28.12.11

As eleições e a alternativa socialista


O caráter da democracia burguesa

As eleições são o momento por excelência em que a burguesia tenta fazer com que os seus interesses de classe sejam vistos como interesses do “conjunto da sociedade”, mesmo que na verdade sejam contrários aos dos trabalhadores. Através da “festa da democracia”, a burguesia consegue legitimar perante os trabalhadores o nome dos gerentes de plantão que durante determinado mandato vão aplicar o programa de interesse do capital. Se todos têm o mesmo direito de voto, ricos e pobres, todos devem respeitar a opção da maioria em favor de um candidato, que assim adquire a condição de governar “em nome de todos”. Perpetuam-se as instituições do Estado burguês, o executivo, o legislativo, o judiciário, as forças armadas, os aparelhos ideológicos (escola, igreja, mídia, etc.), etc., cuja função essencial é defender a propriedade privada dos meios de produção, que torna os trabalhadores cada vez mais pobres e a burguesia cada vez mais rica.

No interior mesmo da democracia burguesa, quando os trabalhadores tentam defender suas reivindicações através de seus próprios métodos, como as greves, ocupações de terras, manifestações de rua, atos públicos, assembléias, debates, atividades culturais, etc., a burguesia usa de recursos “legais” para perseguir aqueles que se mobilizam, prendendo, demitindo, punindo, censurando, etc.; e também de métodos ilegais para reprimir as lutas dos trabalhadores, pois os seus serviçais, dentro e fora do Estado, podem impunemente matar, torturar, agredir, assediar, difamar os que se mobilizam, contando com a complacência da “justiça”. Ou seja, a democracia burguesa é uma ditadura de classe, pois apenas os interesses da classe dominante podem se manifestar.

A política da reação democrática

Além disso, quando as mobilizações dos trabalhadores adquirem também expressão eleitoral, através de partidos que conquistam espaço no parlamento e no Executivo, mesmo com programas limitados e reformistas, mas que ameacem minimamente a lucratividade do capital, a burguesia não hesita em derrubar esses governos via golpes de Estado e instalar uma ditadura sem disfarce para impor de forma nua e crua os seus interesses. A burguesia não tem o menor respeito pela democracia burguesa, ela apenas a utiliza para melhor iludir e reprimir os trabalhadores.

Desde as últimas décadas do século XX, ao invés dos golpes de Estado e das ditaduras sem disfarce, a classe dominante tem preferido governar através da democracia burguesa. A ditadura sem disfarce como forma de dominação pode funcionar num primeiro momento para esmagar a resistência, mas tem o inconveniente de atrair contra si a oposição geral, pois torna mais fácil para os trabalhadores identificar o inimigo. A ditadura através da democracia burguesa, ao contrário, conta com o respaldo geral, pois mesmo os trabalhadores, na ausência de uma alternativa classista e socialista construída nas lutas, tendem a enxergar em políticos oportunistas, burocráticos e reformistas o canal para suas reivindicações e para a melhoria de vida; e se tais elementos não são identificados como inimigos de classe, torna-se muito mais difícil organizar a luta. É o que se chama de “reação democrática”, ou seja, o uso pela burguesia de governantes eleitos nos quais os trabalhadores depositam suas esperanças para assim desviar, sufocar e impedir as lutas e a concretização das reivindicações que se chocam com a lucratividade do capital.

Se a burguesia não tem princípios ao romper com a suas próprias instituições quando lhe convém, os trabalhadores também não podem ter ilusões de que as conquistas no interior da democracia burguesa possam se manter por si próprias. Isso não quer dizer que não se deve defender e lutar para ampliar os direitos conquistados no interior do “Estado democrático de direito”, como o direito de voto, de associação, de recorrer à justiça, liberdade de expressão, etc., mas que se deve ter consciência de que esses direitos são sempre precários, podem ser desrespeitados ou revogados pela burguesia a qualquer momento, e somente a auto-organização e a luta consciente da classe por um projeto socialista podem de fato estabelecer uma gestão democrática da sociedade.

Todas as conquistas parciais dos trabalhadores no interior do capitalismo, tanto no plano político como social e econômico, tais como o valor dos salários, os direitos trabalhistas, direitos sociais, serviços públicos, etc., estão permanentemente sob a mira da burguesia, que faz de tudo para revogá-las. A todo momento surgem políticos, intelectuais, jornalistas, defendendo a retirada dessas conquistas, como forma de “fazer a economia voltar a crescer”, “melhorar a competitividade”, “reduzir o custo Brasil”, “atrair investidores”, etc., pretextos que encobrem a necessidade da burguesia de manter seus lucros às custas do aumento da exploração dos trabalhadores. A única garantia para a defesa da manutenção e a ampliação dessas conquistas é a mobilização e a luta.

A crise estrutural e a alternativa socialista

As últimas décadas do século XX marcaram também a emergência da crise estrutural do capital. Trata-se de um período em que as formas históricas usadas para conter a queda da taxa de lucro não mais funcionam. A burguesia precisa aprofundar cada vez mais os níveis de barbárie social para manter a acumulação do capital. Isso se verifica no aumento explosivo do desemprego, da devastação ambiental, das guerras, das políticas anti-sociais de retirada de direitos dos trabalhadores e desmonte dos serviços públicos, do endividamento, da especulação, etc. Nesse período histórico em particular torna-se ainda mais importante a consciência de que a manutenção das conquistas dos trabalhadores só poderá ser bem-sucedida se a luta defensiva encontrar formas de se converter em uma ofensiva pela destruição do capitalismo e construção do socialismo.

