5.11.15

As eleições e a luta pela reconstrução da alternativa socialista


O Estado burguês e as eleições
O Estado burguês é o Estado da classe dominante no sistema capitalista, a classe dos proprietários dos meios de produção, os banqueiros, industriais, latifundiários, empreiteiros, etc. Esse Estado jamais será favorável aos trabalhadores nem muito menos será instrumento para uma transformação anticapitalista. Ao contrário, ele existe para amortecer as contradições de classe, para criar a ilusão de que representa toda a sociedade, quando na verdade seu papel é o de garantir a continuidade das relações capitalistas, ou seja, da extração de trabalho não pago, da mais valia que é roubada cotidianamente de todos os trabalhadores, e das diversas formas de opressão.
Para garantir a continuidade da exploração, o Estado burguês pode assumir diversas formas, como a monarquia, a teocracia, a ditadura fascista ou a democracia representativa. Conforme as necessidades do momento histórico, o Estado burguês pode ser mais autoritário ou até se apresentar como democrático na aparência. Mas em todas essas formas, o Estado burguês mantém a sua essência, ele é a ditadura de uma classe social sobre as demais. É para garantir os interesses dos capitalistas que trabalham todas as suas instituições, o executivo, o legislativo, o judiciário, as forças armadas, as leis, etc.
No Brasil estamos em um regime que chamamos de democracia burguesa, que em essência é uma ditadura da burguesia contra os trabalhadores, ou seja, só na aparência é democrática. Caracterização fundamental para a definição do posicionamento tático no processo eleitoral.

A crise estrutural do capitalismo e a crise da alternativa socialista
No período atual de crise estrutural do sistema do capital, é ainda mais difícil arrancar melhorias em favor dos trabalhadores. Ao contrário, o papel dos gestores do Estado burguês é aplicar as políticas necessárias à sobrevivência do capitalismo, impondo a retirada de direitos, o sucateamento dos serviços públicos, o arrocho salarial, o pagamento da dívida pública, tudo em nome das necessidades do mercado.
Por mais bem intencionado que seja, qualquer ocupante dos cargos de direção (Presidente, governador ou prefeito) do Estado burguês terá que cumprir essa política ou será derrubado pela burguesia. Muitas pessoas fazem críticas aos políticos eleitos como se o que fazem ou deixam de fazer dependesse só da vontade deles. Mas a própria lógica do poder na sociedade capitalista impede que, mesmo que houvesse uma atuação bem aguerrida de representantes dos trabalhadores no parlamento, isso trouxesse mudanças na nossa vida por essa via. Por isso não faz nenhum sentido a esquerda organizar uma campanha se apresentando como “o melhor candidato”, como se o problema do parlamento fosse não ter deputado ou senador de esquerda. A história já demonstrou que só a classe trabalhadora em luta e organizada pode de fato obter conquistas duradouras.
Ao mesmo tempo em que o sistema do capital convive com uma crise estrutural que o obriga a ser mais agressivo, o seu antagonista histórico, a classe trabalhadora, convive há várias décadas com uma crise da alternativa socialista. Os trabalhadores muitas vezes se colocam em luta contra as consequências das crises capitalistas, o desemprego, a carestia, a corrupção, etc., fazem greves, manifestações, ocupações, chegam até a derrubar governos em alguns países, mas, devido à ausência de uma consciência de classe e socialista, essas lutas muitas vezes param no meio do caminho. Sem uma perspectiva socialista, de negação do capitalismo e seu Estado, as lutas acabam sendo desviadas para a eleição de novos governantes, que mudam a aparência das coisas, mas mantém o essencial das relações capitalistas.

