. Ao invés da iniciativa de relatar o processo, somos brindados com o silêncio do Duplipensar.net., que destrói qualquer canal possível de interlocução, impedindo que as vozes divergentes se manifestem. Esse procedimento bastante peculiar constitui um exemplo prático da falência política do projeto do site. Um veículo concebido para criticar e combater o duplipensar elimina duplipensadamente os indivíduos que por qualquer motivo se tornaram incômodos ao seu dirigente.

Pegue um revólver e pinte as paredes com meus miolos

Exclusão? Que exclusão? Ninguém foi excluído. Quem é Janus Mazursky? Essa pessoa não existe. Nunca existiu! Nenhum autor foi excluído! Nenhum texto foi excluído! Nenhum desses textos existiu! Nenhum desses autores existiu!

Eu me tornei a calmaria do mundo

“Eppur si muove!” “E no entanto, a Terra se move!”, teria dito Galileu ao sair do julgamento da Inquisição. A Terra se move, o mundo dá voltas. O escriba é uma impessoa, mas ainda existe e reaparece, mesmo que seja para morrer afinal.

Eu passei por cima de todo mundo

O escriba ainda existe, assim como os demais autores excluídos. Não é sua intenção falar em nome dos demais ou fazer-se protagonista da dissolução do antigo conselho do Duplipensar.net., na paradoxal condição de vítima fatal. A dissolução do conselho é um acontecimento maior e mais grave do que a desaparição de uma reles impessoa.

Sou o suor frio do Jack

No entanto, para tratar da kafkiana morte de Janus Mazursky, objeto deste texto, foi preciso referir-se ao episódio da dissolução do antigo conselho, apresentado em perspectiva pessoal.

Fez algum inimigo recentemente?

TRAGÉDIA, PASTELÃO E INTRIGA

Kurosawa nos ensinou, em “Rashomon”, que todos os pontos de vista sobre um determinado acontecimento, ainda que contraditórios, podem ser simultaneamente verdadeiros de alguma forma. A convivência arbitrária de contradições é um sintoma do duplipensar opressor; a convivência dialética é uma prerrogativa do poder emancipador presente em toda verdadeira arte.

Rejeite a civilização, especialmente as posses materiais

“A morte de Janus Mazursky” não é nenhuma requintada obra de arte, é uma peça ligeira que alterna momentos de tragédia, pastelão e intriga mesquinha. Em um pequeno site da internet, desdobra-se um mundo de vaidades, ambições, paixões e conflito.

Este é o momento da sua vida e você se manda para outro lugar?!

Será preciso tocar nos aspectos mais desagradáveis e constrangedores do comportamento humano para desmistificar a imagem dos protagonistas desse drama e retirar sua aura de intelectuais inatingíveis em sua torre de marfim virtual. Será preciso restituir-lhes a plena condição de seres humanos patéticos e falíveis, mas também irresistíveis e extraordinários.

Sem dor ou sacrifício não teríamos alcançado nada

Em meados de 2004 o conselheiro Marcello Kashmir foi pilhado fazendo plágio de trechos de textos de outros sites para publicá-los como seus no Duplipensar.net. A acusação foi comprovada e confessada, o réu foi devidamente excluído do Duplipensar.net com todos os seus textos. Essa tragédia quase pôs a perder a credibilidade do projeto e o esforço coletivo de todos os que se dedicaram ao site. Voltar-se-á a ela logo adiante.

Somos os enjeitados de Deus. Que assim seja!

Nesse mesmo ano de 2004 Janus Mazursky teve um breve relacionamento amoroso com uma leitora que o conheceu através do Duplipensar.net. Desde os primeiros e-mails trocados essa pessoa veio a saber que Janus Mazursky era um pseudônimo. A leitora embarcou na aventura de conhecer quem era a pessoa real por trás dos textos de Janus Mazursky. Conheceram-se no sentido bíblico.

Apenas depois de perdermos tudo é que estamos livres

Entretanto, o relacionamento não prosperou. Há um ditado que diz que o amor é brega. Todo ditado, como expressão do senso comum, carrega um certo fundo de verdade e ao mesmo tempo uma boa medida de arbítrio e falsidade. No caso em questão, o ditado foi verdadeiro. Quando termina, muitas vezes o amor se transforma em vexame e baixaria. De ambas as partes saltam diatribes aos quatro ventos. É muito comum uma mulher terminar um relacionamento dizendo que o homem é brocha, etc. A criatura em questão não chegou a esse nível, mas apelou para outro expediente ainda mais ridículo. Passou a dizer que a pessoa a quem conheceu não era o autor dos textos assinados por Janus Mazursky.

Parabéns. Você está mais próximo do fundo do poço

Em todo relacionamento as partes criam uma fantasia a respeito de seu par, e eventualmente essa fantasia desaba na realidade da convivência. É necessário então inventar algum subterfúgio para compensar a auto-estima abalada pelo desgaste do rompimento e não jogar no lixo a totalidade do investimento emocional despendido. No caso em questão esse subterfúgio tomou a forma de uma delirante teoria da conspiração.

E eu costumava ser um cara tão legal

O autor dos textos de Janus Mazursky estaria emprestando o seu pseudônimo para que algum “laranja” conquistasse suas leitoras. Como na história de Cyrano de Bergerac. Foi com essa hipótese que o relacionamento se desfez. Um rompimento sob pretexto tão bizarro produziria, nas mãos de um roteirista talentoso, uma comédia da vida privada digna de um bom filme de Woody Allen.

Supostamente ele nasceu num hospício e dorme apenas uma hora por noite

Essa não foi a primeira vez e nem a última que alguém se apaixonou pela impessoa de Janus Mazursky, mas foi a única em que o rompimento resultou em uma teoria da conspiração. Isso explicaria porque esse episódio bisonho não está no capítulo intitulado “Dissabores do autor que usa pseudônimo”, mas está na “Morte de Janus Mazursky”? Terá sido crime passional? O escriba matou seu pseudônimo porque não suportava mais conviver com uma fantasia maior do que ele próprio? A morte da vítima teria sido então um ato de ciúme doentio? O gesto desesperado de alguém que não suportava mais fazer um papel de Cyrano de Bergerac?

Trabalhamos em empregos que odiamos para comprar porcarias de que não precisamos

Como sói acontecer em histórias tiradas da vida real, o roteiro acaba sendo mais truncado e mirabolante do que poderia sonhar a nossa vã dramaturgia. O episódio relatado acima não teria tido maiores conseqüências que as de qualquer rompimento. E se tratasse-se apenas disso, não haveria nenhuma razão para expor aos leitores fatos constrangedores dessa natureza.

Somos uma geração sem peso na História

O escriba não se orgulha nem se envergonha desse desfecho e muito menos na ocasião lhe creditou qualquer importância para além de sua vida pessoal. Entretanto, o equívoco teve repercussões funestas. Pois eis que, poucos meses depois, em dezembro de 2004, o seguinte e-mail é dirigido ao conselho do Duplipensar.net:

Esta semana vocês tem uma lição de casa

“Sou leitor do site e conheço Janus Mazursky. Se vc investigar melhor, verá que se trata de uma farsa. A pessoa que escreve não é a mesma que se apresenta pessoalmente a vc e seus companheiros. Não comente nada antes de ter a sua certeza. Investigue. Pedro Araújo.”

