25.6.07

A ocupação da USP e a retomada do movimento estudantil




Os ataques de Serra

No início de janeiro de 2007 o governador de São Paulo José Serra (PSDB) lançou uma série de decretos que modificavam a estrutura organizacional das universidades estaduais paulistas (USP, UNESP, UNICAMP, FATECs). Os decretos criavam uma Secretaria de Ensino Superior acima dos reitores, na qual foi acomodado um aliado político de Serra, o médico José Aristodemo Pinotti, (DEM, ex-PFL). A nova Secretaria passaria a centralizar a administração das universidades, controlando seu orçamento, o que entre outras coisas impediria a contratação de professores e servidores, os investimentos em assistência (moradia estudantil), e a própria pesquisa e extensão das universidades.

Mais do que apenas recompensar um aliado político com uma sinecura, trata-se de um violento ataque contra a educação pública, pois fere diretamente a autonomia universitária. A possibilidade das universidades disporem sobre suas necessidades cotidianas fica prejudicada com a perda de controle sobre o orçamento. Esse projeto é coerente com a atual visão de gestão pública hegemônica no Brasil na era PSDB/PT: o Estado deve cada vez mais se retirar dos serviços públicos (educação, saúde, transporte, comunicações, etc.) e deixar tudo para a iniciativa privada.

A situação das universidades

Na visão neoliberal, as universidades devem ser colocadas diretamente a serviço das empresas. A lógica do mercado, e não o interesse científico, passa a determinar o que deve ser estudado. A pesquisa aplicada é privilegiada em detrimento da pesquisa básica. Os promotores desse modelo de gestão revelam aqui toda a sua miopia histórica, pois sem uma forte estrutura de pesquisa científica básica (na qual as universidades paulistas ocupam posição de liderança no Brasil e na América Latina) para formar novas gerações de cientistas, acadêmicos e técnicos, a própria pesquisa aplicada a longo prazo será asfixiada, e o Brasil continuará sendo um país eternamente dependente e um perpétuo importador de tecnologia.

Se a pesquisa básica nas áreas de matemática, física, química, biologia, etc., é considerada um “luxo” ou “desperdício”, que dizer então dos estudos em ciências humanas? Os setores da universidade que desenvolvem o pensamento crítico sobre a sociedade brasileira são os mais sucateados: não se contratam professores, os prédios são precários, as bibliotecas são pobres, não há laboratórios de informática, as salas de aula são superlotadas, etc. As condições para que estudantes oriundos de escolas públicas se mantenham na universidade (moradia, alimentação, transporte, etc.) também são as piores possíveis. Isso contribui para que as universidades públicas continuem sendo um “oásis” privativo da elite, praticamente vedado aos estudantes vindos da classe trabalhadora, aos negros, nordestinos e moradores da periferia.

A resposta dos estudantes

A situação de sucateamento do ensino público se agravaria ainda mais com a implantação dos decretos. Diante disso, os estudantes da USP, maior e mais importante universidade do país, e também aquela que concentra a maior parte dos problemas de inclusão, e a mais diretamente visada pelos decretos, foram à luta. Exigiram a abertura de discussões com a reitora Suely Vilela. Entretanto, a reitora se recusou a uma audiência pública, numa clara demonstração de que a burocracia universitária trabalharia pela implantação dos decretos. Diante da recusa da reitora em debater as suas reivindicações, os estudantes ocuparam a reitoria da USP, no dia 3 de maio.

A partir da ocupação da reitoria, o movimento se expande e toma corpo. As assembléias passam a receber milhares de estudantes, algo que não acontecia há muitos anos. No dia 16 de maio é declarada greve dos estudantes. No mesmo dia, os trabalhadores da USP também entram em greve. No dia 23 de maio é a vez dos professores da USP entrarem em greve. Com a greve dos três segmentos da universidade, o movimento alcança seu auge. Grandes atos, assembléias e passeatas com milhares de participantes colocam o problema da universidade no primeiro plano do debate.

A força do movimento

A mobilização da universidade integrou-se aos movimentos dos servidores estaduais em campanha salarial, principalmente professores, também alvejados pela política de Serra, bem como a setores do funcionalismo federal, MST, movimentos populares em geral, numa jornada de lutas que teve seu auge no dia 23 de maio. Ocupações e passeatas aconteceram em todo o país, numa tentativa de despertar a sociedade para a necessidade de lutar contra as reformas neoliberais em implantação pelos governos do PT e PSDB.

Cabe destacar que, assim como os sindicatos da CUT boicotaram as lutas em curso contra as reformas do governo Lula, o DCE (Diretório Central dos Estudantes) da USP, ligado à UNE (controlados por PT/PC do B/MR8-PMDB), boicotou a ocupação e a greve da universidade, sendo maciçamente rechaçado pelos estudantes e praticamente expulso das assembléias.

Cultura de greve

Os melhores momentos do movimento estiveram nas grandes passeatas e manifestações, e também nas formas de organização inovadores desenvolvidas para administrar o cotidiano da ocupação. Formaram-se comissões de limpeza, alimentação, segurança, informática e comunicação. Desenvolveram-se atividades de “cultura de greve”, com a presença na ocupação de professores como Paulo Arantes, Osvaldo Coggiola, Aziz Ab'Saber, Dalmo Dallari, que realizaram palestras e participaram de debates; e também de artistas como Tom Zé, Bnegão, e a Cooperifa (cooperativa de artistas de periferia). A maior parte das atividades foi tocada por estudantes não filiados a correntes políticas, os chamados “independentes”.

--> A esquerda organizada, e principalmente os partidos mais reconhecidos, como PSOL e PSTU, atuou de forma superficial e dispersa, não ajudando a construir a ocupação. Como reflexo de uma concepção política que separa trabalho braçal e intelectual, a esquerda se dividiu entre uma ala dos que “carregam o piano”, tocando as atividades cotidianas (fazendo comida, lavando os banheiros, cuidando da limpeza, compondo as rondas de segurança) e a ala dos que “aparecem na foto”, falando à imprensa ou ainda comparecendo somente nas assembléias apenas para dizer aos outros o que fazer (por sua vez um vício típico das pequenas organizações de ultra-esquerda). Os independentes erraram por sua inexperiência, e os organizados erraram por seu sectarismo e distanciamento, mas ainda assim houve acertos que se refletiram no fortalecimento do movimento.
A tática da burguesia

Naturalmente, a imprensa burguesa esteve contra a ocupação e a greve. Os ocupantes e grevistas foram apresentados nos jornais e na TV como baderneiros, bagunceiros, irresponsáveis, vândalos, autoritários (porque “cercearam o direito dos que querem estudar”) ou de loucos, utópicos e dinossauros, porque muitos dos participantes do movimento defendem o socialismo como resposta para os problemas da sociedade.

A resposta do governo Serra foi a repressão. A polícia foi acionada mais de uma vez para reprimir manifestantes. O governador ameaçou usar a tropa de choque para desocupar a reitoria pela força. Serra, um ex-presidente da UNE na década de 60, ameaçou invadir o campus da USP, algo que aconteceu pela última vez em 1968, no momento mais duro da ditadura militar. O custo político dessa medida extrema mostrou-se tão elevado que forçou Serra a desistir. A ameaça de invasão mostrou-se um blefe. Os estudantes pagaram para ver, mantiveram-se na reitoria, e venceram a aposta.

Incapaz de usar sua arma derradeira, Serra recuou. No dia 31 de maio foi publicado um “decreto declaratório” com uma “nova interpretação” das medidas que provocaram a mobilização. Na prática, os decretos de ataque à universidade ficaram sem efeito. A partir daí, o movimento uspiano entrou num relativo refluxo. Professores e funcionários saíram da greve em função de suas próprias pautas. A maior parte dos cursos aprovou fim da greve estudantil. A ocupação começou a ficar isolada na própria USP.

