28.12.11

Democracia para quem, cara pálida?


Nas eleições presidenciais de 2010, os dois principais candidatos burgueses, Serra e Dilma, acusaram um ao outro de ser uma ameaça à democracia. Segundo Dilma, o candidato do PSDB colocaria em prática no governo uma gestão tecnocrática, voltada para os interesses do mercado e do capital internacional, impermeável ao diálogo com o povo, autoritário e repressivo no combate aos movimentos sociais. Segundo Serra, a candidata do PT lotearia os cargos do Estado aos partidos de sua base de sustentação política, distribuindo nomeações como forma de aprovar projetos e aparelhando as instituições em favor de grupos políticos notoriamente corruptos e oportunistas, em prejuízo da “gestão técnica”.

Ora, acontece que os dois têm razão. Tanto PT quanto PSDB são uma ameaça à democracia. Qualquer dos dois que vencesse constituiria um governo tecnocrático, autoritário e corrupto. Tal perfil de governo decorre de uma necessidade da burguesia de impor o seu projeto mediante uma gigantesca operação ideológica de construção do consenso, quando for possível, e mediante o uso da força, quando necessário. A democracia burguesa, nos seus aspectos de liberdades formais, direito à contestação, ao debate e à manifestação, está sendo paulatinamente revogada na prática pelos sucessivos governos burgueses, a ponto de imprimir ao Estado um perfil cada vez mais autoritário. A burguesia não pode admitir nenhum questionamento aos elementos centrais do seu projeto, que envolve a garantia do pagamento da dívida aos especuladores, as contra-reformas fiscal, previdenciária e trabalhista, a reestruturação do Estado, o arrocho sobre os funcionários públicos, o favorecimento ao mercado financeiro, o agronegócio, a construção civil, as montadoras e indústrias de bens de consumo.

Está em jogo uma grande operação política e sindical no sentido de construir-se a imagem de um país que caminha em direção ao futuro próspero e que para tanto é preciso apostar no desenvolvimentismo e na democracia burguesa. Esse projeto está sendo apresentado pelo PT a partir da perspectiva da exploração do Pré-Sal, do crescimento econômico conjuntural, do peso maior que o Brasil tem assumido no plano internacional. Porém tudo isso é apresentado condicionado ao interesse do capital. Ou seja, para que o país cresça, o capital tem que crescer. Como contrapartida, todos aqueles que se colocarem contra esse projeto, em qualquer de seus aspectos, enfrentarão a mais brutal repressão, a censura, campanhas midiáticas de difamação e descrédito, etc.

Os primeiros meses do governo Dilma vieram a comprovar exatamente isso. O cartão de visita foi a discussão sobre o reajuste do salário mínimo. O governo federal não recuou um milímetro sequer da sua proposta inicial de R$ 545 reais, a qual acabou se impondo, em nome da necessidade de preservar as finanças públicas (ou seja, o pagamento da dívida aos especuladores). De sua parte, as centrais sindicais que negociaram o valor do reajuste “em nome dos trabalhadores” e a quem caberia em tese encabeçar um processo de luta e mobilização, aceitaram o reajuste em troca de cargos nas diretorias das estatais, rifando os interesses dos trabalhadores em nome dos seus interesses burocráticos.

Essa operação de mistificação é necessária para legitimar um suposto “processo de negociação” puramente formal, quando na verdade tudo já estava decidido, e não havia qualquer possibilidade nem do governo alterar a proposta, nem das centrais encaminharem um processo de luta. Ao legitimar o processo de negociação, o Estado deslegitima a contestação. Os setores que se colocam contra os projetos do governo e ousam encabeçar qualquer processo de luta se deparam com a ausência de qualquer disposição real de diálogo e com a mais dura repressão.

Além disso, tem havido uma divisão de tarefas entre as instituições do regime, com os diferentes poderes se revezando e assumindo o papel de garantir a aplicação das medidas. Essa dinâmica tem se expressado em vários assuntos estratégicos da política nacional, em que o judiciário tem chamado para si legislar sobre assuntos em que, por diversas razões, não se consegue avançar no âmbito do parlamento. É o caso do direito de greve para o funcionalismo, a reforma política relativa ao processo eleitoral e medidas tributárias. Além de substituir o legislativo, o judiciário tem buscado até mesmo se sobrepor ao executivo, como no caso em que invocou para si o direito de decidir sobre a extradição do militante italiano Cesare Batistti, que já havia sido decidida pelo presidente da república (conforme suas atribuições legais), mas cuja decisão desagradou os representantes da linha mais à direita que predominam na suprema corte. Para alguns esse papel do judiciário de substituir o legislativo representa uma crise do regime, mas na verdade se trata de uma capacidade do regime de conjunto em distribuir tarefas e garantir a aprovação das medidas necessárias ao capital e o ataque aos trabalhadores.

O judiciário tem tido também um papel especial na criminalização dos movimentos sociais. Os processos de luta dos sem terra, sem teto, atingidos por barragens, indígenas, quilombolas, passe livre, greves, etc., tem sido tratados como caso de polícia, com a prisão de militantes, multas aos sindicatos, demissões e processos administrativos contra os ativistas, entre outras medidas repressivas. As operações de “pacificação” dos morros do Rio pelas UPPs (abrindo caminho para sua ocupação por milícias), a prisão de Gegê, líder dos sem-terra em São Paulo, a violenta repressão policial contra o movimento do passe livre também em São Paulo, em fevereiro, a prisão dos 13 manifestantes contra Obama no Rio (não se trata do tradicional “chá de cadeia” na delegacia, mas de enviar os manifestantes para uma penitenciária), o envio da Força de Segurança Nacional contra os grevistas da construção civil em Jirau – RO; são múltiplos exemplos do operativo de repressão contra as lutas acionado pelo Estado burguês para garantir, dentro de mecanismos “democráticos”, a aplicação da política do capital.

A classe trabalhadora precisa fortalecer seus instrumentos de luta, construir ações unitárias e avançar no processo de organização, para fazer frente a essa ofensiva anti-democrática, garantir os seus salários, direitos e condições de vida sob ataque e reconstruir a perspectiva da luta pela superação dessa sociedade e por uma verdadeira democracia, possível apenas sob o socialismo.

Daniel Menezes Delfino
27/03/2011

Nenhum comentário: