28.4.08

O Brasil, a crise e as encruzilhadas da história






A implantação do projeto neoliberal no Brasil

O Brasil é parte do sistema capitalista mundial na condição subordinada de país periférico, tendo experimentado no último período a tendência de converter-se em fornecedor de matérias-primas, plataforma de exportação e reserva de mão de obra barata.

Esse padrão de acumulação capitalista em implantação no Brasil representa uma inversão em relação ao que predominou na maior parte do século XX. De 1930 a 1980 esteve em pauta o projeto nacional-desenvolvimentista, impulsionado por setores da burguesia nacional, da burocracia do Estado e do capital internacional, com diferentes graus de abertura política e concessões à classe trabalhadora conforme o momento. Esse projeto contemplava a criação de um parque industrial moderno, a substituição de importações, a formação de um mercado consumidor interno, a urbanização, a modernização da sociedade, das instituições e dos costumes, sempre sob a tutela do Estado.

O projeto nacional-desenvolvimentista, do ponto de vista da burguesia, foi parcialmente bem-sucedido, pois chegou a colocar o Brasil na condição de 8ª economia capitalista do mundo, atrás apenas dos países do G7. Entretanto, não chegou a completar-se a formação do setor fundamental da economia capitalista, o setor produtor de bens de produção, que exige alto desenvolvimento tecnológico, e que permanece um monopólio restrito aos países imperialistas, a partir do qual subordinam o conjunto da economia mundial. Além disso, as concessões à classe trabalhadora foram tão mínimas e insuficientes que não permitiram a constituição de um amplo mercado interno de consumo de bens de alto valor agregado, o que determinou um limite muito estreito para a expansão da produção industrial aqui localizada.

O projeto nacional-desenvolvimentista esgotou-se na década de 1980, e desde 1990 até hoje vem se aprofundando o padrão de acumulação neoliberal. O projeto neoliberal prevê a hegemonia aberta do capital internacional (em especial do capital financeiro), o desmonte do Estado desenvolvimentista, as privatizações do patrimônio público, o direcionamento da produção industrial para o mercado externo (segundo o modelo das plataformas de exportação), o deslocamento da burguesia nacional para atividades suplementares e periféricas (na situação de sócia-menor, até sua redução final a uma condição rentista e totalmente parasitária), o controle do capital internacional sobre o fornecimento de matérias-primas agrícolas e minerais; e em especial o ataque a todas as conquistas da classe trabalhadora, sob a forma de arrocho salarial, retirada de direitos, precarização das relações de trabalho, cooptação dos sindicatos, etc.

O projeto neoliberal tem sido aplicado no Brasil por todos os sucessivos governos desde Collor até Lula, tendo restado poucos itens da agenda do capital internacional a serem totalmente materializados, como a destruição final da Previdência pública, da legislação de proteção aos trabalhadores, das universidades públicas, a desregulamentação final de todos os setores econômicos e a entrega total do patrimônio estatal (BB, CEF, Petrobrás) ao controle estrangeiro.

A aplicação do projeto neoliberal sobre os países periféricos não é uma mera escolha conjuntural dos grupos dirigentes nacionais de plantão, pois é uma decorrência da crise estrutural do capital, que determina para a burguesia a necessidade de aprofundar da exploração sobre o proletariado mundial para garantir a continuidade da acumulação sob as cada vez mais restritivas condições da sua taxa de lucro em queda.

O enfrentamento do neoliberalismo não se dará através de um simples retorno ao nacional-desenvolvimentismo, pois qualquer medida mínima vinculada a esse projeto, como a simples retomada do controle soberano do Estado sobre os setores estratégicos (petróleo, eletricidade, comunicações, água, segurança alimentar, etc.), tornou-se absolutamente intolerável para o capital internacional, a tal ponto que só poderá ser implantada por meio de uma ruptura da ordem estabelecida.

A luta da classe trabalhadora deve ir além do enfrentamento contra os aspectos exteriores e conjunturais do sistema, como as medidas pontuais preconizadas pelo atual modelo do neoliberalismo, pois deve atacar as origens estruturais da miséria material e subjetiva reinante, ou seja, a própria lógica do capital, em nome do projeto de uma sociedade socialista.

