20.11.08

1968, o ano vermelho - parte 3 de 3


4.6 Brasil

O Brasil vivia uma ditadura desde 1964. A fração mais pró-imperialista da burguesia derrubou o governo nacional-desenvolvimentista através dos militares. Parlamentares e políticos de esquerda foram cassados e partidos de oposição foram postos na ilegalidade. As principais organizações de massa foram reprimidas: as ligas camponesas foram dissolvidas e os sindicatos sofreram intervenção. A imprensa passou a ser vigiada. A única organização popular que permaneceu ativa foi a União Nacional dos Estudantes (UNE), que passou a ser o foco da resistência contra a ditadura.

Os estudantes se tornaram também o principal alvo da repressão. Em 28 de março de 1968 o estudante Edson Luís, que não era militante, foi morto pela polícia num restaurante no Rio. A morte do estudante precipitou uma onda de manifestações de protesto. Durante o mês de junho os universitários do Rio entram em greve e tomam as ruas da cidade em confronto com a polícia. Os confrontos provocam a mobilização de artistas, intelectuais, sindicalistas e os setores médios mais politizados, que passam a marchar em apoio aos estudantes. O auge dessas mobilizações seria a “Passeata dos Cem Mil”, no próprio Rio de Janeiro, em 26 de junho, que reivindicava explicitamente a volta da democracia.

Antes disso, o movimento operário já havia demonstrado sinais de iniciativa. Na comemoração do 1º de Maio, na Praça da Sé, em São Paulo, os operários derrubaram o palanque e puseram em fuga o governador indicado pelos militares, que tentara discursar. Nesse mesmo ano aconteceriam ainda as greves dos metalúrgicos de Osasco/SP e de Contagem/MG, as últimas durante a ditadura antes da retomada do movimento grevista em 1978. O clima de rejeição à ditadura crescia em todos os setores, a ponto de deixar os militares na defensiva.

A resistência cultural ao regime era praticada pelo Cinema Novo de Glauber Rocha, pelo teatro de Augusto Boal e José Celso Martinez, e pelas canções de protesto da MPB. Os Festivais da Canção eram a principal atração da televisão na época e mobilizavam torcidas apaixonadas. A vitória de determinada composição ou intérprete era motivo de intensa disputa, a qual se tornou crescentemente politizada. Em 1968, parte do público não aceitou a vitória de “Sabiá” de Chico Buarque e Tom Jobim, sobre “Caminhando”, de Geraldo Vandré, e praticamente exigiu um empate. Caetano Veloso, líder do tropicalismo, espécie de versão brasileira da contra-cultura, discursou debaixo de vaias dos estudantes politizados, dizendo que “não estavam entendendo nada” das transformações e lutas em curso.

Em outubro aconteceu também em São Paulo a “batalha da rua Maria Antônia”, quando estudantes direitistas da faculdade Mackenzie, organizados no CCC (Comando de Caça aos Comunistas), atacaram os estudantes de esquerda da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Os confrontos duraram dois dias, entre 2 e 3 de outubro, levando à morte um estudante secundarista alvejado pelo CCC. Depois da tragédia a polícia interveio e levou dezenas de estudantes presos.

Em 12 de outubro o Congresso da UNE, que transcorria clandestinamente em Ibiúna/SP, foi fechado pela polícia, com a prisão dos quase mil delegados presentes. A última organização de massa é desmantelada e a resistência popular é desarticulada. A ditadura se preparava para entrar em seu período mais duro.

Em 13 de dezembro é decretado o Ato Institucional número 5 (AI-5), que fechou o Congresso, revogou as liberdades civis e instaurou a censura. Os órgãos da repressão ganhavam poderes ilimitados para prender, interrogar, perseguir qualquer pessoa “suspeita” de participação na “subversão”. Tendo sido derrotada a via da luta de massas, a esquerda opta então pelo caminho da luta armada contra a ditadura. As ações de guerrilha urbana começam nesse mesmo ano, com a execução do agente da CIA Charles Chandler pela VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) em outubro. Começara a noite do “combate nas trevas”.