Contradições e desafios futuros do movimento

Entretanto, no mesmo momento em que a greve refluía, a situação nacional estava justamente refletindo a repercussão dos acontecimentos da USP. O exemplo dos estudantes uspianos começou a ser seguido. Em várias faculdades do estado e universidades federais pelo Brasil afora pipocaram greves estudantis e ocupações de reitorias, greves de funcionários e de professores. Várias dessas ações enfrentaram-se com a repressão policial. Outras obtiveram conquistas em face dos governos reacionários. Reivindica-se aumento de salários, contratação de professores, melhorias na moradia e assistência estudantil, democratização e participação dos três segmentos na gestão das universidades. No geral, todas essas pautas formam uma luta pela defesa do ensino público, contra o sucateamento e privatização das universidades.

No dia 16 de junho realizou-se na própria USP um Encontro Nacional das Faculdades em luta, expressando um grau de mobilização em nível nacional que não era vivenciado há muito tempo no movimento estudantil. Mesmo em face desse cenário nacional, a assembléia do dia 21 de junho votou o fim da ocupação, depois de 51 dias.

Apesar de suas limitações, que são as limitações da nossa esquerda em geral (aparelhismo, fracionamento, distanciamento das bases, falta de programa), o movimento iniciado na USP apontou a única via capaz de enfrentar os ataques do imperialismo e dos governos neoliberais ao país: a luta direta. Os estudantes (com os partidos, sem os partidos ou apesar dos partidos) se articularam, debateram e construíram seu movimento, suas formas de organização, de decisão e de ação. Aceitaram o desafio e foram para a luta, erraram e acertaram, aprenderam e ensinaram, fortalecendo-se e crescendo no próprio combate, mostrando que é possível.

A ocupação e a greve terminaram, mas o movimento continua. Como disse um grafite nos muros da USP, “ocupe a reitoria que existe dentro de você!”

Daniel M. Delfino
22/06/2007

13.6.07

A comunicação na luta de classes: o caso Chávez X RCTV (e seus ecos no Brasil)




Tivemos oportunidade de discutir recentemente o projeto político do Presidente venezuelano Hugo Chávez no que diz respeito à sua alegada pretensão de apresentar o “socialismo do século XXI”, no artigo “Chávez e o socialismo”, aqui publicado há poucas semanas.

Indicamos então que o socialismo somente pode ser construído por obra dos próprios trabalhadores, a partir de suas próprias organizações de luta, convertidas em instrumentos políticos independentes e armadas de seu próprio programa e ideologia; em completa ruptura com a institucionalidade burguesa e a forma Estado. O socialismo não será jamais uma dádiva benevolente concedida por um governante burguês como Chávez e suas limitadíssimas medidas “revolucionárias”, por mais que tais ações representem de fato algum avanço material e despertem o ódio da burguesia venezuelana e mundial.

A última das novidades “socialistas” de Chávez a provocar estardalhaço foi a não renovação da concessão da emissora RCTV, uma das redes de TV privadas que se opõem ferozmente à sua política. A concessão da RCTV, validada pela última vez em 27 de maio de 1987, acabara de completar 20 anos, de modo que cabia ao Estado verificar a conveniência de renová-la ou não, conforme a legislação em vigor no país, a qual é anterior ao próprio Chávez e permaneceu intocada mesmo depois da nova Constituição bolivariana de 1999.

Imediatamente, porém, a mídia burguesa em todo o mundo passou a esbravejar furiosamente contra o “ditador” venezuelano, acusando-o de atacar a “liberdade de expressão”. TVs, jornais e revistas entoaram em uníssono o mesmo coro. Esse impressionante exemplo de solidariedade de classe manifestado pelas empresas de mídia (inclusive as do Brasil) diante do “perigoso” precedente aberto por Chávez demonstra o quanto o alegado compromisso desses “veículos de informação” com a verdade dos fatos não passa de uma grotesca farsa a servir de pretexto para encobrir a mais escancarada parcialidade política e ideológica.

O discurso montado para atacar a decisão de Chávez não resiste à crítica mais elementar. O fato de que Chávez tenha sido democraticamente eleito, reeleito, submetido a referendo e plebiscito é completamente ignorado quando o acusam de “ditador”. O fato de que todas as redes de TV privadas tenham trabalhado ativamente em favor do golpe de 2002 contra o presidente eleito não impede que continuem sendo tratadas como “democráticos” baluartes da “liberdade”. O fato de que Chávez tenha agido na estrita obediência à lei de seu país (aliás, muito semelhante à do Brasil, como veremos), que faculta ao governante a condição de negar a renovação de uma concessão de utilização de um bem público, também é cinicamente desconsiderado.