Importância do Brasil para o imperialismo

A chegada de Lula ao governo federal em 2002 aconteceu justamente para evitar que se materializasse a alternativa de ruptura da ordem. O controle do PT sobre os organismos de luta da classe trabalhadora e o horizonte reformista em que estacionou a consciência do proletariado fariam com que não se desenvolvesse nenhuma luta capaz de questionar os pressupostos do sistema capitalista.

A adoção imperturbável do projeto neoliberal pelo governo Lula é uma conseqüência lógica do abandono de qualquer referencial de luta pelo socialismo que chegou a existir no programa do PT, ainda que sob a forma reformista. A opção pela administração do capitalismo periférico nas condições específicas da crise estrutural não permite nenhuma margem de manobra para concessões aos trabalhadores; ao contrário, impõe a necessidade de atacar as conquistas históricas da classe para manter os lucros do capital.

No plano internacional, o Brasil tem sido o instrumento preferencial do imperialismo para conter a tendência de esquerdização das massas do continente sulamericano, através da influência de Lula sobre os governos de retórica mais abertamente anti-imperialista (Chávez, Morales, Correa) e sobre aqueles ditos moderados (Kirchner, Vasquez, Bachelet). Além desse papel de fazer retroceder as lutas no continente, o Brasil atua diretamente como braço armado da repressão contra os trabalhadores e os miseráveis do Haiti, liderando a ocupação militar daquele país e fazendo o serviço sujo do imperialismo.

A implementação da IIRSA (Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana) pelos governos do continente, visando facilitar a exploração predatória dos nossos recursos naturais e o escoamento das exportações, está sendo feita sob a liderança do Brasil e em benefício de empresas brasileiras, como a Petrobrás e as empreiteiras, e das transnacionais do agronegócio; ou seja, em parceria orgânica com o imperialismo. Esse projeto expõe o vazio da retórica e das pretensões “esquerdistas” de todos aqueles dirigentes, em sua incapacidade de romper com a lógica do capital e de oferecer soluções reais para as necessidades das massas.

Convergência ideológica entre PT e PSDB

Para se manter no controle do Estado, dando seguimento ao projeto neoliberal, o PT sacrificou a sua base de apoio histórica, as categorias organizadas do proletariado, passando a manter com elas uma relação utilitária e instrumental, de controle dos aparatos sindicais, etc.; e se transformou numa máquina eleitoral baseada no assistencialismo, comprando a consciência dos setores mais atrasados da classe trabalhadora através dos programas de bolsas.

Ao mesmo tempo em que se estrutura como força eleitoral através do clientelismo e da despolitização, o PT procura também se mostrar um gestor capacitado do programa neoliberal, mantendo os compromissos com o capital internacional, dando prosseguimento às “reformas” exigidas pelo imperialismo e oferecendo ainda como benefício adicional a contenção da luta de classes a partir do controle sobre os organismos de luta do proletariado.

Lula chegou ao poder como uma “saída de emergência” para os interesses da burguesia, a qual esperava descartá-lo tão logo fosse possível. O PT, por sua vez, trabalha para perpetuar-se no poder a qualquer custo, dando seguimento às mesmas práticas pelas quais os partidos burgueses administram o Estado, ou seja, a corrupção desenfreada, o loteamento de cargos, a obediência estrita ao imperialismo, etc.; sem falar na repressão contra os trabalhadores.

A incorporação do projeto neoliberal iguala programaticamente o PT ao PSDB. A disputa entre os dois partidos passa a ser pela condição privilegiada de administrar a repartição do dinheiro do Estado com a burguesia e o imperialismo. Quanto mais ferrenha é essa disputa, mais os dois partidos se igualam no programa e no método de ação.

A disputa entre PT e PSDB não questiona a essência do projeto neoliberal, ou seja, as “reformas”, as privatizações, o pagamento da dívida, o ataque e a repressão aos trabalhadores, etc., políticas com as quais ambos estão comprometidos. Tal disputa se situa no plano superficial da “ética na política”, de modo que cada um luta para demonstrar que o outro é o mais corrupto. Esse tipo de disputa faz com que o debate político se resuma a uma seqüência de escândalos de corrupção, afastando o foco que deveria estar na discussão e no enfrentamento ao projeto neoliberal do capital.