4.7 Outros Cenários

1968 não foi apenas internacional, mas também internacionalista. A guerra do Vietnã era a causa que unificava a esquerda no mundo inteiro, como foi dito acima. Toda a esquerda sabia que a derrota do imperialismo no Vietnã abriria uma nova etapa na luta de classes, colocando a burguesia na defensiva, com a possibilidade de avanços para os trabalhadores, como de certa forma acabaria acontecendo. Em nome dessa possibilidade, as organizações de vanguarda em todo o mundo jogavam suas forças nas manifestações contra a guerra. A partir dessas manifestações, com as massas estudantis e operárias mobilizadas, as lutas tomavam formas determinadas pelas características específicas de cada sociedade local.

Manifestações estudantis importantes contra a guerra aconteciam desde 1966 no Japão. Também neste ano, na Holanda, começam as ações de desobediência civil do movimento contra-cultural Provos (espécie de dissidência do situacionismo). Na Espanha e na Polônia os estudantes também protestam, enfrentando a ditadura fascista e o stalinismo, respectivamente. Na Itália, desde fins de 1967, estudantes e operários promovem greves, ocupações e manifestações massivas. No início de 1968, na Inglaterra, a London School of Economics, bastião do conservadorismo, também é ocupada pelos estudantes. Em fevereiro, em Berlim ocidental, sob a liderança de Rudi Dutschke, também acontecem grandes protestos contra a guerra. Os jovens dessa época também queriam derrubar o muro, mas para experimentar o socialismo, não o capitalismo. Em Hong Kong, território chinês ocupado pela Inglaterra, os jovens também se agitam, querendo aderir à Revolução Cultural maoísta.

Diante de todo este contexto, pois, a França foi o país em que o movimento começou mais tarde, somente em maio, apesar de acabar se tornando o palco dos acontecimentos mais extraordinários. No que se refere à continuidade, porém, a primazia cabe à Itália. Mais pobre e politicamente mais instável que a França, a Itália também abrigava um poderoso Partido Comunista, que não hostilizou totalmente as mobilizações estudantis (como fizera o PCF) e não se negou a dirigir o proletariado. O resultado foi o “outono quente” de 1969, com milhões de trabalhadores em greve e ocupações das fábricas da Fiat em Turim e da Pirelli em Milão. Estudantes e trabalhadores lutavam unidos e a extrema esquerda disputava a liderança do movimento com o PCI. A década de 1970 foi de intensas lutas e trouxe grandes conquistas ao proletariado industrial italiano.

Outro destaque fora da Europa foi o México, onde a greve geral da UNAM, maior universidade da América Latina, durou dois meses e quase provocou o cancelamento das Olimpíadas, marcadas para outubro. Quando a universidade foi invadida pela polícia, os estudantes se concentraram na praça de Tlatelolco, tentando dar continuidade ao movimento. A repressão conduzida pelo exército, que invadiu a praça na noite de 2 de outubro, foi brutal: 48 mortes, segundo a contagem oficial; mais de 300 segundo os militantes. Entre 12 e 27 de outubro, como planejado, realizam-se os Jogos.

Os ecos de 1968 também atingiram outras partes do mundo, que experimentaram significavas guinadas à esquerda. No Peru, o general Velasco Alvarado realiza um governo nacionalista (1968-75), promovendo uma série de estatizações. Na Argentina, que vivia a chamada ditadura “gorila”, um levante operário em Córdoba (2ª maior cidade do país), provocou a queda do governo e a volta da democracia burguesa em 1969. Também neste ano, no Paquistão, o general Ayub Khan é derrubado por uma revolução civil liderada por Zulfikar Bhutto, fundador do Partido do Povo do Paquistão e iniciador da “dinastia” Bhutto. No Chile acontece a eleição de Allende em 1970 (seria derrubado em 1973), unindo os partidos socialista e comunista. Na Bolívia, que já experimentara a revolução de 1952, acontece a Assembléia Popular, experiência de duplo poder, entre 1º de maio e 21 de agosto de 1971, no breve intervalo entre duas ditaduras militares. Até mesmo a Revolução dos Cravos, em Portugal, em 1974, pondo fim a décadas de ditadura salazarista, pode ser considerada um eco de 1968, devido a alguns elementos de auto-organização popular.

Em junho de 1969, em Nova York, a polícia adentra um bar freqüentado por homossexuais para uma batida, mas sua truculência habitual não é mais tolerada. Na saída, os policiais são sitiados pelo público e obrigados a pedir reforços. O público local não se intimida e entra em confronto com a polícia, que consegue se afastar a duras penas. Depois desse incidente, a polícia deixa de perseguir ostensivamente os homossexuais. O nome do bar, Stonewall, se tornaria símbolo da resistência dos homossexuais, e a data, 28 de junho, passaria a ser celebrada como dia do orgulho gay.