Todos os fatos são distorcidos para que se possa apresentar a versão fantasiosa de que um “ditador” intransigente restringiu arbitrariamente a “liberdade” dos cidadãos de seu país ao impor repentinamente uma “censura” brutal e maciça sobre os meios de comunicação que são a garantia da “democracia”. Ora, apesar de ser a mais antiga emissora do país, com 53 anos de atividade, a RCTV não era a única nem a maior, pois perdia para a Venevisión e a Globovisión, as quais continuaram funcionando normalmente e fazendo oposição ao presidente. Assim como continuam funcionando normalmente os jornais e demais veículos anti-chavistas. Ou seja, a medida de Chávez nem sequer alterou qualitativamente o sistema de comunicação de massas do país, que continua nas mãos de empresas privadas (que detém 90% da audiência) e continua a propagar a ideologia burguesa e a política das classes dominantes. Apenas alterou-se quantitativamente o quadro ao tirar de cena a mais irresponsável das redes privadas.

O nível criminoso de desonestidade desta emissora pode ser aferido a partir do exemplo do tratamento dado aos conflitos que precederam o golpe contra Chávez em 2002. A RCTV editou as imagens dos confrontos entre manifestantes nas ruas de Caracas de modo a dar a entender que os partidários do presidente eram os responsáveis por tiros disparados aleatoriamente contra uma multidão de seus opositores, quando se tratava exatamente do contrário. A mentira foi exposta no documentário “A revolução não será televisionada” (Kim Bartley e Donnacha O'Briain, 2003), obra de dois jovens irlandeses que inadvertidamente filmavam uma reportagem sobre Chávez e acidentalmente tiveram a extraordinária oportunidade de registrar o golpe e a subseqüente mobilização popular massiva que o derrotou.

O documentário exibe ainda os militares, políticos, empresários, donos de TVs e jornalistas congratulando-se pelo sucesso aparente de seu golpe, em diálogos escandalosos que mostram o quão longe vai o ardor “democrático” dessa burguesia venezuelana com a qual a mídia mundial tão prontamente se solidariza. O fato de que Chávez, por sua vez, não tenha tomado nenhuma atitude política consistente contra os golpistas, mas somente agora, cinco anos depois, tenha adotado um procedimento puramente administrativo, revela a infinita disposição do líder bolivariano para a conciliação de classes. Essa linha política pode até trazer melhorias limitadas para o povo venezuelano, mas jamais o levará para o socialismo, pois não rompe com a dominação burguesa.

Os pilares do capitalismo na Venezuela não foram alterados pelo “socialismo do século XXI”. E no que se refere à comunicação, a decisão administrativa relativa à RCTV também não produziu nenhuma “revolução”, pois os demais meios de comunicação continuam funcionando normalmente, ou seja, a serviço do capital. Todo o barulho que se fez em torno da decisão chavista visa apenas reforçar aos olhos do público o quanto os meios de comunicação querem ser considerados intocáveis e mostra o quanto zelam pela manutenção de seu poder quase absoluto sobre o imaginário coletivo contemporâneo. O título do documentário citado é bastante feliz neste aspecto, pois demonstra o fato elementar de que, na atual sociedade do espetáculo, qualquer revolução necessariamente se fará contra a televisão, que por sua vez se recusará a mostrá-la.

Os meios de comunicação (não apenas a televisão, mas também rádio, cinema, jornais, internet, etc.) não são ferramentas tecnológicas politicamente neutras. No contexto das relações sociais capitalistas, as técnicas de comunicação não são meios de informação, mas de ocultação da realidade. Seu papel é exibir o nada, o vazio, a nulidade, a vulgaridade e a venalidade das relações fetichizadas da sociedade burguesa. Ao mesmo tempo em que exibe o nada, a mídia oculta o real: a miséria em que vive a imensa maioria da humanidade, prisioneira da guerra, da violência, da fome, da exploração, da degradação ambiental, da doença, da ignorância, da neurose, etc., que necessariamente acompanham o capitalismo.