A armadilha da democracia burguesa

Nas últimas décadas, em especial a partir dos anos 80, a burguesia tem se utilizado intensamente dos mecanismos da democracia formal, respondendo a cada crise através de dispositivos legais, CPIs, medidas judiciais, eleições, etc. Essa tática traz uma diferença importante em relação às décadas passadas, nas quais a burguesia respondia às crises com golpes militares e restrições às liberdades democráticas. A opção pela via democrática se fez não porque os burgueses são democratas convictos, mas porque essa forma de dominação atualmente tem se mostrado muito mais eficiente para perpetuar a exploração.

Devido à reação “democrática”, a questão das alternativas eleitorais é fundamental, pois 2008 será também um ano eleitoral e como sempre a direita, os reformistas e oportunistas de todos os tipos vão pedir o voto dos trabalhadores e reciclar a ilusão da possibilidade de mudança nas condições de vida por dentro capitalismo, o que deve ser combatido pela esquerda.

Ao contrário do que diz a maioria das organizações de esquerda do país, o governo Lula é governo burguês típico, e não de “frente popular”. É preciso deixar de reforçar as ilusões da classe trabalhadora no projeto do PT/Lula e do reformismo, lutando pelo desenvolvimento da consciência da classe e pela superação da crise de alternativas socialistas.

Também nas eleições de 2008 não se vislumbra a construção de um programa socialista, que contemple as necessidades reais e as reivindicações mais sentidas da classe trabalhadora. Caso esse programa esteja de fato ausente da plataforma dos partidos de esquerda, é preciso recusar, através do voto nulo, os mecanismos “democráticos” de dominação que muitas vezes contam com “forças de esquerda”, e defender a luta direta como método para a conquista de vitórias para a classe trabalhadora.

Os ataques à classe trabalhadora

Na ausência das necessárias lutas anti-capitalistas, único recurso capaz de barrar os ataques às suas condições de vida, a classe trabalhadora permaneceu aprisionada na “esperança” de “mudança” e paralisada pelo discurso da mídia e do governo de que “não há alternativa” ao capital, e de que portanto é preciso em primeiro lugar retomar o “crescimento”.

Sob a máscara do discurso do “crescimento”, o governo Lula manteve a aplicação do projeto econômico do imperialismo, com algumas diferenças cosméticas. O fato de que os ataques à classe trabalhadora não estejam sendo feitos por meio de medidas de grande impacto imediato (“reforma” da Previdência, revogação da CLT, etc.) não significa que tais medidas não estão sendo implantadas paulatinamente com o mesmo conteúdo. Significa apenas que esses ataques estão sendo mais graduais, pontuais, cirúrgicos, vitimando alvos localizados e setores específicos da classe trabalhadora.

O maior desses ataques está na mini-reforma trabalhista realizada por meio do “Supersimples”. Esse novo mecanismo desarticulou a fiscalização e desobrigou as micro e pequenas empresas (responsáveis por 60% do emprego formal no país) de respeitar os direitos trabalhistas, o que na prática dá o aval para a completa abolição de fato da CLT, ainda que esta continue existindo formalmente.

O governo do PT contou com o voto parlamentar do PSOL em favor do “Supersimples”, o que demonstra o quanto este partido, que se apresenta como oposição de esquerda, faz parte orgânica do mecanismo da democracia burguesa para ludibriar os trabalhadores, cooptar sua vanguarda e perpetuar a dominação.

O governo Lula deu continuidade às privatizações, entregando à sanha predatória do capital nacional e internacional patrimônios públicos como as reservas de petróleo (entregues a concorrentes depois de prospectadas pela Petrobrás), as rodovias federais, os bancos estaduais e a própria Amazônia (através da Lei de Florestas).

Em relação à Amazônia, este governo está dando prosseguimento ao velho “entreguismo”, permitindo a ação das ONGs imperialistas (que sob o pretexto de causas “humanitárias”, religiosas ou ainda de interesse “científico”, preparam o desmembramento do território brasileiro e sua anexação pelas transnacionais), das madeireiras internacionais e dos grileiros que derrubam a floresta para transformá-la em pastagens e monoculturas de exportação (inclusive com o plantio de variedades transgênicas).

