5.11.15

A tragédia da Revolução Espanhola - 1931 - 1939



A Revolução Espanhola foi a última revolução anticapitalista no continente europeu. Depois das derrotas dos processos revolucionários na Alemanha (1919 e 1923), Italia (1920) e Hungria (1920), a revolução socialista ficou confinada nos limites da União Soviética. Dentro da URSS, porém, uma contra revolução burocrática, que se consolidou na década de 1930, liquidou quase todas as conquistas sociais e políticas da grande revolução de 1917, estabelecendo um novo modo de exploração, sob controle da burocracia stalinista, praticamente tão brutal quanto o capitalismo.
Isso acontecia no momento em que o capitalismo enfrentava a crise mais séria de toda a sua história, iniciada com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929 e que se prolongou ao longo da década de 1930 com o nome de Grande Depressão. Um dos subprodutos da crise foi a ascensão do regime nazista na Alemanha (1933), seguindo o exemplo do fascismo italiano (Mussolini chegou ao poder em 1922), uma forma brutal de regime político que garantiu a imposição das demandas do grande capital e a destruição das organizações operárias. A consequência final da crise seria a II Guerra Mundial.

Antecedentes da Revolução Espanhola
Foi nesse cenário sombrio do início dos anos 1930 que começou a Revolução Espanhola, como uma revolução democrática e burguesa em 1931. A revolução derruba a monarquia, separa Igreja e Estado, concede direitos e autonomia às nacionalidades, entre outras tarefas básicas que na Espanha estavam atrasadas.
A Espanha atravessou o século XIX numa longa decadência, depois da perda do império colonial nas primeiras décadas do século, com a independência dos países da América Latina, que passaram imediatamente para a órbita de influência britânica. Em 1898 foi-se a última dessas colônias, quando Cuba foi virtualmente anexada pelos Estados Unidos depois da guerra de independência. A decadência do império ultramarino espanhol tornou mais evidente a pobreza e a mediocridade do país. A Espanha vivia sob o peso de uma monarquia carcomida e uma sufocante influência da Igreja Católica.
As instituições mais reacionárias da Igreja, como a Inquisição, a Companhia de Jesus e a Opus Dei alcançaram seu máximo poder no país ibérico. Não foi à toa que o anticlericalismo e o ateísmo se tornaram os mais avançados distintivos de radicalidade e oposicionismo, e se desenvolveram mais na esquerda espanhola do que em qualquer outro país europeu. O Papa Bento XVI, membro da juventude hitlerista na adolescência, fez questão de canonizar dezenas de “mártires” da fé católica. Trata-se de padres e freiras que colaboraram com os fascistas espanhois, denunciando e entregando à morte os anarquistas e socialistas em várias aldeias e cidades, prova do seu papel reacionário e anti popular. Esses traidores e delatores, hoje “santificados”, foram devidamente executados pelos revolucionários.
O governo republicano instalado em 1931 era altamente instável, já que seria incapaz de atender as demandas dos operários e camponeses e ao mesmo tempo manter a propriedade privada capitalista. Desde o início a Igreja, setores das Forças Armadas, latifundiários e grandes empresários começaram as articulações para preparar um golpe fascista. A luta de classes se polarizava com um forte ascenso operário. Já em 1934 havia sido proclamada uma Comuna na região das Astúrias, no norte do país, como resultado de um acordo entre a Confederação Nacional do Trabalho (CNT), controlada pelos anarquistas, e o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). A Comuna foi reprimida pelo governo, mas abriu caminho para a colaboração entre socialistas e anarquistas.

A estratégia stalinista da Frente Popular
A Revolução Espanhola estava inserida no contexto da luta de classes internacional. A direção do movimento revolucionário internacional estava sob controle da Internacional Comunista (IC) sediada em Moscou e já convertida em instrumento do stalinismo. A prioridade da IC era a defesa do regime burocrático stalinista e não a luta pela revolução internacional. Sendo assim, as seções locais da IC, os Partidos Comunistas (PCs), deveriam funcionar como órgãos a serviço da diplomacia stalinista e não da revolução em cada país. A ascensão de Hitler em 1933 levou Stalin a buscar acordos com as potências imperialistas como França e Inglaterra para que o ajudassem a se defender da Alemanha. Isso resultou na política das Frentes Populares, que era a colaboração de classes entre os PCs de cada país e a “ala esquerda” e democrática das burguesias nacionais.
A Frente Popular composta pela esquerda republicana burguesa, pelo PSOE, pelo PC espanhol e pelos anarquistas venceu as eleições em 1936. Quase imediatamente, foi deflagrado um golpe para derrubar o novo governo, sob comando do general Franco, liderando parte das Forças Armadas em um movimento fascista que abrigava toda a direita e foi chamado de “Falange”.

