16.2.09

A crise 2 - As ameaças à humanidade


O estágio atual da crise

Ao final do ano de 2008 o mundo estava entrando numa forte crise econômica. A imprensa burguesa em peso passou a falar em crise. O mito da invulnerabilidade do capitalismo caiu por terra com impressionante velocidade. Governantes do mundo inteiro fizeram reuniões, emitiram declarações com ar preocupado, anunciaram medidas de emergência, lançaram “pacotes de ajuda” de centenas de bilhões de dólares para salvar os bancos e o sistema financeiro da bancarrota. Subitamente, descobriu-se que o “livre mercado” não é capaz de regular a si mesmo e o Estado precisa intervir. Analistas passaram a falar na pior crise desde 1929, quando teve início a Grande Depressão. Surgiu a ladainha da “falta de confiança”, da “falta de regulação”, da “ganância excessiva”, etc. A crise chegou também ao senso comum. De agora em diante, na boca do povo, tudo “é culpa da crise”.

Na realidade, a crise é um produto inevitável do próprio funcionamento da economia capitalista. Não se trata de “falta de confiança”, “falta de regulação”, “ganância excessiva”, etc. O problema não está no “modelo de desenvolvimento”, que pode ser neoliberal ou desenvolvimentista-keynesiano, está na própria essência do modo de produção capitalista. A crise é uma expressão dos limites internos do sistema, de sua incapacidade de realizar a mais-valia gerada na produção e de sua necessidade de destruir forças produtivas (fechar fábricas, demitir trabalhadores ou mesmo destruir populações inteiras e recursos materiais por meio da guerra) para reiniciar o ciclo de acumulação. Ao contrário do que diz o pensamento vulgar da imprensa burguesa, a crise é parte essencial do mecanismo interno da economia capitalista e portanto a sua aparição de tempos em tempos é um fenômeno inevitável.

Por enquanto, ainda não se produziu o deslizamento para a depressão, nem muito menos qualquer sinal da recuperação sonhada pelos capitalistas, que na verdade pode estar bastante distante, de modo que a crise pode se estender sob a forma de uma recessão prolongada. Nesse meio tempo a burguesia procura manter suas taxas de lucro promovendo demissões, rebaixamento de salários, retirada de direitos e benefícios, corte de serviços públicos. A luta de classes ainda não se manifestou com toda sua agudeza. A reação da classe trabalhadora mundial tem sido desigual. Na sua maior parte, os principais instrumentos de luta da classe, partidos e sindicatos, permanecem controlados por direções abertamente dispostas a colaborar com a burguesia e jogar o custo da crise nas costas do proletariado.

Na Europa, já acontecem fortes greves e mobilizações contra os ataques do capital. No Brasil, a crise chegou ao senso comum e já está na boca do povo, mas a classe trabalhadora não compreende a crise. Para os trabalhadores, ela se parece com uma peste, uma epidemia, cujo contágio ameaçador é totalmente aleatório e só se pode combater rezando para que permaneça distante. A burguesia tenta ganhar ideologicamente os trabalhadores com seu discurso de que “não há alternativa” e tudo que se pode fazer é apertar os cintos e esperar a crise passar. Naturalmente, são os trabalhadores que vão apertar os cintos. E não vão poder contar com o apoio do Estado, que vai precisar tirar cada vez mais dinheiro da educação, da saúde e dos serviços públicos para financiar os “pacotes de ajuda”.

As saídas da burguesia

A crise atual está no estágio de uma recessão mundial em aprofundamento. A burguesia procura neste momento evitar que a recessão se transforme em depressão. Para isso, a classe dominante recorre ao socorro do Estado, que tanto nos centros imperialistas como na periferia está injetando “pacotes de ajuda” que totalizam trilhões de dólares na economia capitalista.

A política do Estado burguês de injetar dinheiro na economia está longe de poder trazer uma solução definitiva para o problema. Assemelha-se a uma tentativa de apagar um incêndio jogando mais gasolina no fogo. Não é preciso ser expert em economia para perceber que há algo muito errado com os tais pacotes de ajuda, como o plano recentemente anunciado por Obama de injetar mais US$ 819 bilhões na economia estadunidense. A simples intuição basta para demonstrar que a solução não pode ser assim tão fácil. Se está ao alcance do Estado produzir tão facilmente dinheiro à vontade e em quantias tão mastodônticas, porque isso não é feito de modo corriqueiro?