Além de negar o real, negando-se a mostrá-lo, é preciso substituí-lo pelo irreal, criando um mundo imaginário, fictício, artificial, espetacular, fantasmagórico e caricato, através do bombardeio maciço e ininterrupto dos valores burgueses. Nos empurram goela abaixo o individualismo, o egoísmo, a competitividade, o utilitarismo, o pragmatismo, o imediatismo, a fragmentação, a uniformidade, a fugacidade, a incultura, o anti-intelectualismo, o irracionalismo, o misticismo, o obscurantismo, o medo, o preconceito, o ódio ao diferente, o chauvinismo, o otimismo panglossiano, o escapismo, a infantilização, o consumismo desenfreado, o hedonismo alienado, o luxo imoral e irresponsável, o culto às celebridades, o padrão de beleza eurocêntrico, etc.

Os valores burgueses invadem todos os poros do tecido social, compondo uma segunda natureza, como se fossem o próprio ar que respiramos. Os espectadores são expostos ao massacre ideológico 24 horas por dia, 365 dias por ano, em todos os canais, rádios, bancas de jornal, outdoors, etc. Tais valores, atualmente hegemônicos, são apresentados como os únicos valores humanos possíveis. A mídia produz incessantemente o esquecimento do passado e a negação do futuro em nome da perpetuação do atual e miserável momento histórico. Jamais se pode cogitar que existiram e que existirão sociedades diferentes do capitalismo. Nega-se assim a condição do Homem de sujeito de sua História e sua capacidade de transformar a si mesmo, como se a barbárie em que vivemos fosse a única forma de vida humana concebível.

O resultado desse processo industrial poderosamente tecnificado, capilarizado, ramificado e especializado de imbecilização coletiva é a deformação psicológica, o aviltamento das consciências, a anestesia da sensibilidade, a mutilação da subjetividade e o rebaixamento do ser humano a uma condição de passividade bovina. Seja nos programas de “entretenimento”, seja nos “noticiários” e “informativos”, o conteúdo ideológico é sempre o mesmo: a defesa intransigente da ordem estabelecida, da mercantilização do mundo e da vida, da adoração ao dinheiro, da obediência ao Estado e às instituições. É esse o papel que cumprem os meios de comunicação privados a serviço do capital, seja nas nações imperialistas, seja nos países periféricos como a Venezuela e nosso próprio país.

A mídia brasileira, ciosa de seus interesses, prontamente condenou Chávez e antecipadamente pôs na alça de mira qualquer opinião que ouse considerar a sacrílega possibilidade de não renovar alguma concessão de telecomunicação no Brasil. Ai de quem ousar questionar os pilares da ordem... Nosso espectro eletromagnético está repartido em faixas de freqüência cuja utilização para transmissões radiotelevisivas também depende de concessão do poder público. O Código Brasileiro de Telecomunicação de 1962 estabelece um prazo de 15 anos para renovação das concessões de TV e 10 anos para rádio. A Constituição de 1988 tirou do Executivo e atribuiu ao Congresso a faculdade de outorgar e renovar concessões. Entretanto, entre 1985 e 88, o coronel baiano ACM, supérstite da ditadura e ministro das comunicações de Sarney, havia distribuído centenas de concessões a seus aliados políticos.

Criou-se então o fenômeno do “telecoronelismo”, por meio do qual os representantes das oligarquias mais reacionárias passaram a estar equipados dos mais poderosos recursos tecnológicos, reforçando sua supremacia política por meio do controle férreo sobre currais eleitorais eletronicamente domesticados, blindados contra a “interferência” de pensamentos divergentes. O fenômeno do telecoronelismo e a “bancada da mídia” no Congresso, que se auto-presenteia com concessões (renovadas ad infinitum sem qualquer questionamento), prosseguiram nos governos de FHC e Lula, compondo um dos esteios políticos dos ataques imperialistas ao país na era neoliberal.