A guerra civil e a derrota da Revolução
O golpe fascista transformou a Revolução em uma guerra civil entre os republicanos e os falangistas. A Revolução Espanhola foi uma causa que unificou e motivou toda a esquerda mundial. Milhares de voluntários de vários continentes se incorporaram nas milícias republicanas formadas para combater as forças do general Franco. A guerra civil espanhola é universalmente considerada, e com razão, uma espécie de laboratório para a II Guerra Mundial, que estava por vir. De um lado estavam as brigadas internacionais, os voluntários da esquerda mundial. De outro lado, Hitler e Mussolini enviaram sua força aérea, seus tanques e artilharia para serem testados na Espanha. O resultado mais célebre de um desses “testes” foi o bombardeio da cidade basca de Guernica. A barbárie da guerra foi eternizada na célebre pintura de Picasso, que leva o nome dessa cidade e retrata a sua destruição, tendo se tornado imagem icônica do século XX.
Além da desproporção de forças provocada pelo apoio da Alemanha e da Italia às tropas franquistas (em comparação com a omissão dos países “democráticos” como Inglaterra e França, que deixaram a república espanhola ser massacrada), a revolução espanhola foi derrotada também por suas debilidades internas, entre as quais principalmente o problema da direção política e do projeto de sociedade.
A estratégia da Frente Popular foi duramente criticada por Trotsky, que insistia na necessidade da independência de classe e do internacionalismo. O setor mais avançado da esquerda espanhola, o Partido Operario de Unificação Marxista (POUM), liderado por Andres Nin e baseado no operariado da Catalunha, aderiu ao programa da Frente Popular, o que liquidou as chances de vitória da Revolução. Nin, que tinha anteriormente relações de proximidade com Trotsky, foi convencido pelo argumento de que a prioridade era a luta contra o fascismo e para isso era necessária a aliança com a burguesia republicana, o que transformou o POUM em ala esquerda da Frente Popular, ao lado do PSOE e do PC stalinista.
Trotsky defendia uma política de independência de classe e avanço da revolução, ao invés de conciliação com a burguesia, e por isso rompeu relações com Nin. Essa era de fato a única chance de vitória. Em várias regiões os operários ocupavam as fábricas e os camponeses expropriavam as terras. Uma das características da Revolução Espanhola foi a tentativa de enfrentar não apenas dominação política e econômica, mas a ruptura de várias cadeias de alienação, com a ampla participação de mulheres, artistas e intelectuais. Uma das figuras célebres da Revolução foi Dolores Ibarruri, a Passionaria, cujos discursos e comícios incendiavam os militantes.
Esse processo altamente progressivo foi suspenso por suas próprias lideranças, os anarquistas da CNT e os socialistas do PSOE, PC e POUM, em nome da aliança com a burguesia. As forças do governo republicano se aproveitaram da paralisação do processo revolucionário para desarmar as milícias populares em Barcelona e dissolver os conselhos operários. As forças do PC cometaram o requinte da traição de perseguir os trotskistas e dissidentes, enquanto os fascistas avançavam pelo país. A divisão das forças revolucionárias na Espanha foi uma das grandes tragédias do século XX, tendo levado a uma dolorosa derrota. Franco venceu a guerra civil e encerrou a Revolução em 1939.

Da ditadura de Franco à volta das lutas
Depois da guerra civil a Espanha estava devastada, a ponto de não tomar parte na II Guerra Mundial. A vitória de Franco estabeleceu uma ditadura feroz, que sobreviveu por várias décadas, até a morte do tirano em 1975. A ditadura franquista congelou o atraso espanhol, da mesma forma como a ditadura de Salazar fez com Portugal, tornando-os uma espécie de países mortos ao longo de boa parte do século.
A resistência contra a ditadura teve como um dos seus eixos a questão das nacionalidades oprimidas, como a Catalunha, o País Basco e a Galiza, que possuem idiomas, tradições e culturas próprias, todas pisoteadas por Franco. O grupo separatista basco ETA se tornou célebre como uma das principais organizações da luta armada no século XX, ao lado do IRA irlandês e da OLP palestina. Um atentado do ETA executou Luis Carrero Blanco, peça chave do regime e apontado como o sucessor de Franco, em 1973, enfraquecendo mortalmente a ditadura.
Com a morte do ditador, o país retornou ao seio das nações “democráticas”, restabelecendo a monarquia, agora sob regime parlamentarista. Por alguns anos, parecia que a incorporação do país à União Europeia traria a prosperidade e o esquecimento definitivo do pesadelo da era franquista. Essa prosperidade tinha pés de barro, como logo se revelou. Em poucos anos, o livre mercado transformou a Espanha em uma colônia do imperialismo alemão, uma das retumbantes histórias de fracasso da União Europeia, ao lado de Portugal e Grecia. A Espanha ostenta hoje os maiores índices de desemprego da UE, com taxa de 27%, em especial entre os jovens (50% de desemprego).
Não é à toa que os jovens espanhois foram os primeiros na Europa a seguir o exemplo dos seus irmãos árabes, deflagrando o movimento dos Indignados em 2011. Depois de muitas décadas, os mineiros das Astúrias (lembrando o exemplo de seus avos em 1934) voltaram a fazer greve e ocuparam as ruas de Madrid em 2012, contra os planos de austeridade e o desemprego que os acompanha, pressagiando a volta das lutas da classe operária organizada. As primeiras brisas do que pode vir a se tornar um vendaval revolucionário começam a soprar novamente no país ibérico.

Daniel M. Delfino
Julho 2014


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