Nem preciso vir ao escritório, posso fazer isso de casa

Não conhecendo nenhum “Pedro Araújo”, a resposta do escriba foi óbvia: “Não subestime a ira de uma mulher desprezada”. Elementar, meu caro Watson. Ex-namorada inconformada com o fim do relacionamento acusa ex-namorado de não ser a pessoa por quem se apaixonou. Caso encerrado.

O líder andava pela multidão, nas trevas

SEGREDOS E MENTIRAS

A denúncia contra Janus Mazursky foi arquivada por inexistência de provas. Aparentemente, não teria conseqüências mais sérias além de algum embaraço e muito riso no interior do conselho. Mas a semente do joio germinaria em segredo em meio ao trigo e poria a perder a safra, como se verá. Após o e-mail, passou-se o tempo e o Duplipensar.net prosseguiu de vento em popa pelo ano de 2005 adentro. Entretanto, no início de 2006, os membros do conselho são surpreendidos com um comunicado do editor-chefe informando o encerramento da lista de e-mail do grupo.

Eu sou a vida desperdiçada de Jack

A justificativa do editor-chefe era de que ele passava por sérias dificuldades profissionais e pessoais e de que o Dupli, como era entre nós carinhosamente chamado, havia passado a ocupar quase todo o seu tempo. Entre perplexos e desapontados, a maioria dos membros do conselho enviou mensagens de apoio, postando-se depois à espera dos acontecimentos.

Num determinado período de tempo, a taxa de sobrevivência de todo mundo cai a zero

Passado algum tempo, o escriba propôs uma alternativa aos ex-membros do antigo conselho: que se escrevesse em conjunto ao editor-chefe oferecendo ajuda, traçando um plano para ajudá-lo a tocar o Dupli, dividindo tarefas para aliviar a carga de trabalho do nosso companheiro.

Seu café da manhã terá um gosto que jamais conheceremos

Buscava-se consolidar a equipe de trabalho sob um estatuto definido, esclarecendo os direitos e deveres dos colaboradores do conselho e do editor-chefe. Foi elaborado um “Manifesto em defesa do Duplipensar”, assinado pela maioria do antigo conselho.

Você é a merda ambulante do mundo

Entretanto, o editor-chefe interpretou o “Manifesto” como uma ofensa, um ataque à sua condição de criador do site e uma injúria intolerável de molde a configurar quebra de confiança. Diante do “Manifesto”, o editor-chefe respondeu com uma espécie de comunicado-ultimato, intimando a todos os co-autores que apuseram o seu nome no texto a retroceder no passo dado, sob pena de serem excluídos do site. Ninguém retrocedeu, e foram todos excluídos.

Feito um macaco pronto para ser mandado para o espaço

Em resumo esse foi o processo de dissolução do conselho. Em anexo o leitor interessado neste estudo de caso encontra a transcrição dos referidos e-mails trocados na correspondência havida no decurso do processo.

Achamos que é mais um ato de vandalismo ligado aos clubes de boxe clandestinos

Mas houve mais. No bojo da troca de mensagens entre o editor-chefe e os ex-membros do conselho dissolvido, entre os quais este escriba, houve também ataques de natureza pessoal.

Sou o sentimento de rejeição de Jack

Ao manifestar a iniciativa de procurar os demais membros do antigo conselho, o escriba foi agredido e ameaçado pelo editor-chefe em um e-mail que continha o seguinte: “Você também foi acusado de não ser o autor dos próprios artigos. Lembra do famoso e-mail de dezembro de 2004?” A intenção dessa frase era claramente intimidar o conselheiro que teve a iniciativa de propor uma alternativa para o site. Essa tentativa canhestra de chantagem atesta o grau de desespero em que estava mergulhado o dirigente do Duplipensar.net. Há duas alternativas, ambas inaceitáveis, para explicar esse comportamento:

Queria respirar fumaça

1. O editor-chefe acreditou na acusação de “Pedro Araújo”, mas mesmo assim seguiu publicando fartamente textos de Janus Mazursky ao longo de 2005 e início de 2006. Tal procedimento teria sido oportunista, inconseqüente e irresponsável.
2. O editor-chefe não acreditou na acusação, mas resolveu trazê-la à tona apenas no momento de crise, para ameaçar e intimidar o acusado, que havia se tornado politicamente inconveniente. Por sua vez, esse procedimento teria sido muito baixo.

Tive vontade de destruir algo belo

GAME OVER

A acusação de plágio ou de “falsidade ideológica” não é algo que se possa fazer de maneira leviana. É como uma acusação de estupro, que ocasiona uma mancha muitas vezes indelével na reputação da pessoa acusada.

O Clube da Luta foi o começo, agora saiu do porão e se tornou Projeto Caos

O e-mail contendo a ameaça buscava ligar o nome de Janus Mazursky a Marcello Kashmir, o conselheiro expulso anos antes por plágio, igualando ambos: “Janus Mazursky e Marcello Kashmir não existem, são impessoas. E impessoas não precisam se responsabilizar pelo que escrevem ou fazem.” Essa tentativa de traçar um sinal de igual entre ambos carece porém de qualquer fundamento. Note-se que no caso contra Marcello Kashmir a acusação foi abundantemente comprovada por leitores, pelos autores lesados e pela confissão do próprio réu. No caso contra Janus Mazursky, o(a) acusador(a) não pôde apresentar a prova de sequer um parágrafo em mais de uma centena de textos que tivesse sido copiado de outra fonte.

Pare de tentar controlar tudo e relaxe

É impossível apresentar tal prova, porque nunca houve plágio. Ou seja, não há caso algum, não há acusação, há uma insinuação vil e inconseqüente. A acusação, como foi exposto acima, partiu de uma pessoa em estado de desequilíbrio por não saber administrar o fim de um relacionamento. Por sua vez, o fato de uma terceira pessoa usar esse tipo de acusação como munição no debate sobre os rumos do site atesta um elevado grau de decomposição moral.

No mundo que eu vejo, você vai estar caçando alce nas ruínas do Rockefeller Center

O fato de que a acusação fosse patética e desprovida de qualquer fundamento material não impediu que fosse utilizada como bravata intimidatória. Acusar alguém sem provas é uma manobra tipicamente desesperada e distracionista. Na falta de argumentos e de compostura, o editor-chefe recorreu à difamação como estratégia de debate. Utilizou-se de um silogismo escancaradamente falacioso, que poderíamos formular com nossas próprias palavras da seguinte maneira: “Janus Mazursky e Marcello Kashmir são pseudônimos; Marcello Kashmir é um plagiador; logo Janus Mazursky também é um plagiador”.