A crise de alternativas no Brasil pós-PT e pós-junho
No Brasil o PT desviou o importante processo de lutas que se deu no final da ditadura militar e ao longo da década de 1980 para um projeto de administração do Estado burguês. Essa trajetória resultou na acomodação à gestão do capitalismo, com uma sequência de três governos rigorosamente neoliberais. Lula e Dilma favoreceram os setores mais poderosos do capitalismo no Brasil, os bancos, o agronegócio, as empreiteiras, garantiram o pagamento da dívida (pouco mais de 40% do orçamento ou mais ou menos R$ 1 trilhão só neste ano) aos especuladores, deram continuidade às privatizações, reprimiram greves, manifestações e movimentos sociais; e mantiveram sua popularidade graças a programas assistenciais (um gasto muito menor que a dívida, apenas R$ 24,6 bilhões em 2014 para o Bolsa Família, que está longe de enfrentar as causas estruturais da miséria, o que mostra as reais prioridades desses governos).
O curso anterior do PT até chegar ao controle do Estado burguês e as três gestões petistas foram um desastre em termos de despolitização dos trabalhadores. O discurso das reformas sociais das primeiras décadas do partido foi substituído pela apologia da prosperidade da era Lula, prosperidade que depois se provou ilusória. A resposta dos capitalistas brasileiros à crise mundial de 2008, com um aumento da exploração nos locais de trabalho, o aumento do endividamento dos trabalhadores que manteve a economia funcionando, a deterioração dos serviços públicos devido ao desvio de dinheiro do governo para os capitalistas; tudo isso gerou uma insatisfação que se acumulou gradativamente.
Em 2013 essa insatisfação veio à tona na forma de uma onda de manifestações, que começou com uma luta contra o aumento das passagens e terminou com milhões de pessoas nas ruas expondo uma série de demandas, como a educação, a saúde, a mobilidade urbana, a indignação com a corrupção e os gastos com a Copa, o repúdio aos partidos e instituições, etc.
Infelizmente, devido à despolitização geral reinante e a própria ação dos governos e da burguesia de conjunto para “abafar” esse processo, essa insatisfação não resultou em um questionamento mais profundo do sistema capitalista e sua lógica, mas parou na rejeição ao PT e e sua corrupção, e aos demais partidos em menor escala. Mas ficou um sentimento de que é necessário mudar as coisas, sentimento do qual Marina tenta se apropriar para aparecer como a “novidade”.

As eleições 2014: os demais candidatos do capital
É nesse cenário de despolitização e crise da alternativa socialista que a insatisfação com os governos do PT (que também atinge o PSDB e outros partidos) acabou sendo desviada para uma candidatura improvisada da direita, a de Marina Silva (ver artigo nesta edição), que se esforça para aparecer como uma alternativa, como algo “novo”. A burguesia como um todo ainda não a apoia, mas essa candidatura não oferece nenhum risco para a classe dominate, pois a mudança que ela propõe é “mudar para continuar como está”.
Trata-se, mais uma vez, do clássico mecanismo de reciclar os ocupantes dos cargos de direção do Estado burguês para que o próximo governo aplique as medidas necessárias aos capitalistas com o respaldo e legitimidade das urnas.
Da candidatura de Aécio não é preciso dizer muito. O PSDB é o partido responsável por implementar as principais reformas (privatização, reeleição, primeira reforma da previdência) do Estado, abrindo as portas do país para o capital internacional e financeiro.
Como se não bastasse os partidos da legalidade se esforçando para desviar os descontentamentos para a institucionalidade, o TSE, para reforçar esse operativo, comparece com a campanha #vempraurna, reiterando a ideia de que o voto é o caminho para se obter melhorias.
Diante desse operativo, do momento histórico que vivemos, e da crise de alternativas socialistas, os revolucionários devem negar frontalmente o “#vempraurna” do TSE, da mídia e dos partidos burgueses e chamar os trabalhadores a ir às ruas para lutar por suas demandas.
O Estado burguês, como dissemos, jamais será instrumento para mudanças favoráveis aos trabalhadores, ele pode apenas fazer concessões, mas só quando for forçado a isso pela mobilização dos trabalhadores. É sempre a luta que garante conquistas: só a luta muda a vida!

