31.5.07

Voto nulo no 2º turno das eleições 2006




Dois candidatos e um só programa

A classe dominante vencerá as eleições de 2006. Duas alas do partido único da burguesia estão no segundo turno. Essas duas alas, PT e PSDB, travam uma luta mortal para decidir quem vai seguir administrando os interesses do capital, contra os trabalhadores e oprimidos. Num país capitalista periférico como o Brasil, a função do Estado é massacrar a população e garantir a remessa de lucros ao exterior; e em troca de seus bons serviços prestados, os partidos governantes ficam com as malas pretas da corrupção. É essa recompensa que PT e PSDB disputam.

Os interesses são os mesmos, mas essas duas alas utilizam instrumentos diferentes para conseguir seus objetivos.

O PSDB de Alckmin é o partido da elite da Avenida Paulista, dos contrabandistas e sonegadores da loja Daslu, da arqui-reacionária seita Opus Dei, da polícia militar fascista, dos cortes de gastos em saúde e educação, do sucateamento dos serviços públicos, do arrocho e perseguição aos servidores; é também o partido da imprensa neoliberal panfletária e golpista da Veja, da Folha, da Globo, etc.; e é o herdeiro direto das privatizações e da corrupção generalizada da era FHC, da multiplicação explosiva da dívida pública e da sangria das riquezas do país para o grande capital global.

O PT, por sua vez, é um agente do capitalismo no interior do movimento de massas, impedindo a eclosão de greves, ocupações, manifestações, aparelhando os sindicatos e organizações estudantis e populares, destruindo as tradições da democracia operária nesses organismos, controlando de modo stalinista os aparatos organizativos, bloqueando qualquer possibilidade de articulação espontânea dos trabalhadores e oprimidos, alienando e deseducando politicamente o povo, pregando o conformismo, a passividade e a colaboração de classes. De resto, o governo Lula também manteve os cortes de gastos em saúde e educação, sucateamento dos serviços públicos, arrocho e perseguição aos servidores, privatizações, corrupção generalizada, explosão da dívida pública, sangria do país, etc.

A morte do PT para as lutas dos trabalhadores

Essas duas alas do partido da burguesia exibem diferenças na aparência, mas seu conteúdo é o mesmo. A democracia burguesa dispõe dessa flexibilidade para administrar a exploração capitalista com os instrumentos adequados a cada conjuntura. Dada a rejeição popular maciça a FHC e o desejo generalizado de mudança, o PT era o portador mais apropriado dos interesses da burguesia nas eleições de 2002, pois sua ascensão iria desmobilizar as massas, como de fato desmobilizou, e por isso lhe foi permitido vencer.

Em 2006 o cenário é muito diferente. Dada a trágica ausência da luta organizada dos trabalhadores, o papel de contenção e asfixia do movimento de massas desempenhado pelo PT a serviço da burguesia deixa de ser necessário. A burguesia não acredita mais na possibilidade de resistência popular contra seus interesses e por isso conclui que já pode se desfazer do dique que desarmou a resistência popular, ou seja, o PT. Tendo o partido passado servilmente para a trincheira da burguesia, deixado de organizar as lutas populares há mais de uma década, desfeito sua ligação com a base social proletária, se tornado um aparato eleitoral; as raízes históricas da árvore partidária foram cortadas, e os galhos despencam com facilidade. Daí o fato de que os gângsteres e aloprados da direção do partido, como Dirceu, Genoíno, Delúbio, Silvinho, Palocci, Gushiken e agora Berzoini tenham sido defenestrados na esteira das sucessivas crises políticas.

O fato de que alguns setores da classe dominante tenham se colocado eleitoralmente contra Lula, e de que a mídia assalariada pela burguesia tenha exposto o “dossiê tabajara” não significa que consideram Lula seu inimigo. Significa apenas que querem negociar mais concessões de Lula, mais rendição aos seus interesses. Querem um instrumento mais dócil, mais submisso e politicamente mais débil, para seguir massacrando o povo. Se nesse processo conseguirem a vitória de Alckmin, tanto faz.

A burguesia nada de braçada nas eleições. Aos trabalhadores cabe se reorganizar para a luta, e isso não será feito pelo PT.

