28.12.11

Obama X Osama e a política do espetáculo


O governo estadunidense anunciou no início de maio a morte de Osama Bin Laden, líder da rede terrorista Al Qaeda e considerado responsável pelos atentados de 11/09/2001, entre outros ataques. A execução teria ocorrido no Paquistão, onde o saudita estava foragido, por tropas de elite estadunidenses, depois de confronto com os guarda-costas do terrorista. Não foram divulgadas imagens do cadáver de Bin Laden, sob a alegação de que isso poderia desencadear atos de vingança de terroristas contra cidadãos estadunidenses pelo mundo. Entretanto, foram divulgadas imagens do presidente estadunidense Barack Obama no comando da operação que resultou na execução do inimigo nº1 dos Estados Unidos.

A exibição da imagem de Obama como responsável direto pela execução de Osama tem um objetivo político muito preciso, que é o de elevar a popularidade do presidente estadunidense, seriamente abalada pela situação econômica e social do país. As empresas voltaram à lucrar, mas a custa de brutal aumento da exploração dos trabalhadores. Desde a crise de 2008, a classe trabalhadora estadunidense vive um violento retrocesso nas suas condições de vida, com o desemprego ainda próximo aos 10%, queda nos salários e na renda dos trabalhadores, retirada de benefícios, execução de hipotecas e despejos, sucateamento da saúde e educação públicas, empobrecimento geral, piora drástica nos indicadores sociais, etc.

A popularidade de Obama estava tão baixa que a corrida pela sucessão presidencial em 2012 já se iniciou, com o anúncio da intenção do bilionário Donald Trump de concorrer como candidato pelo partido republicano. Trump é dono de prédios de escritórios, hotéis e cassinos, e ficou mundialmente famoso com o programa de TV “O Aprendiz”, em que tinha como bordão a frase “você está demitido!”, o que dá uma idéia do caráter do indivíduo de que estamos falando... A entrada de tal personagem na corrida presidencial se deu com a manobra mais rasteira e sensacionalista possível, a exigência de que Obama provasse ter nascido em território estadunidense, pois do contrário não poderia ter concorrido a presidente. Obama teve que vir a público apresentar a certidão de nascimento, mas isso não parece ter sido suficiente para contentar a platéia de Trump, daí a necessidade de exibir um troféu, que seria a morte de Osama.

Fica assim evidente que não foram os trabalhadores que Obama quis agradar, e sim os setores mais reacionários da população, o eleitorado republicano, que durante 8 anos respaldou a política de “guerra ao terror” de seu antecessor George Bush, composto pela pequena-burguesia branca, protestante, conservadora e provinciana dos estados do interior. O efeito do golpe publicitário foi imediato, pois as pesquisas de opinião seguintes mostraram um aumento de 11% na aprovação de Obama, que na enquete do New York Times e CBS saltou de 46% para 57% (Reuters, 04/05/2011).

Voltando para a questão das imagens, a alegação de que teria havido tiroteio no refúgio de Osama não resiste ao exame mais superficial. As cenas que foram divulgadas do suposto esconderijo não mostraram marcas de bala nem manchas de sangue nas paredes, mas mesmo assim bastaram para enganar o público em geral, leigo em questões militares. Para quem conhece o funcionamento do imperialismo estadunidense, é bastante razoável a suposição de que o paradeiro de Osama já era conhecido há bastante tempo, os Estados Unidos já sabiam de sua localização, já o tinham capturado ou mesmo morto, e a divulgação de sua morte obedeceu a um critério de pura conveniência política.

Do ponto de vista da política interna estadunidense e das vicissitudes da popularidade de Obama, o momento escolhido para divulgar a morte do inimigo faz algum sentido, mas não no que se refere à situação política internacional. Primeiramente, o anúncio dessa façanha demonstra o mais completo desrespeito pelas regras elementares da democracia que os Estados Unidos dizem defender. O mais correto seria levar Osama a julgamento pelos seus crimes, de preferência numa corte internacional, como forma pedagógica de dissuadir possíveis simpatizantes de seguir seu exemplo.

Mas os Estados Unidos não dão a menor importância para essas formalidades, pois nem sequer reconhecem as corte internacionais. Não o fazem pois, do contrário teriam que admitir que seus militares e agentes de inteligência fossem julgados pelos crimes que cometem diariamente, vide as revelações do Wikileaks. Os Estados Unidos nem sequer se envergonham em admitir que Osama foi morto no Paquistão, ou seja, admitem abertamente que violaram a soberania de um outro país para perseguir seus inimigos. Mais grave até do que isso, admitem que a informação sobre o paradeiro de Osama foi obtida por meio de tortura, tal como se denuncia corriqueiramente sobre o que se passa nas prisões ilegais em Guantánamo e outras localidades.

Além de confessar o mais completo desprezo pelas normas do direito, da legalidade e da democracia que os Estados Unidos cinicamente dizem defender, o anúncio da morte de Osama não tem também nenhum efeito importante no que se refere a influenciar a situação política dos países do Oriente Médio e norte da África. Isso porque a influência da Al Qaeda, do terrorismo e do fundamentalismo islâmico em geral já não é mais nem uma sombra do que foi em outros momentos.

No início de 2011, o Oriente Médio e norte da África estão sendo abalados por uma onda de revoluções democráticas, que estão sacudindo e derrubando governos subservientes aos Estados Unidos em vários países. Governantes que se mantinham no poder há décadas, graças ao terror de estado, leis de exceção, repressão e autoritarismo, que praticavam a mais aberta corrupção e saque de seus povos, estão sendo questionados e derrubados por multitudinárias manifestações. Trata-se da maior e mais radical mobilização social das últimas décadas no mundo, num processo complexo, que ainda está em aberto e se manifesta com uma série de desigualdades entre os diversos países.

Mas a questão política mais importante é que o que está por trás desse processo de mobilização não é o fundamentalismo islâmico, nem o terrorismo, nem muito menos a Al Qaeda e Bin Laden. Não foram essas forças que derrubaram Ben Ali na Tunísia nem Mubarak no Egito e que estão impulsionando as mobilizações nos demais países. A influência política dessas correntes no processo foi completamente marginal. O que determinou a queda dos odiados ditadores foi a mobilização dos trabalhadores, da juventude e da população em geral. Não foram os líderes fundamentalistas e os terroristas que levaram as massas populares às ruas.

O Oriente Médio e norte da África abrigam populações com uma imensa porcentagem de jovens abaixo dos 30 anos, que vai da metade a dois terços em vários países, com uma taxa de desemprego altíssima, especialmente nessa faixa etária, e que enfrentam uma violenta deterioração nas suas condições de vida devido à inflação, que se manifesta especialmente no aumento do preço dos alimentos. Essa mistura de populações majoritariamente jovens e sem perspectivas em países extremamente pobres, atingidos pela carestia e pela crise, governados por dirigentes corruptos e autoritários, é o que explica o processo de revolução democrática em curso. Esse processo está inclusive se espalhando para os países ainda mais pobres da África subsaariana, em vários dos quais já vive-se uma situação de conflagração social quase aberta.

Trata-se, no fundo, de conseqüências econômicas, sociais e políticas da crise mundial iniciada em 2008. Contra essas conseqüências, os Estados Unidos, com seu poderio militar e midiático, ainda não tem o controle total. Ao matar Osama, os Estados Unidos chutaram um cachorro morto. Osama e o terrorismo já estavam politicamente derrotados e já haviam perdido a expressão há muito tempo. Para o azar do imperialismo e para sorte dos trabalhadores, as mobilizações prosseguem e se espalham, e não têm Bin Laden e o terrorismo como inspiração.

O que ainda está ausente é a consciência da necessidade de lutar não apenas contra os ditadores de plantão, mas contra o sistema capitalista que eles defendem e seus amos internacionais, como os Estados Unidos. O surgimento dessa consciência e de organizações que defendam um programa socialista entre os trabalhadores é uma possibilidade que surge na própria luta, e que, caso se manifeste, não será evitada por golpes publicitários.

Daniel Menezes Delfino
07/05/2011

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