As eleições 2014: os candidatos da esquerda
Nestas eleições também há os partidos que se reivindicam de esquerda e socialistas, PSOL, PSTU, PCB e PCO. Se de um lado não defendem o Estado capitalista e nem as políticas de arrocho e exploração dos trabalhadores, de outro – pelo menos até esse momento - não se propuseram a construir conjuntamente um programa para discutir com os trabalhadores as verdadeiras causas dos problemas que enfrentamos.
As campanhas desses partidos apresentam diversos problemas. Em alguns Estados mesmo com problemas graves como o PSOL receber dinheiro de empresas (Rio Grande do Sul) ou candidaturas recebendo apoio de partidos de direita (Heloísa Helena recebendo apoio do PSDB), o PSTU não rompeu com a frente (se limitou a denunciar o PSOL no RS e a Heloisa Helena em Alagoas). Há ainda outros problemas como o fato de que o principal candidato a deputado do PSTU em São Paulo tem um lema (a voz do povo no congresso) bem rebaixado e despolitizado.
Já o PCO, em que pese ter um discurso na campanha mais à esquerda que o do PSTU, tem atuado no movimento sindical como a quinta coluna da Articulação e do PT. O PCB, comparece com um programa melhor elaborado, mas tem pouquíssima inserção nas lutas dos trabalhadores, trabalha com uma teoria de raiz stalinista de “poder popular”, e no 2º turno em 2010 chamou voto em Dilma.
A negação da forma de representação do Estado burguês poderia ser feita por candidaturas operárias, que existem no PSOL, PSTU, PCB e PCO. Entretanto, esses partidos não se habilitaram a cumprir esse papel por não ter realizado uma disputa ideológica a fundo junto aos trabalhadores em defesa do socialismo (em geral a atividade rotineira dessas organizações se limita à disputa de aparatos sindicais e estudantis), não ter construído a unidade em um Fórum Nacional de Lutas que apresentasse uma alternativa dos trabalhadores após as manifestações de junho, e, como consequência de tudo isso, sequer ter construído uma candidatura unitária nas eleições.

Nessas eleições: Voto nulo. Nos locais de trabalho e estudo: seguir lutando
Na ausência dessas condições, a participação dos partidos operários nas eleições, ao invés de servir para reforçar a luta por um programa dos trabalhadores, acaba por se diluir na vala comum dos demais partidos burgueses, sem se distinguir claramente.
Em qualquer situação, a falta de unidade da esquerda é um problema para a luta dos trabalhadores. Sem unidade na luta, fica difícil construir um projeto político dos trabalhadores, que possa ter expressão nas eleições. Sem esse projeto, a falta de unidade nas eleições, torna o problema ainda maior, pois faz parecer que os partidos operários são iguais a qualquer partido burguês, participam do processo apenas para disputar votos. Desaparece no circo geral da propaganda eleitoral a distinção de classe entre partidos operários e partidos burgueses. Ao invés de colaborar para o enfrentamento ao sistema e seus pressupostos ideológicos, essa participação fragmentada e rebaixada acaba referendando e reforçando a democracia burguesa.
Diante disso, entendemos que a opção que melhor expressa a rejeição às falsas alternativas burguesas é o voto nulo, e fazemos o chamado aos trabalhadores para seguirmos lutando pelas nossas demandas, construindo a unidade com os lutadores que estão dentro ou fora dos partidos operários, contra o próximo governo burguês, qualquer que seja ele, contra o capitalismo e pelo socialismo.
Impulsionamos a campanha pelo voto nulo (ao contrário dos anarquistas, que a tratam como uma estratégia permanente para qualquer momento, e daqueles que a defendem por “desinteresse” na política), essencialmente por conta dos limites – expostos acima - das campanhas dos partidos de esquerda e também como forma de ajudar a classe trabalhadora a compreender que não se deve confiar nas formas de representação burguesas e que só a sua organização e a luta direta podem conquistar as reivindicações das jornadas de junho.

Daniel M. Delfino

Setembro 2014

Nenhum comentário: