8.5.07

"Fahrenheit 11/09” Segundo J.J. Rousseau - Parte 3




8 – A teoria da conspiração

O debate político nos Estados Unidos é viciado pelo termo “teoria da conspiração”. Quando algum debatedor se apresenta contra o sistema de maneira muito incisiva ou radical, é acusado de cometer uma “teoria da conspiração”. Essa é a senha para desmobilizar ou desautorizar a crítica radical. O sentido de acusar um opositor de cometer uma “teoria da conspiração” é fazer com que seu argumento perca credibilidade por falta de provas.

Uma “teoria da conspiração” típica é aquela que acusa indivíduos ou grupos situados nas altas esferas do poder político e econômico de ocultar a verdade, de mentir para o público, de usar de seu poder para benefício pessoal e vantagens privadas, distorcendo a função das instituições públicas. Como se o problema fosse a desonestidade pessoal dos representantes do sistema, personificações do capital, e não a própria inviabilidade do sistema como um todo.

Um exemplo clássico de “teoria da conspiração” é o daquela que acusa o complexo industrial-militar de haver tramado a morte do Presidente J.F. Kennedy para deslanchar a guerra do Vietnã e lucrar com ela. Objetivamente, foi isso que aconteceu. A guerra do Vietnã, à qual Kennedy se opunha, prolongou-se e a indústria armamentista lucrou enormemente com ela. Portanto a acusação é verdadeira. Mas é impossível de ser provada. Ninguém conseguirá acesso às peças decisivas, documentais, de informação capazes de reconstituir passo a passo o procedimento do assassinato. Essas peças existem, mas estão sob a proteção cerrada dos próprios fautores do crime. São portanto inacessíveis e impublicáveis. Para todos os efeitos práticos, é como se não existissem. Assim, os autores do crime podem se safar indefinidamente.

O debate fica assim restrito ao campo dos fatos em sua imediaticidade, que nunca virão à tona, e nunca atinge o nível dos interesses materiais que foram objetivamente beneficiados pelo crime. Estes se encontram à salvo, numa esfera à parte de inacessibilidade que é a da própria garantia de estabilidade do sistema. Os opositores do sistema nunca conseguem alcançar essa esfera. Não conseguem criticar o sistema como um todo, mas tão somente suas manifestações particulares.

Dentro dos Estados Unidos, praticamente inexiste uma corrente crítica que rejeite o sistema capitalista como um todo. Inexiste um partido socialista de massa, assim como inexiste uma esquerda radical organizada. Existe sim uma vasta tradição liberal e democrática, que é o máximo a que se pode aspirar em termos de oposição ao sistema. Os liberais se defrontam com os conservadores de direita. Mas ambos o fazem dentro do quadro de referências do sistema estabelecido, sem nunca cogitar de transcendê-lo.

Enquanto o debate patina indefinidamente nesse campo de generalidades inócuas, entre uma maior ou menor preocupação social nas políticas do governo, os opositores mais radicais perdem a paciência. E acusam o governo e as corporações de fraudes e crimes diversos. Como não encontram eco na tentativa de combater o sistema como um todo, estão condenados a se opor a aspectos parciais das práticas perniciosas dos representantes particulares desse sistema. Quando atacam esses aspectos particulares, as tramóias das corporações X, Y ou Z com os políticos fulano, sicrano e beltrano, não tem provas para respaldar as acusações.

Essas acusações ficam assim flutuando num perpétuo clima de dúvida, de suspeita, impossíveis tanto de serem dissipadas como de serem comprovadas. Nessa zona de incerteza perpétua, a oposição corre o risco de se aproximar do campo do entretenimento e do bizarro, assemelhando-se aos lunáticos que acreditam em lendas como os extraterrestres de Roswell e da Área 51.

O debate entre as alternativas políticas de direita e de esquerda nos Estados Unidos fica restrito a essa esfera cultural e comportamental. Debatem-se temas como aborto, homossexualismo, ensino do darwinismo, etc., que não são desimportantes, mas passam longe do questionamento da lógica essencial do sistema.

Quando alguém da oposição lança argumentos fortes, como esse “Fahrenheit 11/09” corre esse risco de ser acusado de “teoria da conspiração”. O sistema não pode admitir que alguém o esteja questionando em sua essência. Ele apenas admite o questionamento dos atos particulares dos seus agentes. É nesse nível que esses agentes podem ser acusados de quebrar as regras do jogo. Quanto ao jogo em si, este permanece inquestionável. Ficamos assim diante de um diálogo de surdos. O que interessa é questionar o sistema capitalista e seus pressupostos fraudulentos. Mas esse questionamento só consegue se exprimir e ser ouvido como um questionamento da honestidade pessoal dos guardiões do sistema.

“Fahrenheit 11/09” também apresenta sua “teoria da conspiração”. Mostra como os atentados de 11/09 foram benéficos para os interesses de ambos os lados. As famílias de Bush e de Bin Laden são sócias em empreendimentos que incluem indústrias armamentistas. Na seqüência dos atentados, os Estados Unidos declaram uma “guerra ao terror”. Em conseqüência dessa guerra, a indústria armamentista festeja os lucros oriundos dos contratos de fornecimento de armas ao exército. A conclusão é óbvia. Os atentados e a guerra subseqüente são manobras destinadas a fazer com que a indústria armamentista ganhe dinheiro. Manobras arquitetadas pelo mesmo grupo. Bush e Bin Laden, sócios no terror, na guerra e nos lucros.

A denúncia contra Bush e Bin Laden fica assim no plano de uma mera conspiração. Como se o maior defeito do sistema capitalista fosse permitir que uma gangue de criminosos ocasionalmente ocupe postos de poder capazes de influenciar o mundo. Ora, esse não é o funcionamento aberrante ou anormal do capitalismo, mas a sua normalidade. O sistema é predatório, fraudulento e corrupto. As “conspirações” dos poderosos não são a exceção, mas a regra. Não é suficiente acusá-los de “conspiração”, pois é necessário mostrar a criminalidade inerente à própria lógica do sistema.

Daniel M. Delfino

12/08/2004

Um comentário:

4rthur disse...

Cara, esse é exatamente o tema do último post que escrevi. A teoria da conspiração, dizem, chega também ao tsunami e até mesmo à explosão de um foguete brasileiro.

Se tiver interesse, está tudo aqui:

http://absurdosturos.blogspot.com

Parabéns pelo blog! Abraço.