O crescimento predatório do “agronegócio” tem se dado à custa da destruição ambiental, da prioridade ao mercado externo e da ameaça à segurança alimentar. Plantações de gêneros de primeira necessidade, essenciais para a alimentação do brasileiro, estão sendo substituídas por cana de açúcar, milho, soja e pastagens para o gado de corte, produtos com maior demanda internacional. Concretamente, está faltando feijão na mesa do trabalhador. O modelo do agronegócio produz a curto prazo fome e carestia e em longo prazo a desertificação de um território antes rico em biodiversidade. E faz isso reproduzindo as mais bárbaras relações de exploração, como o trabalho escravo e o trabalho infantil, e praticando a mais brutal repressão. Os ativistas do campo estão sendo mortos e perseguidos por jagunços, mercenários e milícias a soldo do latifúndio e das transnacionais, os quais atuam impunemente. Ao mesmo tempo, a justiça burguesa persegue sistematicamente a vanguarda dos trabalhadores, condenando suas ações e métodos de luta.

A barbárie e a violência reinam desenfreadas no campo e também nas cidades, em cujas periferias as “tropas de elite” do Estado burguês atuam impunemente na função de esquadrões da morte, exterminando o “refugo” dos setores sociais mais marginalizados, e são ainda por cima festejadas pelo “heroísmo” e “coragem” de aplicar sistematicamente o método da tortura e das execuções sumárias.

O uso da força atinge tanto o lumpesinato do crime como os movimentos sociais, como se se tratasse de “inimigos internos” da mesma natureza. A repressão policial caminha lado a lado com o ataque político-institucional aos setores mais organizados do proletariado. Os servidores públicos terão seus salários arrochados como forma de garantir os recursos para o PAC, que por sua vez, realizará obras de interesse da burguesia. Já os serviços públicos que interessam à maioria da população, como saúde, educação, transporte público, etc., permanecem sendo sucateados.

Paralelamente ao arrocho dos servidores e ao sucateamento dos serviços públicos, ambos sob o pretexto de que “não há verbas”, prosseguem os pagamentos da dívida pública, que chegam perto de 200 bilhões de reais por ano, sem impedir que a dívida ultrapasse 1 trilhão de reais.

A importância da disputa ideológica

A disputa acirrada entre PT e PSDB, com certa preferência da imprensa burguesa pelos tucanos, oferece a determinados setores da intelectualidade “de esquerda” a oportunidade de permanecer sob a asa do petismo, lutando contra o “golpe das elites”, perpetuando uma falsa disjuntiva em torno de alternativas que são na verdade iguais, e impedindo assim o desenvolvimento de um debate programático substantivo que coloque em pauta os interesses reais dos trabalhadores.

Em seu trabalho de falsificação ideológica da realidade, a grande mídia procura sistematicamente apresentar todos os ataques contra a classe trabalhadora como “avanços” na direção do “crescimento”, ao mesmo tempo em que apresenta as formas de resistência (greves, ocupações, manifestações, etc.) como atos criminosos. A suposta oposição da mídia burguesa ao governo Lula jamais ataca o programa deste governo, que é na essência o mesmo programa da burguesia, e se dedica a expor a “falta de ética” do PT na gestão dos negócios públicos.

O governo do PT, por sua vez, não pode ter uma política de comunicação realmente democrática, pois isso significaria dar voz aos movimentos populares, legitimar suas reivindicações e expor as verdadeiras necessidades da população, o que se chocaria frontalmente com os interesses da burguesia a quem este governo serve. Ao invés disso, o governo se limita a negociar espaço com os monopólios da mídia burguesa para criar seus próprios instrumentos de comunicação chapa-branca (como a TV pública).

Nesse cenário de massacre ideológico pela mídia burguesa e de aparelhamento da comunicação pública pelos interesses da burocracia petista no governo, a democratização real da comunicação e a exposição das lutas populares assume uma importância absolutamente vital para a construção de uma consciência de resistência entre as massas.