A resposta é que na verdade não é tão fácil assim produzir dinheiro, pois isso tem conseqüências. O poder conferido ao Estado para emitir moeda não pode ser usado indiscriminadamente, pois isso ameaça a própria função da moeda como medida de valor. A burguesia não o ignora, por isso só recorre a tal medida apenas em situações de emergência extrema. O fato de que todos os Bancos Centrais do mundo estejam fazendo a mesma coisa neste momento é mais um indício da seriedade da crise em andamento.

A moeda precisa estar lastreada em alguma riqueza real, sem o quê se converte em simples papel sem valor. Os BCs do mundo inteiro estão emitindo trilhões de dólares que correspondem a papel sem valor, na expectativa de que alguma riqueza real possa vir a ser gerada, ou na linguagem da economia burguesa, de que haja uma “retomada do crescimento”. Nesse meio tempo, o dinheiro que sai dos BCs é contabilizado como dívida pública, ou seja, dívida que o Estado terá que cobrir de alguma maneira, seja cobrando impostos, seja cortando dos serviços públicos; em ambos os casos, tomando dos trabalhadores. Em última instância, como toda riqueza real em qualquer sociedade é produzida pelo trabalho humano, a classe capitalista e seu Estado terão que intensificar brutalmente a exploração para recuperar o valor nominal emitido sob a forma de moeda sem valor. Caso isso não seja feito num intervalo de tempo suficientemente curto, a crise pode se desdobrar numa desvalorização drástica da moeda, ou seja, numa inflação desenfreada.

Paradoxalmente, os detentores de capital no mundo inteiro estão neste momento buscando “refúgio” na “segurança” dos títulos do tesouro estadunidense. O dinheiro que sai das bolsas de valores do mundo inteiro, provocando sua queda, está sendo investido em dólares, o que produz a valorização artificial dessa moeda. O dólar está sendo mantido artificialmente valorizado, justamente no momento em que o endividamento suicida dos Estados Unidos, com os trilionários pacotes de ajuda do governo, amplia o risco de corrosão estrutural do valor da principal moeda mundial. Em outras palavras, o capitalismo está se tornando refém da capacidade do imperialismo estadunidense de cobrir sua dívida por meio do saque sobre a classe trabalhadora mundial.

Os limites do capital

A crise atual não é produto apenas do esgotamento de mais um ciclo periódico (como o ciclo anterior que se encerrou em 2000 com a quebra da NASDAQ), mas da crise estrutural do sistema que emperra a acumulação capitalista pelo menos desde o início da década de 1970. A crise estrutural tem sido contornada pelo deslocamento da produção material para países periféricos de mão-de-obra barata (tigres asiáticos, e mais recentemente, China e Índia), combinado com movimentos de expansão do crédito, endividamento do Estado, das empresas e dos consumidores e desregulamentação dos instrumentos financeiros.

Esse duplo movimento de superexploração/financeirização expressa uma dificuldade crescente do capital para continuar se reproduzindo. Há um estreitamente crescente das margens internas intransponíveis do próprio sistema capitalista. O impulso da concorrência obriga as empresas a incorporarem tecnologia e aumentarem a produtividade, produzindo mais em menos tempo de trabalho. Ao produzir mais em menos tempo, as empresas podem dispensar a força de trabalho humana. O desemprego tecnológico estrutural de massa se tornou rotina em todos os países. Ao demitir trabalhadores, as empresas diminuem a quantidade de consumidores aptos a comprar aquilo que produziram. Sem compradores para as mercadorias, não se fecha o ciclo de realização do valor gerado na produção.

Quando não há meios de realizar o capital, a solução é simplesmente destruí-lo, ou seja, fechar as empresas, imobilizar as máquinas, demitir mais trabalhadores, obrigá-los a trabalhar por salários mais baixos. Isso só faz aumentar o problema da falta de consumidores, agravando a crise e precipitando um círculo vicioso. Essa contradição está na raiz de todas as crises econômicas. Para cada ciclo que se encerra o capitalismo tenta encontrar uma saída. A “civilização do automóvel”, o consumismo do estilo de vida estadunidense, a indústria da informática foram saídas desse tipo, bem como recentemente a especulação com empresas de internet ou com imóveis.