Preso dentro desse mecanismo dos maçados do espaço

O sofisma acima não é uma especulação, ele está implícito no juízo que o editor-chefe faz do escriba. No citado comunicado-ultimato exigindo a retirada do “Manifesto”, o editor-chefe modificou a justificativa para o encerramento do conselho. Além dos problemas pessoais como motivo fundamental, um outro item foi adicionado. Os ex-membros do antigo conselho foram informados de que “O site foi enxugado devido à segurança, espaço, perfis falsos e denúncias de articulistas que não são os autores de seus próprios artigos.”

Sou o coração quebrado de Jack

Denúncias? Que denúncias? Contra quem? Por que não dar o nome aos bois? Trata-se ainda da denúncia de “Pedro Araújo” contra Janus Mazursky? Um ano e meio depois isso ainda estava em pauta? A rigor, a acusação não era de plágio, mas de que a pessoa que se apresenta publicamente como autor dos textos de Janus Mazursky não passa de um “laranja” a serviço do verdadeiro autor. Mas isso somente transfere o problema para outro local e torna a hipótese ainda mais absurda.

Quem são todas essas pessoas?

Porque o autor responsável pelos textos de Janus Mazursky (já que de fato não há plágio) usaria um “laranja” para se apresentar aos demais membros do conselho, ou às leitoras eventualmente interessadas em uma relação mais que intelectual? Quais seriam as intenções “maquiavélicas” desse autor secreto, que não apenas escrevia textos, mas ajudava a construir o Duplipensar.net com opiniões, pareceres e presença assídua na lista interna de e-mails do conselho? Ou será que os e-mails trocados nessa lista eram também plagiados, ou teleguiados por um sabotador? O fio de raciocínio desencadeado pela “denúncia” conduz a becos sem saída de paradoxos, absurdos, contradições e delírios. Sem ter uma substância em que se apoiar, aquela frase sobre “perfis falsos e denúncias de articulistas que não são os autores de seus próprios artigos”, lançada a esmo no comunicado dirigido aos signatários do manifesto, apenas serviu para jogar uma cortina de fumaça sobre o assunto e despistar a real incapacidade de apresentar uma justificativa plausível para uma decisão precipitada e autoritária.

No Projeto Caos, nós não temos nomes

Não é nada agradável ter que expor as entranhas de um processo que se transformou, contra todas as expectativas, numa disputa pessoal sem sentido. Uma disputa sem vencedores, em que os derrotados foram os leitores. Agradável ou não, o escriba julga que era seu dever apresentar a história como a vivenciou, mesmo que isso exigisse revolver ferimentos não cicatrizados. Depois dessa exposição, não faz mais nenhum sentido continuar usando o nome de Janus Mazursky. O autor dos textos de Janus Mazursky tem nome, sobrenome, endereço, telefone, certidão de nascimento, carteira de vacinação, RG, CPF, título de eleitor, histórico escolar, certificado de reservista, inscrição no PIS/PASEP, carta de motorista, carteira de trabalho, emprego fixo, cargo concursado numa empresa de economia mista, matrícula funcional, mandato de representante sindical no local de trabalho, título acadêmico de bacharel e ainda uma segunda graduação em curso. O escriba passará a assinar todos os seus textos com esse nome, começando pela presente autópsia de seu alter-ego.

O Tyler esteve ocupado... abrindo franquias por todo o país

O escriba passará a assinar seus textos com seu nome verdadeiro, mas não porque o uso de pseudônimo seja uma prática de “impessoas (que) não precisam se responsabilizar pelo que escrevem ou fazem”. Para desmontar essa pífia insinuação, basta lembrar que George Orwell, mestre de todos nós, era um pseudônimo usado por Eric Arthur Blair. O abandono do pseudônimo se dá precisamente pela razão inversa.

Tem certeza de que não é um teste?

Nós marxistas trabalhamos com o conceito hegeliano de “dialética da continuidade na descontinuidade e descontinuidade na continuidade”: o outro é o mesmo e o mesmo é o outro. O que deixou de ser ainda é e o que ainda é já não é mais. Eu não serei mais Janus Mazursky, porque terei que ser eu mesmo, mas para ser eu mesmo, terei que ser Janus Mazursky. Para reconquistar minha integridade e minha honra, tive que usar do método e da verve mazurskyanos, em um texto em forma de carta-testamento, explicando o fim da relação com o Duplipensar.net.

Eu pareço como você gostaria de parecer, e transo como você gostaria de transar

Para continuar sendo Janus Mazursky, defendendo aquilo que defendia no Duplipensar.net, o escriba é obrigado a deixar de sê-lo. O contexto político em que se enraizava o uso do personagem não existe mais, na medida em que o projeto do Duplipensar.net perdeu sua legitimidade. A estratégia de declarar-se criticamente impessoa foi frustrada pela falência do veículo que a converteu em realidade, ou seja, vaporizou Janus Mazursky. A intenção crítica contida nessa estratégia só pode se realizar com o abandono do antigo perfil virtual do escriba.

Tyler Durden! Tyler Durden, seu maluco!! O que está havendo?

A fase impessoal está superada. Em toda superação dialética, perde-se uma parte, conserva-se outra e adquire-se algo novo. Na síntese final desta opereta bufa, perde-se um nome, conserva-se a convicção e ganha-se um aprendizado. “A morte de Janus Mazursky” não foi aqui descrita com a intenção de expor as fraquezas, tropeços e idiossincrasias pessoais de A, B ou C, mas de acertar as contas criticamente com o processo de desligamento do escriba do Duplipensar.net. Esse processo serviu para demonstrar a inviabilidade de quaisquer projetos desprovidos de clareza ideológica e de um programa organicamente construído, explicitado e coerentizado na prática.

O filme continua e as pessoas na audiência nem percebem

EPÍLOGO

É bastante irônico que o Duplipensar.net tenha tratado seus antigos colaboradores como impessoas. Na obra de Orwell, aqueles que discordam do duplipensar dominante são vaporizados e deixam de existir. Mas antes disso, antes de matá-los fisicamente, a Polícia do Pensamento mata sua vontade de lutar e de resistir. Mata sua humanidade, fazendo com que aceitem voluntariamente o duplipensar. Ao morrer, as vítimas da Polícia do Pensamento amam o Grande Irmão.

Algo terrível está para acontecer ao seu edifício

Para destruir a humanidade de todos aqueles que cometem o crime de pensar (crimidéia), nada melhor do que mostrar-lhes que é impossível resistir. Quem faz isso é a Fraternidade, uma suposta organização terrorista e guerrilheira dedicada a subverter o domínio absoluto do Partido e do Grande Irmão. O desejo de humanidade leva os dissidentes a se associar à Fraternidade, onde por alguns momentos têm a ilusão de que estão enfrentando o sistema. Mas tudo não passa de uma isca para atrair os tais dissidentes.

Você tem problemas emocionais seríssimos. Precisa de ajuda profissional

Winston Smith, o protagonista do “1984”, adere à Fraternidade, apenas para descobrir logo depois que se trata de uma armadilha. A Fraternidade é a própria Polícia do Pensamento disfarçada, que age assim para capturar e em seguida torturar e aplicar lavagem cerebral nos dissidentes. Não há escapatória, não há final feliz, não há concessões, não há esperança. O gesto de tentar libertar-se é o mesmo que conduz infalivelmente à guilhotina.