O impacto da situação internacional sobre o Brasil

A estabilidade burguesa e a governabilidade do Estado, a despeito das acirradas disputas político-partidárias, devem ser creditadas em boa parte ao controle férreo do PT sobre o movimento de massa, que impede a classe trabalhadora de desencadear as necessárias lutas de resistência. Mas é preciso assinalar que essa “estabilidade” também tem se escorado na situação econômica internacional favorável ao capital que vinha se mantendo desde o início do 1º mandato de Lula, em conseqüência de um ciclo de expansão internacional, que no entanto acaba de se encerrar.

Uma vez que não existe “descolamento” das economias nacionais em relação aos ciclos do capital mundializado, a recessão em curso nos Estados Unidos, que se materializa numa diminuição do consumo naquele país, deve produzir uma redução das exportações dos países que abastecem o mercado estadunidense, em especial da China, que por sua vez deve reduzir a demanda das commodities sulamericanas e brasileiras.

O grau de abertura da economia brasileira (proporção da corrente de importações e exportações em relação ao PIB), na faixa de 26%, permanece baixo em relação ao de países como a própria China, que já está em 69% (dados do Boletim Crítica Semanal, nº 10, abril/2008). Entretanto, tem aumentado a participação das chamadas “commodities” na pauta de exportações brasileira, chegando a 31% em 2007, maior nível desde 1986. Desse modo, é inevitável que a redução da demanda internacional tenha um efeito de desaceleração sobre a economia brasileira.

O efeito da desaceleração poderia em tese ser compensado pelo mercado interno, no qual a produção de bens manufaturados teve como destaque a indústria automobilística, que bate seguidos recordes de unidades produzidas. Entretanto, esse crescimento da produção esteve diretamente atrelado ao crescimento do crédito (e ao colapso do trânsito, do qual os homéricos congestionamentos na cidade de São Paulo fornecem um exemplo por demais eloqüente). O segmento de crédito direto ao consumidor experimentou um salto violento, sendo responsável por uma fatia cada vez maior do lucro (colossal) dos bancos.

A concessão de crédito no Brasil apresenta características semelhantes àquelas que precipitaram a crise das hipotecas “sub-prime” nos Estados Unidos, em especial a oferta de empréstimos acima da capacidade de pagamento dos tomadores. Na medida em que não há um crescimento real da massa de salários e uma conseqüente melhoria do poder de compra da classe trabalhadora, o crescimento do consumo de bens duráveis só pode se dar por meio do endividamento crônico.

A recessão em curso nos países centrais pode nos atingir tanto pela via da redução da demanda por “commodities” no mercado internacional, como pelo esgotamento do atual ciclo de endividamento dos consumidores no mercado interno.

Em se concretizando a chegada da crise ao Brasil, a burguesia fará de tudo para preservar seus lucros, exigindo uma aceleração das “reformas”, intensificando o ataque à classe trabalhadora, demitindo, arrochando salários, precarizando condições de trabalho. Contra o flagelo social do capitalismo e suas crises, a classe trabalhadora precisa estar pronta para se defender, negando-se a aceitar demissões, fechamento de empresas, arrocho, etc., e lutando pela ocupação das empresas quebradas sob controle operário.

A necessidade de um programa próprio dos trabalhadores.

A atuação do PT como um governo burguês típico produziu perplexidade, frustração, desencanto e desmobilização dentro do setor mais organizado da classe trabalhadora, de parte da pequena burguesia e da intelectualidade, base histórica de apoio do partido. O refluxo e a paralisia desse setor abriu caminho para que a corrente majoritária e mais burocratizada do PT manobrasse livremente no controle dos organismos da classe para impedir a eclosão de lutas que questionassem a implantação do projeto do governo e da burguesia. Desse modo, as lutas permanecem fragmentadas e pontuais. Os setores que desenvolvem oposição ao governo são ainda uma minoria no interior das categorias organizadas (servidores públicos, funcionários de estatais, professores), que por sua vez são uma minoria em relação ao conjunto da classe.