O saldo final de todas essas lutas parece decepcionante. Apesar da coragem e da criatividade dos militantes e das massas, nem o capitalismo nem a burocracia stalinista foram derrubados. Muitas organizações tentaram compensar a frustração com a impotência da luta de massas por meio do voluntarismo da luta armada (como foi dito acima a respeito da esquerda brasileira). O exemplo de Cuba e de Che Guevara estava mais vivo e sedutor do que nunca em 1968. A experiência cubana havia sido transformada em teoria pelo jovem pensador francês Régis Debray (é típico dos franceses criar teorias e rótulos para tudo), sob o nome de “foquismo”. A idéia de que um pequeno foco de militantes determinados seria capaz de derrubar o Estado por meio de uma longa luta de desgaste contra suas forças armadas regulares inspirou várias guerrilhas pelo mundo.

O movimento guerrilheiro Tupamaro, originado no Uruguai, já era ativo desde 1963. A esquerda peronista originou a guerrilha dos Montoneros na Argentina. Também optaram pela luta armada o IRA na Irlanda, o ETA na Espanha, a Fração do Exército Vermelho (Baader-Meinhoff) na Alemanha, as Brigadas Vermelhas na Itália, e até a OLP palestina pode ser enquadrada nesse contexto.

5. Inconclusão

1968 representa a intersecção de movimentos que se situavam em três temporalidades históricas distintas. Houve um movimento que, na falta de adjetivo melhor, denominamos “prematuro”, o qual coincidiu com outro “retardatário”. Os dois, por sua vez, se localizam no contexto determinado pela vigência de uma revolução “interrompida”.

O movimento prematuro foi o que ocorreu nos países imperialistas, nos quais o proletariado já havia alcançado a possibilidade de desfrutar da abundância material e da vida confortável da “sociedade de consumo”. As novas gerações formadas nos “anos dourados” do capitalismo recusaram a perspectiva desse modo de vida dominado pelo tédio e pela artificialidade e puseram em pauta a reivindicação de uma emancipação espiritual, e não apenas material. A cultura de massas impedia o desenvolvimento de uma subjetividade autêntica, sufocando a interioridade e a expressão individual. A contra-cultura tentou dar vazão a essa individualidade reprimida.

Esse movimento pode ser considerado “prematuro” não por ter acontecido antes do tempo, mas pelo fato de que a abundância material não era uma realidade para a humanidade no seu conjunto e sim para uma restrita minoria. Logo, o proletariado dos países avançados se deparou com problemas que não estavam colocados para seus irmãos na periferia mundial. Se nos países imperialistas o que estava em pauta era o que fazer com o tempo livre conquistado (o que fazer para torná-lo efetivamente livre e não submetido ao consumo do lixo da indústria cultural e do lazer capitalistas), na maior parte do mundo ainda se lutava para conquistar algum tempo livre.

É por isso que o movimento nos países periféricos pode ser considerado “retardatário”. A luta desses países ainda consistia em obter melhorias básicas nas condições materiais de vida. O problema é que o modo de produção capitalista necessariamente pressupõe o desenvolvimento desigual e combinado. Ou seja, a desigualdade da situação material entre centro e periferia é uma condição sine qua non para a continuidade do funcionamento do sistema. É preciso que haja uma corrida constante pela renovação tecnológica e pelo aumento de produtividade, de modo que o centro sempre possa produzir mais e consumir mais. Os limites do supérfluo e da abundância são sempre empurrados para frente, ao passo que as necessidades dos miseráveis são gradativamente deixadas para trás.

Ao reivindicar melhorias materiais, os movimentos da periferia estavam reivindicando aquilo que os do centro já estavam lutando para superar. Ao recusar a abundância capitalista, os movimentos do centro estavam antecipadamente rejeitando aquilo que a periferia ainda nem sequer havia obtido. Os dois movimentos eram verdadeiros e legítimos em sua parcialidade e ao mesmo tempo falsos e contraditórios em sua falta de sincronia na relação com a totalidade. A “astúcia da razão capitalista” neste caso consistiu em impedir que esse movimentos se comunicassem e realizassem a unidade dialética das suas demandas: a abolição do sistema produtor de mercadorias como um todo.