Na recente discussão sobre a escolha de um padrão tecnológico para as transmissões de TV digital, esteve em pauta a possibilidade da abertura de um número virtualmente ilimitado de faixas de transmissão a serem também disponibilizadas para emissoras comunitárias e movimentos populares. Essa possibilidade foi descartada quando Lula optou pelo padrão desejado pela Rede Globo, mantendo basicamente inalterado o esquema de exploração comercial do espectro eletromagnético. Manteve-se o monopólio dos grandes grupos de mídia sobre o espaço, que o utilizam para a transmissão de um conteúdo extremamente rebaixado, sem qualquer qualidade humana e cultural e cuidadosamente adequado aos interesses ideológicos e políticos da burguesia brasileira e imperialista.

Coloca-se então como uma tarefa crucial das forças populares lutar contra esse modelo de comunicação e encontrar as formas para que as vozes dos oprimidos sejam ouvidas e seus interesses históricos sejam colocados em pauta.

Abaixo o Grande Irmão!

Daniel M. Delfino
11/06/2007

1.6.07

Apresentação do blog em 2007




1.
O título deste blog é uma paráfrase do refrão de “Polícia”, dos Titãs, que diz: “Polícia para quem precisa! Polícia para quem precisa de... polícia!”. Política e polícia compartilham uma raiz etimológica comum em “pólis”, nome das cidade-Estado gregas, onde tudo começou.

Quem precisa de política? A política é a expressão oficial da luta de classes existente na sociedade. Existem classes, mas para impedir que o seu conflito destrua a ordem estabelecida, os dominadores criam um instrumento de administração que é o Estado, forma moderna da política. A existência da política é a negação da unidade da humanidade. Logo, a necessidade de política é uma necessidade negativa. Precisamos de ação política para negar a esfera da política. É preciso realizar a negação da negação: usar a política para negar a sociedade existente, negando inclusive sua política. Nesse sentido, tudo é político.

A política negativa consiste em tornar político, ou seja, negativo, todas as esferas da vida social corrompidas e degradadas pela existência da divisão de classes. Consiste em negar o Estado, o mercado, a autoridade, a hierarquia, as instituições, as leis, a escola, a pseudo-ciência tecnicista, as igrejas dogmáticas, a família repressiva, o patriarcado, a polícia, o partido, a mídia, a publicidade, a moda, os ídolos, os preconceitos, as superstições, o senso comum, a medíocre e esmagadora hipocrisia coletiva largamente prevalecente.

Negar significa destruir material e ideologicamente, e ainda construir novas mediações emancipadas como forma de superação daquilo que foi destruído. A negação política é uma atividade prática e simultaneamente teórica. Para negar é preciso questionar, criticar, realizar o exame radical de todas aquelas esferas da vida, tornar patentes à consciência todas as armadilhas da alienação e do estranhamento que criam barreiras entre os homens e do homem consigo mesmo.

A epígrafe de Orwell na página de abertura diz que os homens “não se revoltarão enquanto não tiverem consciência”. Esse enunciado é bastante coerente com a percepção intuitiva imediata. É muito fácil entender que a revolta só pode se desenvolver com o impulso decisivo de uma compreensão consciente da realidade. Mas o sentido do seu correspondente dialético não é muito facilmente apreendido: “não terão consciência enquanto não se revoltarem”. Ou seja, para adquirir consciência, é preciso se revoltar. A consciência não surge do nada na cabeça dos homens e os torna subitamente revoltosos. A consciência nasce também do próprio ato de revolta. Só se pode falar propriamente de consciência quando há auto-consciência, a qual só se desenvolve na ação.

A revolta é o primeiro ato do processo de auto-superação e negação. É esse ato que fundamenta o movimento posterior de negar as idéias estabelecidas. As idéias revolucionárias não entram na cabeça por osmose, não se imprimem por decalque, não podem ser empurradas goela abaixo. “As idéias não brotam como cogumelos na cabeça dos filósofos”, diria Marx. Elas brotam do solo social onde o indivíduo/filósofo pisa. “Não existe filosofia inocente”, completou Lukács. O filósofo (etimologicamente, um amante da sabedoria) também é feito de carne e osso, estômago e músculos, nervo e órgãos sexuais. Só se adquire a sabedoria por meio da experiência vivida.

Apenas na luta o indivíduo se torna consciente. Ao localizar as trincheiras de classe que recortam a sociedade em todos os seus níveis, ele descobre quem está ao seu lado, quem são seus iguais. E descobre também a prevalência esmagadora dos seus inimigos, os donos do poder, que daí por diante farão de tudo para silenciá-lo, com seu arsenal avassalador de mecanismos de repressão física e ideológica. É então que o indivíduo se torna consciente desses mecanismos e passa a combatê-los.

A consciência acompanha o processo de revolta, do contrário não se enraíza e não frutifica em conhecimento revolucionário do mundo. A revolta consciente é uma condição necessária para a emancipação do homem em todas as esferas políticas, econômicas, sociais e culturais. A emancipação é a completa realização do indivíduo social e de seu potencial ético, intelectual, científico, artístico, psíquico, afetivo, sensorial, corporal e sexual.

A teoria é um momento desse processo de emancipação. O trabalho do pensamento é se tornar o pensamento do trabalho. “Sem teoria revolucionária não há prática revolucionária”, advertiu Lênin. Teoria e prática estão dialeticamente unidos. A teoria é um momento da prática (e vice-versa). Um não se desenvolve sem o outro. Para desenvolver uma prática política, especialmente a política negativa revolucionária, é indispensável a mediação da teoria.

A teoria se registra sob diversas formas, inclusive em fragmentos. É para resgatar tais fragmentos que se utilizará este espaço. Os fragmentos de reflexão aqui publicados são traços de uma reflexão que aspira a colaborar com a prática política negativa e revolucionária. Para quem precisa de política.

2.
Este “blog” fará não apenas um registro, mas o resgate de fragmentos teóricos, pois há uma história que precede a inauguração deste espaço. Há um acervo de textos que havia sido perdido e que foi resgatado. Esses textos perdidos foram originalmente publicados sob pseudônimo no site “Duplipensar.net”, no período entre meados de 2002 e março de 2006. Para entender como foi encerrada a colaboração do autor com o site e porque foi preciso “suicidar” o pseudônimo, o leitor pode consultar o “post” intitulado “A morte de Janus Mazursky” (http://politicapqp.blogspot.com/2006/08/morte-de-janus-mazursky.html), o qual foi publicado no dia 22/08/2006.

3.
Resgatados os textos dessa fase do autor, foi preciso organizá-los no novo espaço do “Política para quem precisa”. Um “blog” não possui as mesmas funcionalidades de um site. Não permite organizar os textos por assunto, por data, etc. Foi preciso encontrar formas alternativas de tornar esses textos antigos acessíveis aos leitores interessados em pesquisas temáticas. A lista de todos os textos “perdidos” que haviam sido arremessados ao “buraco da memória” está disponível num “post” denominado “ÍNDICE”, o qual foi publicado no dia 31/05/07.

4.
Todos os textos publicados a partir da data de “inauguração” do “blog”, marcada pela publicação desta “Apresentação”, hoje em 1/06/07, pertencem à “nova fase” do autor. Foram concebidos com o projeto de serem publicados no “Política para quem precisa”. Todos os textos, antigos e novos, contém ao final o nome do autor e a data em que foram escritos.

5.
Além de seus próprios textos, este escriba publicará também textos de terceiros, retirados de outras fontes, todos devidamente creditados e identificados, com o nome do autor e a fonte de publicação. Todos os textos de terceiros eventualmente publicados serão também devidamente precedidos de uma introdução, que vai comentar e justificar o porquê de sua publicação no “Política para quem precisa”.

6.
Está autorizada a reprodução, impressão, cópia, etc. e a distribuição sob qualquer forma do conteúdo total ou parcial dos textos escritos pelo autor deste blog, com a única condição de que seja citada a fonte.

7.
O espaço para comentários de qualquer natureza (seja qual for a linha teórica, posição política, crença religiosa, preferência musical, time de futebol, etc.) está plenamente franqueado aos leitores.

Boa leitura, bom proveito, reverberações dialéticas e revolucionárias a tod@s!

Daniel M. Delfino
Junho 2007