O governo Lula não vai facilitar o trabalho da esquerda em seu processo de reorganização, ou seja, não vai oferecer um alvo para unificar a oposição. O mais provável é que não seja desencadeado um ataque direto e de grande escala contra as conquistas históricas da classe, e que o governo siga agindo por meio de medidas pontuais, de baixa intensidade, cujo efeito acumulado seja equivalente em longo prazo ao objetivo global das “reformas”. É por isso que a atuação da esquerda não pode ser reativa, esperando pelos ataques para reagir a eles, pois precisa permanentemente disputar a consciência dos trabalhadores e organizá-los para a luta.

Apesar da atuação do PT e do governo na contenção dos enfrentamentos, o agravamento da situação econômica para o qual nos encaminhamos, com o conseqüente aumento dos ataques do capital, não deixará aos trabalhadores nenhuma alternativa a não ser a luta, o que torna ainda mais urgente a reorganização e a unificação da esquerda em torno de bandeiras concretas.

A busca pela unidade da esquerda deve visar a construção de um movimento capaz de agregar, além dos setores das categorias organizadas que já se mobilizam, os demais setores da classe, movimentos sociais, entidades e mesmo indivíduos que estão dispersos e paralisados, trazendo-os para a luta por meio de campanhas unificadas. É preciso unificar a Conlutas, a Intersindical, a base das pastorais sociais, a base do MST e a todos os que queiram de fato lutar.

É preciso chamar esses setores, em especial as pastorais e o MST, a romper com o governo, de modo que suas bases sejam atingidas pela denúncia sistemática de que Lula, o PT e a CUT não vão enfrentar a burguesia. A única forma de barrar os ataques da burguesia será por meio da luta dos trabalhadores e é papel da esquerda fazer com que todos os setores da classe trabalhadora desenvolvam esse entendimento, mesmo aqueles que estão hoje sob hegemonia de direções vacilantes e confusas.

A esquerda precisa estar enraizada nas bases do movimento social. É preciso construir comitês locais unitários para conduzir as lutas pontuais. Os fóruns de base, plenárias abertas, comandos de greve, devem ser os espaços privilegiados para desenvolver a disputa de consciência, que não pode ficar limitada aos espaços de direção das entidades.

A esquerda deve voltar-se para setores mais amplos da classe trabalhadora, massificando a agitação em torno dos temas de interesse do conjunto do proletariado. É preciso trabalhar por meio de campanhas nacionais de esclarecimento sobre temas que afetam diretamente a vida das massas, como a necessidade de elevação dos salários para fazer frente à carestia, a precariedade dos serviços públicos, a degradação das condições de trabalho e a necessidade de garantir direitos para todos, etc.

A burguesia usa de seu controle sobre os meios de comunicação para disputar ideologicamente a consciência dos trabalhadores, colocando seus programas e interesses (como as “reformas”) como se fossem do interesse de toda a sociedade. A esquerda deve se contrapor a essa influência apresentando as alternativas reais com base nos interesses da classe trabalhadora. É preciso que fique claro para as massas que somente os próprios trabalhadores e sua auto-organização poderão desenvolver alternativas reais e soluções para seus problemas.

É preciso apresentar o socialismo como única alternativa real para superar a situação de barbárie social que se abate sobre a maioria da nossa classe. O desemprego, a violência, a carestia, a miséria em suas diversas formas; só terão fim com o fim do modelo capitalista de sociedade. É preciso explicar pacientemente aos trabalhadores a necessidade de romper com o sistema capitalista, por meio de um programa mínimo que parta das reivindicações imediatas para as transformações mais gerais.

A situação é tão grave, a miséria tão avassaladora, o descalabro tão escancarado, que um programa “mínimo” de bandeiras de luta capazes de solucionar os problemas imediatos, na atual conjuntura, necessariamente se desdobra em um programa “máximo”, devendo propor medidas como:

ECONOMIA
- Não pagamento da dívida pública interna e externa e aplicação desse dinheiro em um programa de serviços e obras públicas voltadas para as necessidades da classe trabalhadora em moradia, saneamento básico, transportes, educação e saúde;
- Redução da jornada para 30 horas semanais sem redução do salário;
- Salário mínimo do DIEESE como piso para todas as categorias;
- Carteira assinada e direitos trabalhistas para todos, fim da terceirização, da informalidade e da precarização do trabalho;
- Defesa do emprego, resistência às demissões, com greves, ocupações de fábricas e exigência de abertura da contabilidade;
- Estatização, sob controle dos trabalhadores, das empresas que pretenderem fechar ou se deslocar para outras regiões;
- Reestatização das empresas privatizadas, sob controle dos trabalhadores, com reintegração dos demitidos;
- Estatização do sistema financeiro sob controle dos trabalhadores; controle sobre o câmbio e o fluxo de capitais estrangeiros e nacionais;
- Controle social sobre os lucros das empresas e proibição de sua remessa ao exterior;

POLÍTICA
- Defesa da mais ampla liberdade de expressão e de organização dos trabalhadores e de suas entidades; liberdade para os presos políticos da repressão e ativistas da classe trabalhadora;
- Garantia do direito de greve, da livre organização e manifestação dos trabalhadores e do livre exercício de seus métodos de luta, como piquetes, ocupações e passeatas;
- Liberdade partidária a todas as agremiações políticas de esquerda e representativas dos interesses dos trabalhadores, fim da cláusula de barreira;
- Parlamento unicameral, extinção do Senado, revogabilidade dos mandatos, salário igual ao de um trabalhador médio para os ocupantes de cargos públicos, financiamento público e limitado das campanhas eleitorais. Fim das sanções do executivo (lei aprovada, lei sancionada). Fim da distorção das bancadas de deputados federais, por uma representação eqüitativa das populações dos estados;
- Confisco dos bens de todos os envolvidos em caso de corrupção ativa ou passiva;
- Fim da corrupção e lentidão no Judiciário. Controle externo e transparência na administração dos Tribunais. Fim da cobrança de custas aos trabalhadores;
- Fim da anistia aos torturadores do regime militar. Punição a todos os criminosos fardados que matam, torturam, agridem e perseguem trabalhadores a soldo da burguesia;
- Desarmamento das milícias paramilitares e jagunços a serviço do latifúndio e das oligarquias no campo; prisão para mandantes e executores de crimes contra os trabalhadores em luta;

VIOLÊNCIA
- Combate à lavagem de dinheiro, com repatriação das divisas enviadas aos paraísos fiscais; fim da prisão especial para criminosos de “colarinho branco”, agentes corruptos do Estado, fiscais, policiais, juízes, políticos, banqueiros, empresários, etc.;
- Fim do tratamento desumano, das torturas e violências contra a população carcerária; por condições reais de ressocialização e recuperação dos apenados;
- Penas alternativas e regime aberto para autores de pequenos crimes contra o patrimônio e pequenos furtos; nenhuma punição ao roubo famélico;
- Contra a redução da maioridade penal e as ações discriminatórias da repressão sobre a população jovem, negra e pobre;
- Contra a ocupação dos morros e comunidades pobres pelo exército;
- Desarmamento das milícias e traficantes;
- Dissolução das polícias militares; por uma polícia democratizada, com o direito dos soldados se organizarem sindicalmente e elegerem seus superiores; controle da segurança pública pelos moradores de cada comunidade;
- Descriminalização do uso de drogas; tratamento médico para os dependentes químicos;

DIREITOS SOCIAIS
- Anulação da Reforma da Previdência. Por um sistema previdenciário estatal único, sob controle dos trabalhadores. Que os fundos de pensão sejam estatizados e incorporados ao sistema único de previdência pública, sob controle dos ativos e inativos, salvaguardando a poupança dos trabalhadores. Valor mínimo dos benefícios equivalente ao salário mínimo do DIEESE. Garantia de que o valor do benefício dos aposentados seja igual ao salário da ativa;
- Reforma Urbana sob controle dos trabalhadores, com a desapropriação de todas as áreas ociosas e grandes propriedades para construção de moradias para os trabalhadores, até que haja moradia para todos. Pela expropriação dos latifúndios urbanos, bairros nobres e mansões da burguesia. Contra a especulação imobiliária;
- Saúde para todos: estatização, sob controle dos trabalhadores, das empresas de saúde privadas; garantia do fornecimento de remédios a todos os pacientes. Estatização da indústria químico-farmacêutica e quebra da patente dos medicamentos. Defesa das pesquisas com células-tronco, contra os preconceitos de ordem religiosa e racial. Prioridade para as pesquisa sobre as doenças que afetam a população pobre e negra do país, como doença de chagas, anemia falciforme, etc;
- Fim da guerra fiscal entre os estados. Fim dos impostos sobre bens e serviços de primeira necessidade. Nenhum imposto sobre gêneros alimentícios. Anulação de todas as dívidas da classe trabalhadora contraídas com agiotas financeiros. Isenção do pagamento de água, luz, gás. Passe livre para os que procuram emprego;

EDUCAÇÃO
- Reverter o sucateamento das Universidades públicas (REUNI), com a contratação de professores e funcionários, melhoria dos laboratórios e instalações, melhoria das condições de ensino, pesquisa e extensão; defesa da autonomia administrativa e acadêmica das universidades frente aos governos e corporações; por uma universidade a serviço das necessidades dos trabalhadores;
- Defesa da qualidade de ensino nos seus três níveis, melhores salários e condições de trabalho para os professores, melhores instalações e recursos materiais (laboratórios, bibliotecas, material didático, etc.), fim da progressão automática, fim do ensino religioso nas escolas, inclusão obrigatória das disciplinas de educação sexual, psicologia, filosofia, sociologia, história e cultura da África e da América Latina;
- Fim do vestibular, garantia do acesso de todos os jovens ao ensino superior público, gratuito e de qualidade;
- Cassação das concessões dos veículos de comunicação que descumpram os critérios de relevância cultural; acesso à comunicação para os movimentos sociais;
- Por um modelo de TV digital com tecnologia nacional e democrático. As rádios e TV’s devem ser colocadas sob controle dos trabalhadores para auxiliar a sociedade a se emancipar da ignorância e promover uma elevação do nível cultural geral, estimulando a diversidade, colocando fim a toda forma de fetichismo, consumismo, racismo, preconceitos e estereótipos contra as mulheres, os negros e grupos marginalizados;
- Taxação da produção audiovisual estrangeira (filmes, seriados, etc.) como forma de financiar a produção nacional;

AGRICULTURA E ECOLOGIA
- Reforma agrária sob controle dos trabalhadores. Fim do latifúndio, das monoculturas predatórias e dos plantios transgênicos. Por uma agricultura coletiva, orgânica e ecológica voltada para as necessidades da classe trabalhadora;
- Fim da transposição do São Francisco e de todos os mega-projetos faraônicos e anti-ecológicos a serviço do latifúndio, do agronegócio e das transnacionais;
- Fim da indústria da seca no Nordeste, fim do coronelismo e do clientelismo, pelo aproveitamento dos recursos hídricos da região sob controle dos trabalhadores do campo;
- Fim do desmatamento na Amazônia, no cerrado e no Pantanal; não ao reconhecimento de “nações indígenas” como forma de desmembrar o território amazônico e retirá-lo da soberania nacional; imediata revogação da Lei de Florestas, controle do aqüífero Guarani; expulsão das ONGs imperialistas, das madeireiras e dos piratas da biodiversidade;
- Pela pesquisa de nossa biodiversidade por universidades públicas e pesquisadores brasileiros;
- Que os fabricantes de produtos não-biodegradáveis, como pilhas, baterias, garrafas plásticas (PET), etc., sejam responsáveis pelo respectivo recolhimento e reciclagem orbigatória, caso contrário suas empresas serão estatizadas em benefício do meio ambiente e da saúde humana;
- Pela estatização de todos os recursos hídricos, minerais e florestais, sob controle dos trabalhadores;

SOCIALISMO
Para finalizar, é preciso dizer em alto e bom som que essas medidas somente serão realizáveis no bojo de uma luta por outro modelo de sociedade.
Portanto:
- Pela socialização dos meios de produção e de distribuição da riqueza social pelos organismos de poder dos trabalhadores!
- Por um governo socialista dos trabalhadores baseado em suas organizações de luta!
- Por uma sociedade socialista!

Daniel M. Delfino
Abril 2008

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