A vigência da crise estrutural não aboliu o caráter cíclico do modo de produção capitalista, ou seja, o fato de que este modo de produção alterna períodos de crescimento econômico e períodos de crise. Os períodos de crescimento são mais limitados, beneficiando setores mais restritos da burguesia e gerando uma quantidade menor de lucro, que se realiza sob formas mais artificiais e especulativas. E os períodos de crise são mais agudos, afetando um número maior de países e populações, e também mais difíceis de administrar.

A atual crise econômica, que se iniciou com a crise financeira de 2008, expôs de forma ainda mais dramática os problemas do capitalismo, manifestando-se como uma verdadeira crise societal, pois além do seu impacto econômico, um dos mais graves já sofridos pelo sistema, trouxe consigo a evidência da destruição ambiental, do comprometimento da matriz energética, da fome que afeta quase um bilhão de pessoas, de crescentes dificuldades para os projetos militares e políticos do imperialismo, de diversos níveis de barbárie social e cultural, em escala global.

O Brasil na crise e os planos da burguesia

A crise econômica e societal global continua se desenvolvendo. Ao longo de 2009 os governantes burgueses usaram trilhões de dólares para salvar os investimentos dos capitalistas e evitar momentaneamente o colapso do sistema. São os mesmos trilhões de dólares que não existem quando se trata de aplacar a miséria de bilhões de trabalhadores do mundo inteiro, que são condenados a viver no desemprego, no subemprego e na superexploração, recebendo salários de fome que não lhes permitem adquirir para si e suas famílias alimento, moradia, vestuário, etc.

Essa monstruosa hipocrisia ganhou um novo capítulo em 2010, pois os governos que se endividaram para salvar a burguesia da crise agora precisam cortar gastos para evitar o colapso financeiro do Estado. Isso significa aumentar impostos e cortar investimentos em serviços públicos, rebaixando salários dos servidores e precarizando os serviços, o que por sua vez resulta em retirar do conjunto da classe condições mínimas de saneamento, saúde, educação, transporte, lazer, cultura, etc. Esse é o projeto mundial da burguesia nesta fase da crise, que está sendo aplicado com particular violência na Europa, continente em que estão sob ataque conquistas de séculos de luta dos trabalhadores.

Apesar de os trabalhadores europeus estarem sendo mais atingidos neste momento, o Brasil não é exceção a esse cenário. Também no Brasil está se usando o Estado para salvar os negócios da burguesia, através de pacotes de ajuda de centenas de bilhões de reais. Também no Brasil a burguesia está cortando salários, retirando direitos e precarizando condições de trabalho, com a colaboração do movimento sindical governista e burocratizado. Além disso, há o arrocho sobre os servidores, o desmonte dos serviços públicos, a reduções das aposentadorias, medidas que jogam o custo da crise sobre o conjunto dos trabalhadores.

Por uma alternativa socialista dos trabalhadores

Essas medidas foram aplicadas pelo governo Lula, sob o pretexto de tirar o Brasil da crise. O imperialismo usou o Brasil como exemplo para o mundo de como enfrentar a crise e premiou Lula com a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Isso sinaliza o apoio da burguesia ao modo petista de governar, que se mostrou mais eficiente do que o tucano na gestão dos interesses do conjunto da burguesia. Todos lucraram durante o governo Lula: banqueiros, com os juros altos, latifundiários com a devastação da amazônia, industriais com o PAC, em empreendimentos também conjuntos com as transnacionais. Além disso, não foram incomodados por greves, pois o movimento sindical atrelado ao PT se encarregou de sabotar qualquer mobilização das categorias organizadas. E os gastos com os programas de bolsa-esmola vieram completar a desmobilização e a alienação geral da classe.

A política aplicada por Lula é a mesma que está sendo defendida pelas principais candidaturas burguesas, que são Serra, Dilma e Marina. Todos defendem a continuidade do capitalismo, a continuidade da exploração cotidiana dos trabalhadores, a continuidade da entrega do dinheiro do Estado à burguesia, do sucateamento dos serviços públicos, da devastação ambiental, da repressão, etc. As disputas entre os partidos burgueses, PT, PSDB e PV, não se referem ao projeto, que é o mesmo, mas ao controle do aparato do Estado, que garante aos grupos que estão no governo uma maior fatia da mais-valia social, que lhes cabe sob a forma de corrupção.

Contra esses partidos e seu projeto, é preciso levantar um projeto socialista dos trabalhadores. Um projeto em que a nossa classe se coloque como sujeito histórico e portadora de uma alternativa social contra a burguesia e a barbárie capitalista. Um projeto que transforme as forças produtivas sociais em instrumentos a serviço das necessidades humanas, de forma racional, equilibrada e sustentável. Um projeto de construção de homens e mulheres plenamente emancipados em todas as dimensões. É esse projeto que precisamos construir em conjunto com os trabalhadores, nas eleições e muito além delas, nas lutas e no dia a dia.

Daniel Menezes Delfino
18/07/2010

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