Para se manter no poder, Lula pragmaticamente descartou a mediação do partido que lhe deu projeção, descolou sua figura pessoal da imagem queimada do PT e passou a relacionar-se diretamente com os setores mais pauperizados das massas por meio dos programas assistencialistas de bolsa-esmola. A cada crise, desde o mensalão ao dossiê, Lula decapitava seu próprio partido, abrindo caminho para as alianças oligárquicas e para o exercício de um tipo de liderança baseado puramente no carisma pessoal do “pai dos pobres”. Nem os antigos cardeais do PT terão qualquer papel importante num eventual segundo mandato de Lula, nem muito menos os setores da esquerda do partido.

A volta dos que não foram

Não obstante, existe um persistente discurso que tenta identificar Lula com a esquerda, e em nome dessa identificação, luta para fazer a população rejeitar Alckmin e “a volta da direita”. O fato de que Alckmin seja a encarnação transparente da direita não significa que automaticamente por exclusão Lula seja a esquerda. Essa lógica de uma perna só praticada pela esquerda petista desconhece os ensinamentos históricos da luta de classes em nome do apego religioso fanático, dogmático e histérico à figura de um candidato “salvador da pátria”. O caráter de classe de um partido não está na sua oposição nominal a uma outra sigla, mas no tipo de política que esse partido efetivamente coloca em prática.

A assim chamada “volta da direita” é a volta dos que não foram. A direita seguiu mandando no país durante o governo do PT. Lula é a direita. Lula e o PT deram as costas aos trabalhadores durante quatro anos. Governaram para a elite, para os bancos, para o capital financeiro internacional, para as transnacionais, para os latifundiários, para a incompetente burguesia brasileira. O próprio Bush, inimigo nº.1 da humanidade, antes de ir invadir o Iraque, terceirizou nas mãos de Lula a tarefa de reprimir a população miserável do Haiti. Em nome do interesse dos acionistas estrangeiros da Petrobrás, Lula endureceu a negociação contra a decisão soberana do povo boliviano de nacionalizar suas riquezas minerais.

A despeito de todas essas façanhas, a esquerda petista, a mesma que dizia que os rumos do governo estavam “em disputa”, e que não conseguiu mover este governo um milímetro sequer em direção à esquerda; agora abre mão de qualquer disputa e questionamento e se torna defensora cega e feroz de Lula. Se não há como dizer que foi um governo de esquerda, parte-se para a patética tentativa de comparar a gestão de Lula com as anteriores de FHC, como se isso fosse critério para pedir o voto dos trabalhadores no candidato do PT. Insistir na lógica do “voto útil” no “menos pior” dos candidatos constitui um recurso politicamente ainda mais indigente. Não seria de se surpreender se sacassem o peculiar argumento de que o governo Lula também “rouba mas faz”, bordão de Maluf, sempiterno avatar da putrefação política.

As “realizações” do governo Lula que se apresentam como justificativa para defendê-lo estão no mesmo patamar das melhorias que qualquer governo burguês apresenta a cada embate eleitoral: “estabilidade”, combate à inflação, controle de gastos, aumento insignificante do salário mínimo, índices macroeconômicos (que não se refletem na mesa do trabalhador), etc. Os números são a expressão de diferenças quantitativas, diferenças de grau, não de natureza. Para que a quantidade se transforme em qualidade, é preciso um salto dialético. As realizações quantitativas de Lula não expressam nenhum salto de qualidade, nenhuma ruptura, nada além de remendos cosméticos numa realidade de calamidade social perpétua.

Nenhuma dessas melhorias compensa os ataques que os trabalhadores sofreram ao longo do governo Lula: demissões, arrocho salarial, reforma da previdência, repressão aos movimentos sociais, morte de ativistas no campo, permissão para os criminosos plantios transgênicos, abertura das reservas de petróleo ao capital estrangeiro, privatização da Amazônia, etc.

Somente a luta pode vencer o neoliberalismo

O PT não é instrumento para derrotar Alckmin e a volta da direita, já que aplica o mesmo programa. Num eventual governo Alckmin, que moral teriam Lula e o PT para assumirem a postura de oposição? Como poderiam ser contra aquilo que praticaram quando estão no governo? É evidente que o PT na oposição pode até eventualmente votar contra o PSDB, de maneira oportunista e desavergonhada, dada sua decomposição moral e seu caráter venal sobejamente demonstrado nos últimos quatro anos. Mas o fato decisivo é que o PT não tem mais inserção e liderança entre os trabalhadores para desencadear as lutas necessárias contra os ataques que o capitalismo colocará em prática.

Os setores de esquerda que defendem Lula e o PT praticam estelionato ideológico. A única arma para derrotar o capitalismo neoliberal que grassa no país é a organização e a luta. É preciso organizar a classe trabalhadora e os oprimidos em torno de seus interesses imediatos e históricos: não pagamento das dívidas, reforma agrária, reversão das privatizações, garantia dos direitos sociais, melhoria dos serviços públicos, etc. Indo mais longe, apenas com a ruptura do capitalismo e a construção de um poder socialista dos trabalhadores se pode remediar a catástrofe social que o imperialismo impõe ao país. Apenas numa ordem socialista a riqueza pode ser administrada de maneira racional e democrática por aqueles que a produzem.

Essa tarefa não será assumida por Lula, pelo PT e pela CUT, nem nos seus aspectos mais imediatos, e muito menos no que diz respeito à transição ao socialismo.

Desse modo, a única opção no 2º. turno é o voto nulo, atestado de óbito da atual forma de política e chamado às armas para uma forma superior de luta: a ação direta das massas organizadas.

Votar nulo para enfraquecer o inimigo

O voto nulo não vai ganhar as eleições. O repúdio eleitoral aos candidatos da burguesia não vai varrer ambos do cenário político. Pode enfraquecê-los no início do próximo mandato, mas o que importa realmente é fazer com que o movimento de massas se coloque em cena com seus próprios métodos de luta. Essa tarefa cabe às organizações de esquerda. Dissemos que a classe dominante venceu as eleições. Mas a derrota dos trabalhadores no terreno eleitoral não significa que a guerra está perdida. Há outras batalhas a serem travadas.

O balanço da participação da esquerda nestas eleições ainda está em aberto. No entanto, alguns elementos devem ser adiantados com relação à postura a ser tomada para o próximo período. Dissemos que o voto nulo não vai ganhar as eleições, pois trata-se de uma simples expressão negativa da ausência de alternativas que contemplem os trabalhadores. Se as eleições não trazem essa alternativa, é preciso reorganizar a esquerda e colocar em movimento o único instrumento efetivo capaz de mudar a realidade: a ação direta dos trabalhadores organizados.

Para desencadear esse movimento, é preciso construir a unidade de todos os setores. Tanto a esquerda que se organizou na frente PSOL/PSTU/PCB no 1º. turno quanto os setores que fizeram a campanha do voto nulo devem se postar imediatamente pelo voto nulo no 2º. turno. É preciso ser coerente. Qualquer que seja o governo parido pelas eleições, enfrentará a oposição da esquerda. É preciso construir essa oposição desde já. Iniciar a luta o quanto antes.

Construir a unidade nas lutas

O imperialismo exige a continuidade das reformas neoliberais, e os novos ataques aos trabalhadores devem vir logo adiante, qualquer que seja a ala do partido único da burguesia a ocupar o poder. Anuncia-se a próxima fase da reforma da previdência, a reforma sindical e trabalhista, o super-simples, a reforma universitária, o déficit nominal zero, o aumento da desvinculação de receitas, a transformação da CPMF em permanente, etc. A burguesia está vindo com artilharia pesada para destruir os direitos dos trabalhadores: direito de greve, férias, 13º., licença-maternidade, FGTS, aposentadoria, ensino público; tudo isso está sob ameaça iminente, na alça de mira do próximo governante, seja ele do PT ou do PSDB.

Não se pode ter a menor confiança de que a nova safra de mensaleiros e sanguessugas no Congresso vá se colocar contra essas reformas. O estado de São Paulo mandou para a Câmara o PCC inteiro: Maluf, Russomano, Genoíno, Palocci, Berzoini (só ficou Marcola, pois alguém teria de tomar conta dos presídios), além dos zumbis, cacarecos e folclóricos Clodovil, Frank Aguiar, Enéas, etc. A via parlamentar está morta para a resistência dos trabalhadores.

A esquerda precisa articular a resistência através dos organismos de luta próprios do proletariado. É preciso colocar em ação os sindicatos, grêmios, associações, coletivos, movimentos de negros, mulheres e juventude. Devemos constituir comitês de luta contra as reformas, organizando os trabalhadores, a juventude e os setores oprimidos da população. É preciso organizar, mobilizar, informar.

Entidades como a Conlutas e a Intersindical, assim como os partidos de esquerda, as organizações políticas que se colocam no campo da classe operária, os movimentos reivindicativos dos sem-terra, sem-teto, negros, mulheres, juventude, GLBT, etc., e os ativistas independentes devem construir um grande encontro nacional para preparar a campanha de luta contra as reformas.

A burguesia pode ter vencido a batalha das eleições. Mas as batalhas decisivas estão apenas começando.

Daniel M. Delfino
10/10/2006

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