Muito dessa vitória do capitalismo se deveu à colaboração dos dirigentes das sociedades pós-capitalistas, nas quais a revolução foi interrompida. As sociedades que romperam com o capitalismo, mas não construíram de fato o socialismo, impediram a unidade entre as tendências radicais no centro e na periferia, atuando como falso exemplo do objetivo a ser atingido. As sociedades pós-capitalistas se limitaram a rivalizar com o capitalismo no plano dos avanços da produção material (corrida espacial, corrida armamentista, o objetivo de produzir mais ferro e carvão que os Estados Unidos, etc.), sem construir novas relações sociais que dessem aos produtores associados o controle efetivo de suas vidas.

A tragédia das “revoluções interrompidas” não estava no ato da revolução, que continuava sendo necessário e desejado, mas no fato da revolução ter sido interrompida antes de poder gestar um modo de vida efetivamente novo. Em 1968 muito se falava em revolução, socialismo e comunismo, mas isso pouco tinha a ver com uma grande simpatia pelo “socialismo real” da URSS e seus satélites. Ao contrário, boa parte dos pensadores, militantes e ativistas de 1968 já sabia que aquele não poderia ser o caminho.

A idéia de socialismo estava teoricamente mais próxima do marxismo original, não pervertido pela vulgarização stalinista. A prática dos que militavam por esse socialismo, por sua vez, era marcada por um certo anarquismo “difuso”, anti-autoritário, espontaneísta e “basista”. A tentativa de resgate do marxismo e revitalização do socialismo por meio de práticas libertárias acabou também sendo derrotada. O melancólico resultado que se seguiu foi o oposto: a negação do socialismo. Parte da esquerda de 1968, sua “ala vanguardista”, optou pela luta armada, como vimos na seção anterior. Outra parte, a “ala acadêmica”, desenvolveu uma “ontologização da derrota” do movimento, saindo-se com a conclusão de que a classe operária não era mais o centro da luta emancipatória e de que o foco tinha se deslocado para as relações interpessoais e as lutas culturais.

O socialismo passou a ser rejeitado não mais por ter se burocratizado (o que abria as portas para a possibilidade da sua regeneração), mas passou a ser considerado uma continuidade direta da ideologia burguesa positivista do progresso e da racionalidade, que eram o alvo da “grande recusa”. Essa corrente daria origem ao que foi chamado de pós-modernismo.

5.1 Quarenta anos depois

As lutas sociais prosseguiram nas décadas de 1970 e 80 em torno de conquistas democráticas, mudanças comportamentais, transformações culturais e questões ambientais, que deram algum alento ao ativismo. A questão do poder de Estado e da lógica do capital em sua totalidade foi de certo modo secundarizada, pois não se sabia como superar o problema da efetiva transição ao socialismo. Essa dificuldade foi dramatizada pela estagnação das sociedades em que a revolução havia sido interrompida. A inviabilidade do modelo pós-capitalista burocratizado resultou na queda desse sistema entre os anos de 1989-91.

A queda do muro de Berlim e da URSS abriu caminho para uma série de ataques políticos, econômicos e sociais contra a classe trabalhadora no mundo inteiro por meio das chamadas políticas neoliberais. Ofereceu-se também à burguesia a oportunidade de uma violenta ofensiva ideológica estruturada em torno da idéia de “fim da história”, ou seja, derrota do socialismo e vitória do capitalismo. Essa ofensiva ideológica utilizou parte do arsenal teórico do pós-modernismo, que havia desenvolvido a negação da centralidade do trabalho, da razão, do sujeito e do humanismo. A luta dos jovens de 1968 pela expressão autêntica da individualidade se transformou melancolicamente em luta individualista pelo sucesso material. Nos Estados Unidos, ex-hippies se transformaram em empresários de sucesso, ou seja, personificações do capital.

A permanência da lógica do capital e sua mundialização deslocaram a base material em que se desenvolveu a intersecção das distintas temporalidades de 1968. O distanciamento entre centro e periferia aumentou ainda mais, com um contraste cada vez mais radical entre a insultuosa abundância dos super-ricos e a degradante miséria dos muito pobres.

A revolução tecnológica em curso desde os anos 1970 (robótica, computação, informática, microeletrônica, telecomunicações, internet, biotecnologia) expulsou a força de trabalho da produção industrial, centro da geração de mais-valia, o que introduziu um novo elemento de crise. A taxa de exploração aumenta em números relativos, já que cada trabalhador individualmente produz mais, mas o volume total de lucro diminui em números absolutos, já que há um número cada vez menor de trabalhadores produzindo. A reprodução do capital tenta fugir artificialmente para a esfera financeira, o que impõe em nível mundial a ofensiva pelas políticas neoliberais.