Ainda não despontou no horizonte a próxima aposta do capital para tentar contornar a crise. As alternativas estão cada vez mais escassas. Sem a novidade de um novo ramo da produção, a saída pode estar na pura e simples destruição. No limite, uma das formas de encontrar um consumidor capaz de realizar o capital é obrigando os Estados capitalistas a entrarem em guerra, mobilizando os meios de produção para a destruição e gerando a necessidade da reconstrução. É deste limite que estamos nos aproximando.

As ameaças no horizonte

O sistema capitalista carece de coordenação racional e centralização. Não há um “Estado mundial” do sistema do capital capaz de planejar seus passos. Por mais que a superpotência estadunidense se candidate a exercer esse papel, prevalece a existência de uma articulação hierárquico-conflitiva entre as diversas seções nacionais do capital global. As diversas burguesias nacionais (ou burocracias como a da China) perseguem seus próprios interesses particulares em aberta rivalidade entre si e com os Estados Unidos. O imperialismo europeu penetra na América Latina, a Rússia se volta para uma política nacionalista de grande potência, a China desponta com força no cenário geopolítico; tudo isso expressa a contradição entre um único sistema sócio-econômico mundial e a existência de diversos Estados nacionais enquanto estruturas de controle político.

Na última oportunidade em que o sistema se defrontou com dificuldades tão dramáticas, por ocasião da Grande Depressão da década de 1930, não houve política do Estado capaz de produzir uma recuperação por meios puramente econômicos. Ao contrário do que dizem os apologistas burgueses e repetem os desinformados (e os mal-intencionados) papagaios da esquerda reformista, não foram o “New Deal” rooseveltiano ou os sortilégios keynesianos que salvaram a economia capitalista naquela conjuntura. Depois do crash da bolsa de 1929, a economia dos Estados Unidos havia desabado novamente em 1938. O sistema só pôde sobreviver graças à destruição provocada pela II Guerra Mundial.

A destruição é essencial para a economia capitalista. A tendência irrefreável de centralização em direção à formação de grades monopólios e grandes impérios econômicos necessariamente aponta para a destruição dos concorrentes menores e mais fracos. É preciso destruir periodicamente grandes quantidades de vidas humanas, de recursos materiais, de fábricas, edifícios, infra-estrutura, forças produtivas, enfim, para que a acumulação de capital possa se reiniciar. A barbárie de Auschwitz e Hiroshima constitui exemplo indelével da loucura destrutiva a que o capitalismo pode precipitar a humanidade em nome da reprodução ampliada do valor.

Dentro da atual correlação de forças entre as potências imperialistas, a resolução dos conflitos em curso por meio de uma III Guerra Mundial é improvável devido à ameaça concreta de destruição mútua assegurada por arsenais nucleares e outras armas de destruição em massa largamente disseminadas. Entretanto, mesmo conflitos localizados, como uma invasão estadunidense ao Irã, trazem consigo o espectro de uma barbárie intolerável.

Ao invés de uma Guerra Mundial clássica entre grandes Estados imperialistas, está em gestação uma guerra mundial do capital contra os trabalhadores por meio de diversas formas como a “guerra ao terror”, a “guerra às drogas”, a satanização dos países do “eixo do mal” e de todo e qualquer movimento de resistência (doravante alcunhado de “terrorista”); e no plano interno, o renascimento da xenofobia e do neonazismo, a fascistização social, a repressão policial, a criminalização dos protestos e da luta social, as restrições às liberdades democráticas, a destruição dos instrumentos sindicais e políticos da classe trabalhadora, a perseguição aos ativistas, a censura à informação e o bloqueio ideológico contra o pensamento divergente.

A guerra é a alternativa para salvar o imperialismo estadunidense e o capitalismo como um todo. Cabe por sua vez aos trabalhadores lutar para construir uma outra forma de sociedade, livre das crises, das guerras, da miséria, das catástrofes ambientais, da degradação cultural e humana, que só pode ser uma sociedade socialista.

Daniel M. Delfino
Fevereiro 2009

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