Eu corro até meus músculos arderem e minhas veias jorrarem ácido de bateria. E aí eu corro um pouco mais

O processo é implacável, inexorável e irreversível. Crimidéia mata. Ao morrer, Winston amava o Grande Irmão.

Vamos lá, arranjei um lugar legal pra gente assistir de camarote

Os antigos conselheiros do Duplipensar.net “reuniam-se” numa lista virtual denominada “Conselho da Fraternidade”. A ironia desse nome mostrou-se amargamente cruel quando os membros do conselho foram vaporizados e banidos como impessoas. Caíram na armadilha da Polícia do Pensamento.

Um passo mais próximo do equilíbrio econômico

O Duplipensar.net deixou de combater o sistema para reproduzir seus métodos autoritários. Entretanto, não foi o banimento do Duplipensar.net que matou Janus Mazursky, nem tirou sua vontade de lutar. A Polícia do Pensamento não foi eficaz. O alvo escapou-lhe por entre os dedos. Janus Mazursky não ama o Grande Irmão.

E como sempre, vou lhe carregar, você reclamando e no final me agradecendo

Como o leitor mais atento certamente terá percebido, as frases em itálico intercaladas nesse texto pertencem ao clássico filme “Clube da Luta” (cada dia que você passa sem tê-lo visto também é um crime contra sua consciência!). O protagonista de “Clube da Luta” desenvolve uma segunda personalidade anarquista que o ajuda a se libertar do sistema. Entretanto, para se libertar dessa segunda personalidade, o protagonista de “Clube da Luta” teve que dar um tiro na própria cabeça. Que entretanto, não o matou.

Acredite, vai ficar tudo bem

É o que faz agora o escriba com o nome de Janus Mazursky. O personagem serviu ao propósito. Para continuar a ser Janus Mazursky, ou seja, para continuar lutando contra o duplipensar, será preciso deixar de usar esse nome. Dar-se um tiro na cabeça e matar o personagem. Winston Smith está morto. Abaixo o Grande Irmão! Tyler Durden está morto. Eu sou a ira de Jack! Janus Mazursky está morto. Viva a revolução!

Você me conheceu numa época estranha da minha vida

Daniel M. Delfino

06/07/2006

Anexo I

JANUS POR JANUS



Janus Mazursky é uma impessoa. Seu nome não consta em nenhum registro civil, policial, fiscal, comercial, escolar ou de qualquer natureza mantido pelo Estado. Oficialmente, Janus Mazursky não existe. A peculiar condição de pessoa inexistente lhe permite desenvolver seu trabalho teórico com invejável liberdade de ação. Alojado em seu refúgio secreto, protegido pelo anonimato, o escriba atravessa horas à fio escrevendo e pesquisando. A inexistência em relação ao Estado é sua característica mais útil à Fraternidade. Isso porque a primeira regra da Fraternidade é não falar sobre a Fraternidade. E a segunda regra da Fraternidade é NÃO FALAR SOBRE A FRATERNIDADE.
O próprio escriba não tem explicação para o mistério da sua inexistência, embora haja toda uma parte de sua vida da qual Janus Mazursky não tem memória. Diz a lenda que o escriba jamais dorme, concentrando sua produção em longas madrugadas insones. E estranhamente, há pessoas que o tratam por um outro nome. Como se ele fosse uma outra pessoa, essa sim legalmente existente. Uma pessoa cujo nome é melhor não revelar aqui, para não provocar mais confusão.
Se interrogadas, essas pessoas juram que o escriba na verdade pertence a uma família nordestina, vinda do sertão de Pernambuco há cerca de dez anos, vive na zona leste de São Paulo, pulando de emprego em emprego, até acomodar-se, vejam que absurdo, no próprio coração do sistema, como funcionário do Banco do Brasil. Dizem também que ele concluiu uma faculdade de Ciências Sociais e que atualmente estuda Filosofia na USP.
E dizem ainda que se trata de um corintiano fanático, freqüentador assíduo das arquibancadas do Pacaembu, além de cinéfilo inveterado, cultor do ritual das salas escuras, viciado também em rock dos anos 70 e escritor de ficção científica e fantasia nas horas vagas. Essas últimas informações são confirmadas pelo escriba, embora ele não saiba como alguém possa ter conhecimento disso. A veemência de certas pessoas em sua fantasia alucinatória a respeito de Janus Mazursky e seu falso nome é assustadoramente convincente.
Evidentemente, trata-se de um expediente da Fraternidade para proteger seus colaboradores e impedir que caiam nas mãos da Polícia do Pensamento. Sendo Janus Mazursky um teimoso autor de crimidéias, essa providência provou ser uma idéia das mais sábias. Arrastando esse tipo de existência marginal, o escriba conduz sua guerra solitária contra o sistema, uma guerra de guerrilha, um trabalho de formiguinha, tentando enxugar um oceano com colherinha, como um vírus na máquina, uma falha na Matrix, uma mosca na sopa, um profeta no deserto. Aquele que vem para confundir e não para explicar.
O objetivo desse texto, portanto, era explicar quem é Janus Mazursky.


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Daniel M. Delfino

06/07/2006

Anexo II

ANEXO II

(Mensagens trocadas entre o editor-chefe do Duplipensar.net e os ex-conselheiros do site durante o processo de dissolução do conselho)

MENSAGEM DO EDITOR-CHEFE LEONARDO SILVINO PARA O CONSELHO DO DUPLIPENSAR.NET

Caros,

Comunico que algumas medidas foram tomadas para manter o DUPLI no ar,
entre elas a reestruturação do site e o encerramento da lista.

A situação é paradoxal. O Duplipensar é um site pequeno com estrutura
de site pequeno, receita pequena e não tem publicador, mas ao mesmo
tempo passou a ocupar quase todo o meu tempo.

A lista é um ótimo espaço para discutir idéias, mas se revelou uma
ferramenta inadequada para ajudar na edição.

Aos e-mails da lista somam-se às respostas aos e-mails dos leitores,
cadastro manual da teletela, montagem das páginas, checagem de plágio,
checagem de novos articulistas, escolha e tratamento de imagens, envio
manual das teletelas, revisão de textos, assessoria de imprensa,
criação de textos, criação, marketing, RP, entre outras tarefas.

O problema se agravou quando fiz um acordo para trabalhar em casa. A
empresa me deu um calote e fechou as portas em março. Minha esposa
também está desempregada e nossa renda atual resume-se a freelas. A
situação não é tão desesperadora porque somos econômicos e trabalho
muito para pagar as contas. Mesmo assim devo ao Ozzie dois anos de
hospedagem dos sites do Dupli.

Sistematicamente tenho priorizado o Duplipensar em relação aos meus
clientes até chegar a uma situação insustentável, mesmo mantendo uma
rotina de 14 horas de trabalho diário, todos os dias da semana. Devo
manter um projeto no ar que considero um filho ou pagar o aluguel?

Tudo vale a pena se alma não é pequena. Manter o Dupli no ar compensa
clientes inadimplentes, contas, a violência do Rio de Janeiro e até
críticas injustas, como as que recebi por ter sido obrigado a
paralisar o Dupli por sete dias, o que não acontecia desde 2003.

Como editor minha prioridade é manter o DUPLI atualizado com o máximo
de qualidade. Conseguimos sucessos recentes mas não posso deixar o
site implodir. Um passo para trás para poder dar dois para frente. Os
artigos devem ser enviados ao meu e-mail. Quaisquer dúvidas entrem em
contato.

O período da lista foi gratificante e agradeço a todos. Foi um período
de experiência e conhecimento para todos nós.

Dias melhores virão.

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MENSAGEM DE JANUS MAZURSKY PARA OS EX-MEMBROS DO CONSELHO DO DULIPENSAR.NET, COM CÓPIA PARA O EDITOR-CHEFE LEONARDO SILVINO

Olá companheiros

A alguns de vocês é a primeira vez que me dirijo pessoalmente, com outros, já faz algum tempo que não entro em contato.

É a primeira vez que escrevo a todos desde o encerramento da lista do confrat. Gostaria de poder escrever numa situação mais agradável.

Considero a situação ruim por conta da avaliação que faço do encerramento do confrat. Gostaria de partilhar essa avaliação com todos.

Para ser bastante direto, considero contraditório o argumento do Leonardo de encerrar o confrat por falta de tempo. Se as atividades do Duplipensar.net estão corroendo seu tempo já bastante escasso e prejudicando sua vida profissional, penso que a solução seria o oposto: partilhar as tarefas com aqueles que estivessem interessados.

Penso que seria mais produtivo abrir a discussão com os membros do conselho, fazer um convite a quem estivesse disposto a assumir um compromisso mais sério, reformatar o conselho com base nesse compromisso, elaborar coletivamente um plano de ação e dividir as tarefas.

Envio manual da teletela, contato com leitores, contato com novos autores, verificação de plágio; penso que tarefas como essas poderiam ser distribuídas entre os membros do conselho, como já tinha sido por exemplo a revisão de textos. O mais conveniente seria revezar essas tarefas ou outras entre os membros do conselho. Cada um cuida de determinada tarefa por determinado período de tempo.

Eu não descartaria sequer um compromisso financeiro entre os conselheiros para ratear as despesas; me lembro que cheguei a propor isso se não me engano quando da saída do Marcelo Kashmir, antes da penúltima ampliação do conselho.

Enfim, isso deveria ser discutido coletivamente de maneira aberta, de modo que se pudesse pensar num plano para autonomia financeira do projeto.

Evidentemente, todas essas medidas implicariam numa maior repartição da responsabilidade editorial/institucional/comercial, mas seria esse um preço intolerável a pagar para ter o projeto caminhando com as próprias pernas?

A última coisa que eu pensaria seria encerrar o conselho por falta de tempo para acompanhar as discussões. O problema não é simplesmente a dissolução de um grupo de discussão na internet. Grupos do yahoo, listas de e-mails, comunidades do orkut é o que mais existem. O problema é que o fim do confrat significa a dissolução de um espaço de decisão coletiva.

Para ser bastante franco, o interesse em participar e colaborar com um determinado projeto é proporcional ao poder de decisão de que se desfruta dentro desse projeto. Qual será o interesse em manter uma colaboração passiva num projeto sobre o qual não se pode minimamente influenciar os rumos a serem tomados?

Escrevi ao Leonardo duas vezes desde o encerramento do confrat, enviando textos e pedindo vossos e-mails, mas não obtive qualquer resposta (tive que garimpar os vossos e-mails para conseguir mandar essa mensagem; não encontrei os da Paula Lameu, Ozzie e Eleutério). Escrevi novamente a ele expondo exatamente os argumentos acima.

Escrevo agora aos companheiros para abrir a discussão, pois não gosto de silêncios incômodos. Ainda acho que o debate aberto é a melhor forma de resolver os problemas.
Gostaria de saber as opiniões de todos. Gostaria de saber se alguém já teve contato com o Leonardo, se alguém obteve mais explicações, se concorda ou discorda das medidas por ele tomadas, se concorda ou discorda dos argumentos que expus acima; enfim, o que pensam do rumo que tomou o Duplipensar.net.

Como eu já disse numa mensagem do finado confrat, eu visto a camisa desse projeto, continuo acreditando nele e é nesse sentido que estou propondo a discussão.

Abraços

Janus

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MENSAGEM DO EDITOR-CHEFE LEONARDO SILVINO PARA JANUS MAZURSKY

Janus,

Este não é o primeiro dos momentos difíceis que vivi nestes 32 anos. Saí da casa dos meus pais aos 23 anos e enfrento o momento mais difícil: agora tenho uma família ao mesmo tempo que não tenho grana, carro, casa própria, emprego fixo e nem os pais para me sustentar. Este tipo de coisa geralmente sensibiliza as pessoas quem pagam a própria comida, luz, aluguel, gás, telefone, condomínio, etc. Mesmo assim, todo o mundo sabe o que acontece quando você está na pior.
Nos momentos ruins existem dois tipos de pessoas:
1) Aqueles que nos perguntam o que precisamos para nos recuperar;
2) Aqueles que nos dizem o que fizemos de errrado e o que teriam feito em nossos lugares.

Exatamente isto está acontecendo agora. Alguns apoiam e outros dizem o que fariam em meu lugar. Vejo isso com um profundo desgosto, já que a situação do Dupli é temporária. Além dos problemas que mencionei o site também tem saído do ar constantemente e os formulários Teletela e Contato não estão funcionando; mesmo assim, o DUPLI continuará a ser atualizado regularmente com os artigos de colaboradores e de alguns amigos que se sensibilizaram com este momento.
Em qualquer relação a confiança é fundamental. O seu amigo Marcello Kashmir não saiu. Ele foi expulso do site por quase ter afundado um trabalho de anos, mesmo "vestindo" a camisa do DUPLI.

Você também foi acusado de não ser o autor dos próprios artigos. Lembra do famoso e-mail de dezembro de 2004? Ei-lo na íntegra: "Sou leitor do site e conheço Janus Mazursky. Se vc investigar melhor, verá que se trata de uma farsa. A pessoa que escreve não é a mesma que se apresenta pessoalmente a vc e seus companheiros. Não comente nada antes de ter a sua certeza. Investigue. Pedro Ararujo."

Eu acreditei em você, mesmo com uma grande probabilidade de estar errado. Afinal, Janus Mazursky e Marcello Kashmir não existem, são impessoas. E impessoas não precisam se responsabilizar pelo que escrevem ou fazem. Neste momento, o mínimo que você pode fazer em gratidão ao site que publicou seus artigos e divulgou o seu pseudônimo é apoiá-lo e não apontar para mim e para os demais o que eu devo ou não fazer.
O Dupli vai dar a volta por cima. Pode apostar.

Atenciosamente,

Leonardo Silvino

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MENSAGEM DE JANUS MAZURSKY PARA O EDITOR-CHEFE LEONARDO SILVINO

Leonardo

Se a minha mensagem deu a entender que eu estava atacando o Dupli ou a sua pessoa, cuspindo no prato em que comi, etc.; acho que me expressei muito mal. Você me cobrou gratidão e apoio para com o site que divulgou meu pseudônimo. No meu entendimento, era exatamente isso que eu estava fazendo. Minha intenção não era jogar para baixo, dar palpite com ar de superioridade ou posar de sabe-tudo porque estou “de fora” da situação. A intenção era contribuir com idéias. Continuo acreditando honestamente que o compartilhamento de tarefas e responsabilidades é a melhor solução para superar uma situação de crise.

Provavelmente eu errei adotando um tom crítico demais, mas isso se deveu a uma exasperação pelo prolongado silêncio e pela solidão causada justamente pelo encerramento abrupto da lista. Devo ter errado também por escrever separadamente para o grupo e para você, mas de alguma maneira eu precisava reiniciar o debate, explorando o terreno, justamente pela inexistência do fórum do confrat. Dependendo do que me responder agora, considero que o mais apropriado seria reproduzir os e-mails que trocamos com cópia para todos no grupo, para que voltemos a ter a discussão aberta. Aliás acabo de propor exatamente isso ao grupo, pois não é do meu feitio manter discussões separadas.

Mas isso quando estivermos discutindo seriamente idéias. Antes de chegarmos a esse momento, acho necessário esclarecer algumas questões de caráter pessoal implicadas na sua resposta. Em primeiro lugar, nunca duvidei das suas dificuldades no plano profissional, pois essa tem sido a tônica daquilo que você nos fala a respeito do tema já há algum tempo; e sempre admirei principalmente a abnegação envolvida em secundarizar a carreira para manter o Dupli no ar. Mas na sua resposta, detectei uma certa insinuação de que as críticas que fiz só poderiam ter partido de alguém que não entende o que são dificuldades materiais.

Eu não gostaria de colocar a discussão em termos de quem sofreu ou sofre mais na vida, mas diante do que pareceu estar contido naquela insinuação, me vejo na obrigação de responder a isso. Não sou filhinho de papai, não sou sustentado por ninguém, pago minhas contas e ajudo minha família, trabalho desde os 11 anos, já morei no sertão de Pernambuco, trabalhei na roça, biblicamente comi o pão com suor do meu rosto, não levo uma vida de ócio e regalias que me permita desprezar o sacrifício alheio, e o fato de só ter tido meu duplimóvel subtraído uma única vez na vizinhança em que moro é um verdadeiro milagre.

Em segundo lugar, eu só mencionei o nome do Kashmir na mensagem anterior marginalmente, para localizar no tempo o momento em que, se eu não me engano, fiz a proposta de que os membros do conselho deveriam arcar com os custos de manutenção do Dupli. Ou seja, o que eu quis dizer é “fiz essa proposta no momento em que o Kasmir saiu”. Mas você tem razão, ele não saiu, ele foi expulso, e muito bem expulso, o que ele fez foi inaceitável, o plágio não é perdoável em hipótese alguma, o erro dele foi uma ofensa a todos nós e um tremendo risco para ao projeto do Dupli.

Em nenhum momento o que eu escrevi foi no sentido de reivindicar uma defesa do Kashmir, ou de relacionar isso com a proposta de um compartilhamento de encargos financeiros. Se em momento posterior eu voltei a ter contato pessoal com o Kashmir, o Dupli jamais esteve em discussão. Posso assegurar que ele está arrependido do que fez, aprendeu uma lição para o resto da vida e entende que em relação ao Dupli as portas para ele estão fechadas para sempre. Mas isso não tem qualquer importância para o que estamos discutindo.

Em terceiro lugar, é bizarro rever nesse momento o e-mail que me acusa de não ser o autor dos meus textos. Desculpe a brincadeira, mas parece coisa de casal que termina um relacionamento e um começa a “jogar na cara” do outro todas as pequenas picuinhas que ficaram guardadas. Só levo a coisa na brincadeira porque sei que não passa de uma tolice sem pé nem cabeça, do nível das bobagens que alguns dos nossos leitores mais peculiares postam no diário de Winston. Se eu não estivesse tão tranqüilo, deveria até tomar o ressurgimento desse tema como uma ofensa.

Mas ele parece ter sido trazido à tona como uma ameaça, como se eu devesse temer que esse e-mail fosse divulgado. Mas isso seria muito estranho. Se fosse uma ameaça, isso significaria que você realmente acredita que existe a possibilidade de que eu não seja o autor de algum dos meus textos. E se você realmente acreditasse nisso, seria uma rematada sandice ter publicado mais de 50 textos meus desde então, pois se a acusação fosse verdadeira essa carga de textos espúrios estaria expondo o Dupli a um risco monumental.

Decerto você fez a investigação recomendada, ou preferiu não acreditar na acusação de um tal Pedro Araújo que escreve uma única vez para fazer essa acusação para acreditar num Janus Mazursky que escreve há mais de três anos para colaborar com o site. Está em seu poder acreditar em um ou em outro. O que me cabe dizer é o mesmo que disse no momento em que você me expôs a acusação, ou seja, que a acusação só poderia ter partido de uma leitora com quem tive um brevíssimo relacionamento, que deixou de acreditar que eu era o autor dos textos assinados com o nome de Janus Mazursky no momento em que me desinteressei dela e deixei de me corresponder. Ela é uma das poucas pessoas, fora minha família e alguns amigos, que sabe que Janus Mazursky é um pseudônimo, e provavelmente usou o nome de Pedro Araújo para me acusar. Patético.

Talvez eu tenha agido mal com ela, ou talvez eu que seja patético enquanto pessoa real por não conseguir ter os atrativos da minha persona virtual. Mas a minha miséria sexual nunca interferiu na qualidade da minha atuação enquanto persona virtual. E é disso que se trata aqui, da qualidade do trabalho desenvolvido.

Por isso é ainda mais estranho da sua parte passar a acreditar na acusação novamente ou trazê-la à tona apenas no momento em que esse Janus Mazursky se tornou inconveniente por tentar defender aquilo que acredita que seria melhor para o Dupli (talvez de maneira excessivamente dura ou atabalhoada, mas sem tentar desqualificar o interlocutor no plano pessoal).

Em quarto lugar, é desagradável a maneira como você volta a associar o meu nome com o do Kashmir, como se se tratasse de dois “irresponsáveis que usam pseudônimo”. O raciocínio parece ser o seguinte: “O Kashmir é um irresponável que plagia textos, mas isso não importa para ele, porque Kashmir não existe, é só um pseudônimo. Janus Mazursky também é só um pseudônimo, portanto deve ser outro irresponsável que também não se importa com o que acontece com a reputação dele ou do Dupli, porque não o afeta na vida real.”

Não sei qual é a relação entre “uso de pseudônimo”-“desligamento da responsabilidade” autoral, moral ou de qualquer natureza. Se houvesse alguma relação necessária entre uma conduta e outra, o comportamento de Eric Arthur Blair, vulgo George Orwell, também seria questionável, pois “escondeu” o que escreveu por trás de um pseudônimo.

Tudo bem, não posso ir tão longe, não posso tomar o “santo nome” de nosso “padrinho” em vão. Longe de mim me comparar a ele. O que devo dizer é que, se alguém usa pseudônimo, deve ter suas razões, e essas razões não necessariamente implicam intenções desonestas. Entretanto, parece que em sua visão, no que diz respeito a mim, implicam. É com tristeza que constato o quão baixo é o conceito que se faz da minha (im)pessoa.

Não era minha intenção transformar essa discussão numa competição para decidir quem se dedicou mais ao Dupli. Isso não faria sentido, pois o Duplipensar.net é uma criação sua. Mas preciso dizer que alguma dose de dedicação a esse projeto eu tive. O nome Janus Mazursky não é uma brincadeira para mim. O fato de já ter mais de 100 textos publicados no Dupli em pouco mais de três anos (em 99% dos casos, exclusivamente no Dupli), no mesmo período em que estava trabalhando, estudando e tocando a minha vida; significa que também andei perdendo algumas horas de sono com esse projeto. E bota horas de sono nisso. Se isso não indica que eu também aposto no Dupli, o que mais indicará?

Foi com você que aprendi o sentido de lealdade, ao levar uma merecida “bronca” velada por ter enviado textos para um outro veículo, se não me engano o site “Confraria”, ainda no início de minha colaboração. Aprendi a lição. Entendi o que significa compromisso. Desde então, enviei meus textos somente para o Dupli. Nem sequer um blog pensei em criar. O Dupli sempre foi e continua sendo minha prioridade. Quando um outro veículo, no caso o site do PSTU, me pediu para publicar um texto meu, fiz questão de pedir a opinião do conselho do Dupli, pois considero os companheiros do confrat também de certo modo “donos” do meu trabalho.

Também aprendi através do convívio virtual que me foi proporcionado pelo convite que você me fez a ingressar no Dupli, que a internet também pode ser um terreno para o surgimento de amizades reais. Considero as pessoas com quem convivi no confrat como amigos, não como reles impessoas. Talvez entre nós dois não exista mais a possibilidade de amizade, pois como você mesmo disse, a amizade só é possível onde existe confiança. Em vista dos quatro pontos que comentei nessa mensagem, parece que não existe mais confiança mútua entre nós, o que é uma pena.

Não sei se essa confiança ainda pode ser reconquistada. Mas independentemente da possibilidade ou do interesse mútuo de retomar essa relação, ainda acredito que algum nível de relação de trabalho deveremos manter. Pois ainda espero ver o Dupli voltar a crescer com a colaboração de todos que compunham o confrat.

Cordialmente

Janus Mazursky

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MENSAGEM DO EDITOR-CHEFE LEONARDO SILVINO PARA JANUS MAZURSKY

Janus,

Fique tranqüilo por que não faço ameaças. Se eu tenho um problema para resolver com você eu vou resolver com você e não com outras pessoas. Por este tipo de conduta eu não posso permitir que você diga para outras pessoas o que faria no meu lugar; o que eu deveria fazer como editor e muito menos deixá-lo incentivar a saída de colaboradores do projeto.

Você pode achar que está certo e que está ajudando, mas na verdade só está piorando as coisas. Eu já dei muitas alegrias a vários colaboradores em publicar os artigos e divulgar os seus nomes/pseudônimos. Agora neste momento difícil espero apoio. Sei que muitas pessoas ficaram chateadas, até magoadas, mas as decisões que foram tomadas estão tomadas. Consummatum est.

Chegamos a um ponto sem volta. Você vai me apoiar ou não?

Responda-me quanto tiver certeza.
Atenciosamente,
Leonardo Silvino
Editor-chefe
Duplipensar.net

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MANIFESTO EM PROL DO DUPLIPENSAR.NET

(TEXTO DESENVOLVIDO PELOS EX-MEMBROS DO CONSELHO DO DUPLIPENSAR.NET E ENVIADO AO EDITOR-CHEFE)

Tendo em vista o atual momento de crise pelo qual passa o Duplipensar.net, que se expressa pela dissolução do Conselho da Fraternidade, os autores abaixo assinados dirigem-se ao editor-chefe Leonardo Silvino para colocar em discussão os seguintes pontos:
- Entendemos que o Duplipensar.net alcançou notável êxito na tarefa de se construir como espaço aberto para o pensamento crítico na internet brasileira.
- O êxito se deveu à capacidade de desenvolver a inspiração contida na obra de Orwell e autores afins, de maneira livre e isenta de dogmatismos, sectarismos e lugares-comuns.
- O conteúdo veiculado no Duplipensar.net tem se caracterizado por uma saudável liberdade de criação e por uma ampla abrangência de temas e de perspectivas teórico-políticas.
- Esse perfil foi o responsável pelo fato do Duplipensar.net ter conseguido se colocar de maneira crítica e independente em relação aos acontecimentos mais palpitantes da conjuntura, evitando cair na armadilha de se identificar tanto com a direita oportunista como com a esquerda mais tradicional e atrasada; prova disso é que desagradou a ambas.
- Apesar de todas as debilidades, oscilações e percalços, o Duplipensar.net caminhava claramente para uma ampliação de seu espaço, tanto em termos de audiência como de repercussão, colocando inclusive a possibilidade de saltar do ambiente virtual para lançar-se como veículo de idéias impressas, salto que estava colocado claramente como uma meta tangível para um horizonte de tempo não muito distante.
- Entendemos finalmente que, a despeito das condições brutalmente adversas, existe mercado para a busca de construir “uma época em que o pensamento seja livre, em que os homens sejam diferentes uns dos outros e que não vivam sós – a uma época em que a verdade existir e o que foi feito não puder ser desfeito”; ainda que essa busca implique a negação do sistema (contemplando inclusive a negação do próprio mercado). E que o Duplipensar.net tem um lugar importante a ocupar nesse “mercado”, o que se oferece diante dos envolvidos não só como possibilidade de emancipação profissional como também na condição de tarefa política, dever cultural, responsabilidade moral e realização pessoal.

Com base nesse entendimento, verificamos também que o relativo “sucesso virtual” do Duplipensar.net não se deu sem uma contrapartida material, que se coloca como uma série de violentas pressões sobre os envolvidos no projeto. À parte o seu envolvimento com a produção de textos e idéias para o Duplipensar.net, os autores continuam tendo que dar conta das atividades rotineiras de sua vida profissional, sindical, política, acadêmica, científica, artística, esportiva, pessoal, familiar, sexual, etc.

