30.4.07

Publicidade equivocada




Há uma certa revista semanal brasileira que tem a si mesma em altíssima conta. Chega a se dizer mesmo indispensável. Esse é o mote de sua publicidade. Há uma campanha publicitária desta revista circulando nas emissoras de TV, que, segundo me parece, corre o risco de contradizer o seu slogan. Pode dar a impressão de que a revista não tem, na verdade, nada de muito importante para dizer.

Nessa campanha, há cenas de diálogos, nos quais uma das partes se dirige a seu interlocutor usando um ponto eletrônico disfarçado no ouvido. Por esse ponto eletrônico, o protagonista do comercial recebe informações diretamente de uma vã, oculta de seu interlocutor. Um veículo identificado com o logotipo da revista. Os cenários são variados. Há uma conversa entre o que parecem ser executivos do mercado financeiro num elevador, há uma entrevista de emprego, há uma conversa entre duas madames circulando de carro pela metrópole. Em todos os diálogos, o protagonista parece se colocar em posição de vantagem. Abastecido por informações da revista, desfila segurança e credibilidade. O discurso implícito nessas peças é algo do tipo: “assine nossa revista e você sempre terá algo que parece inteligente para dizer”.

A revista tenta se vender como um diferencial de auto-desenvolvimento pessoal. Um expediente de auto-ajuda. Leia-a para estar atualizado. “Up to date”. Competitivo. Leia-a para se mostrar superior, para impressionar, para “fazer média”. Nesse particular, não faz muita diferença o que se fala. Contanto que pareça inteligente. O parecer é o fundamental. Numa sociedade de simulação, diálogos simulados. O conteúdo desses diálogos é em grande medida indiferente. Frases feitas do senso comum economicista. A miscelânea eclética dos analistas do mercado. As propagandas parecem mesmo brincar com essa artificialidade empolada dos textos, como se a linguagem formal fosse uma coisa sem sentido, uma maneira de empulhar quem está ouvindo. E me parece que empulha também quem está falando. A massa telespectadora, excluída do domínio da linguagem formal, pode rir-se do ridículo daqueles que fingem dominá-la.

As peças publicitárias brincam com a artificialidade do expediente do ponto eletrônico. Há o momento em que a transmissão do ponto eletrônico falha. E o seu usuário fica perdido. Sem sua indispensável fonte de informação, fica num “mato sem cachorro”. Não lhe vem nada na cabeça. Precisa mudar de assunto. Aí é que está o perigo. Toda brincadeira parece ter um fundo de verdade. A transmissão da revista não ensina nada a quem a utiliza.

O risco que vislumbramos nisso é de que o processo todo ganhe uma aparência artificial. O conteúdo da revista entra pelo ouvido, sai pela boca, mas não passa pelo cérebro. Para que serve a informação que a revista oferece? O que é informação? Um produto que se recebe de forma passiva? É um mero conjunto de frases que se usa para impressionar? Não deveria ser um conhecimento que ajuda a interpretar o mundo? Um estímulo que provoque reflexão, que desperte o interesse intelectual, que desafie a musculatura mental? Não deveria estimular o pensamento próprio?

Será que a revista está querendo dizer que não quer que seus leitores pensem? Quer que eles apenas tagarelem como bonecos de ventríloquo? Que se contentem em aparentar inteligência? Que matraqueiem uma gosma insossa de lugares comuns e frases feitas? É o que a publicidade está mostrando. Não sou leitor da citada revista. E levando-se em consideração essa atual campanha publicitária, não me tornei mais disposto a sê-lo. Pois tendo a acreditar nesta publicidade. Considero que a publicidade diz a verdade sobre o produto, mesmo de forma transversal, enviesada, inadvertidamente. Se não se puder acreditar no que a propaganda diz, no que mais se pode crer?

Daniel M. Delfino

04/11/2003

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