O que está em andamento não é o “fim da centralidade do trabalho”, mas uma reafirmação dessa mesma centralidade na forma de uma crise estrutural que corrói o capital por dentro na mesma medida em que este tenta fugir das conseqüências do desenvolvimento de sua própria lógica. A tentativa de fuga para a esfera financeira mascara o processo real de mundialização do mercado de trabalho, que atravessa as diversas sociedades nacionais. A base material para as greves do maio francês e do outono quente italiano de 1968-69 era uma situação de relativa escassez da força de trabalho, que permitia aos trabalhadores exigir um preço maior pela venda desta mercadoria. A situação atual é estruturalmente oposta, pois há excesso de força de trabalho disponível no mercado mundial e queda do seu preço para o capital.

Este excesso de força de trabalho é bastante funcional para o capital, já que propicia a formação de um exército industrial de reserva mundial que pressiona para baixo o preço da força de trabalho, no interesse das corporações transnacionais. Entretanto, essa situação torna também necessário “drenar” parte do “excesso de população” através da guerra de extermínio dos miseráveis, sob formas diversas como a “guerra ao terror” contra os povos do Oriente Médio, a perseguição aos imigrantes na Europa, o genocídio dos negros nas favelas do Brasil, etc. Certamente não é também coincidência o fato de que o principal mentor da “guerra ao terror” tenha sido o mesmo presidente estadunidense que tem como sua principal política educacional a pregação da abstinência sexual dos jovens e a volta do ensino do criacionismo bíblico.

A tentativa de fazer o relógio da história retroceder para uma situação pré-1968 atesta o quanto seu legado ideológico é perigoso para o capital. A lógica da reprodução capitalista se torna também esquizofrênica no plano microssocial. De um lado, é necessário reforçar o individualismo, o consumismo e o hedonismo, para manter a roda da produção destrutiva de abundância em movimento. De outro lado, é também necessário reforçar a coesão e a obediência, por meio do retorno à religião, aos valores da família tradicional, abstinência sexual, etc. A mediação entre essas duas tendências contraditórias na consciência dos indivíduos é feita por meio da comercialização de subprodutos pasteurizados da contra-cultura. A música “rebelde”, as tribos e modismos comportamentais, a pornografia, as drogas, os esportes radicais, etc., proporcionam uma ilusão de alternativa escapista aos jovens, que podem depois transformar-se em trabalhadores disciplinados, cidadãos ordeiros e repeitáveis pais de família.

O capitalismo demonstra assim sua capacidade para assimilar todos os obstáculos que se contrapõem a algum aspecto parcial da sua processualidade, desde os partidos revolucionários (que se transformaram em PCs stalinizados e reformistas) no plano da política até as iniciativas contra-culturais no plano da subjetividade. Isso demonstra também a necessidade dos revolucionários serem capazes de formular alternativas não apenas contra os aspectos parciais do capitalismo, sua lógica econômica ou sua cultura industrializada, mas contra a totalidade do modo de vida.

Daniel M. Delfino
Novembro 2008


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- Uma visão abrangente e rica em dados sobre o período em que se situa 1968 pode ser encontrada nos capítulos 9 a 12 do livro “A Era dos Extremos”, de Eric Hobsbawm (Cia das Letras, 1998), já referido no texto.

- Uma descrição (de um ponto de vista não-marxista) das interpretações de 1968 e das polêmicas teóricas correlatas está em “Pensamento 68”, de Luc Ferry e Alain Renaut (Ed. Ensaio, 1988).

- A revista “História Viva” publicou na sua edição nº 54 um dossiê e uma didática linha do tempo contendo os fatos dos principais cenários de 1968.

- Para uma abordagem mais opinativa, a revista CULT (nº126) publicou uma série de artigos com aprofundamentos bastante pertinentes.

- Na internet, a revista “Espaço Acadêmico” (http://www.espacoacademico.com.br) publicou também um rico dossiê na edição nº 84.

Um comentário:

Tatiana Alencar disse...

Dani,

Gostei muito da abordagem, principalmente no que toca à bibliografia. Hobsbawn sempre se mostra atual.

Beijos,
Tatiana Alencar.