Isso significa que a colaboração desenvolvida com o Duplipensar.net exigiu o sacrifício de tempo e de esforço em horas de leitura e releitura, elaboração e reelaboração de textos próprios e de terceiros, bem como no acompanhamento atento de tudo que se passa na realidade circundante e que possa servir de objeto para uma abordagem duplipensada. O sacrifício por parte dos envolvidos só faz sentido e só se justifica com base na aposta que se faz no crescimento do projeto em direção a um patamar superior, que se materializaria no Duplipensar.net em versão impressa e auto-sustentada.

Se isso é válido para cada um dos autores que se dedicou a esse projeto, o é ainda mais em relação ao editor-chefe, que acabou por centralizar todas as atribuições em sua pessoa. Se o que se coloca como obstáculo para a continuidade do projeto é o excesso de trabalho, a ponto prejudicar a carreira ou a vida pessoal, a solução deve estar em diminuir a carga de trabalho, não aumentá-la. Não vemos como a centralização de todas as atribuições nas mãos de uma única pessoa possa diminuir a carga de trabalho. Pelo contrário, acreditamos que, no atual estágio, somente uma maior descentralização de tarefas poderia assegurar a continuidade das atividades.

Nesse sentido, propomos a retomada de um regime de colaboração pautado pelos seguintes pontos:

1. Volta do Conselho da Fraternidade, ainda que em caráter consultivo e não deliberativo, de modo que os colaboradores mais próximos possam de alguma maneira contribuir com idéias para o projeto.
1.1 Essa proposta é crucial no sentido de que constitui uma condição fundamental para que qualquer das propostas seguintes seja implantada, pois todas perdem o sentido sem ela.
1.2 Que sejam mantidos no conselho os atuais membros, com suas atuais funções, com mandato até o final de 2006, quando a composição do grupo deverá ser rediscutida.
1.3 O conselho toma suas decisões em regime de votação. Tanto em relação aos textos a publicar quanto a propostas de encaminhamento, o conselho deve se pronunciar formalmente contra ou a favor, sendo as abstenções contadas como votos em branco e computados os votos dos conselheiros que se manifestarem dentro do prazo estipulado.
1.4 O parecer do conselho é indicativo; cabe ao editor-chefe acatá-lo ou não. Isso preserva a prerrogativa do editor-chefe e também determina de maneira clara o papel e a responsabilidade do conselho na condução do projeto.
1.5 As alterações na composição do conselho ou em seu regime de funcionamento deverão ser decididas por unanimidade ou por algum tipo de maioria qualificada a ser discutida.

2. Que seja discutida uma maneira dos membros do conselho assumirem parte do “trabalho manual” envolvido em colocar o Dupli no ar. Isso pode incluir um regime de revezamento, e deve exigir um sistema de prestação de contas e balanço coletivo do trabalho desenvolvido, com relatos periódicos, de maneira que todos possam aprender com a experiência.

3. Que seja discutida uma maneira de assegurar a independência financeira do Dupli, se necessário por meio de um fundo mantido pela contribuição dos conselheiros.

“Não se revoltarão enquanto não tiverem consciência; não terão consciência enquanto não se revoltarem” – George Orwell

Vida longa ao Dupli!

Esse manifesto é assinado pelos nomes abaixo:

Janus Mazursky jmazursky@terra.com.br
Marcio Salgues marciosalgues@gmail.com
Cybele Meyer cybelemeyer@yahoo.com.br
Ricardo Boessio rboessio@yahoo.com.br
Michel G. Silva michelgsilva@yahoo.com.br
Ana Flávia portufrj@yahoo.com.br
Joe Rocha Rangel rocharang@aol.com



Obs:

1. O leitor que estiver interessado em obter a íntegra dos e-mails trocados entre os ex-conselheiros durante e depois da dissolução do conselho, bem como a percepção pessoal de cada um deles a respeito do processo, deve procurar qualquer um deles individualmente.

2. Além de membros do antigo conselho do Duplipensar.net que o assinaram como co-autores e co-responsáveis, o Manifesto também recebeu o apoio de alguns colaboradores do site, que não eram membros do conselho, mas contribuíram para a discussão e apoiaram as idéias expressas.

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COMUNICADO DISTRIBUIDO PELO EDITOR-CHEFE LEONARDO SILVINO A ALGUNS EX-MEMBROS DO CONSELHO APÓS A ENTREGA DO MANIFESTO EM DEFESA DO DUPLIPENSAR.NET

Sr.(a),
Como editor-chefe do Duplipensar.net tenho que tomar diariamente decisões. Estas decisões são baseadas em pesquisas e no que considero melhor para o site.

Para manter o Dupli tive que fazer muitas concessões. O site foi enxugado devido à segurança, espaço, perfis falsos e denúncias de articulistas que não são os autores de seus próprios artigos. Isto desagradou alguns, mas espero que respeitem minhas decisões.

Para meu desgosto, recebi um e-mail que consta o seu nome em uma lista de exigências e acusações a minha pessoa.

Lembro que o sr.(a) enviou suas colaborações de forma espontânea. Agora, num momento difícil recebo uma mensagem extremamente desrespeitosa que ainda procuram restringir minhas respostas a apenas três opções; ou seja, não permitem ao menos a chance de me defender sem que eu pareça insensível, estúpido ou um ditador.

O DUPLI é uma criação pessoal. Abri espaço para colaboradores e infelizmente não posso compartilhar da minha casa com pessoas que não respeitam ao menos algumas regras básicas de convívio e profissionalismo. Dediquei anos e recursos nele e nunca pedi algo em troca. Quem colaborou com o site o fez por livre e espontânea vontade de acordo com suas capacidades.

O Duplipensar.net é um site artesanal. Dedico-me particularmente à manutenção de mais de 3 mil arquivos. Sites maiores contam com layout-padrão e sistema de publicação, enquanto ele foi desenvolvido em html simples, com pouquíssimos recursos adicionais e, ainda assim, considero-o muito bem feito. Sei que estou encarregado de várias funções, mas a divisão de tarefas exige confiança. E só posso fazê-la com pessoas que tenham confiança em mim.

Iremos superar esta fase, pode apostar. Inclusive tomarei todas as medidas necessárias para manter a minha integridade e a do site.

As decisões que tomei são irrevogáveis e não será através de pressão que irei voltar atrás. Eu tenho os meus motivos para o que fiz e esperava a sua compreensão. É totalmente desrespeitosa, e inútil, a tentativa de aprovação de artigos à força. Esta atitude deixa clara a real intenção por detrás das acusações e exigências feitas a minha pessoa.

Se o sr.(a) realmente concorda com a mensagem que originou tudo isso - ou foi o autor - não existe a menor possibilidade de manter suas colaborações no site; já que deixaria claro que não confia na minha capacidade de gerenciamento e na minha pessoa. Portanto, aguardo a sua resposta.
Atenciosamente,
Leonardo Silvino
Editor-chefe

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APÓS ESSE COMUNICADO NENHUM DOS CO-SIGNATÁRIOS DO MANIFESTO RETIROU SEU NOME DO TEXTO, MAS TODOS FORAM BANIDOS DO DUPLIPENSAR.NET E TORNADOS IMPESSOAS

Daniel M. Delfino

06/07/2006