4.11.15

"Elysium", uma alegoria da mundialização


O diretor sul-africano Neill Blomkamp iniciou sua carreira no Canadá e Estados Unidos, e depois de alguns trabalhos iniciais, lançou em 2009 o excelente longa metragem “Distrito 9”, uma alegoria do regime do Apartheid que vigorou décadas atrás em seu país natal. O filme foi mundialmente aclamado e mostrou como a ficção científica pode abordar questões sociais com altas doses de inteligência e ação.
Agora em 2013, Blomkamp retorna com “Elysium”, uma produção estadunidense, mas de temática tipicamente mundializada e um forte conteúdo de crítica social, que não prejudica suas qualidades como entretenimento. O elenco conta com astros hollywoodianos consagrados como Matt Damon e Jodie Foster, os brasileiros Wagner Moura e Alice Braga, e Sharlto Copley, compatriota e parceiro do diretor em Distrito 9.
O título do filme é o nome em inglês dos Campos Elísios, a morada das almas bem aventuradas da mitologia greco romana. No filme, situado no ano 2159, Elysium é o nome de uma estação espacial em que os bilionários se exilaram, levando uma vida paradisíaca na órbita da Terra. Os 99,9999% de terráqueos restantes vivem numa gigantesca favela, convivendo com a violência, o lixo, a poluição, doenças, etc. Os habitantes da Terra trabalham em fábricas insalubres, em ritmos dignos do século XIX, para fabricar robôs, que são os mesmos que fazem a função de polícia, cometendo toda espécie de abusos e arbitrariedade para manter esse subproletariado sob um controle brutal.
O acesso a Elysium está bloqueado para os que não são cidadãos e as naves não autorizadas são caçadas no espaço pelo serviço de segurança da estação, chefiado por uma dirigente fascista. Não obstante o risco de serem detidos pela defesa do Elysium, os habitantes da Terra insistem em realizar viagens à estação orbital. Seu maior objetivo é ter acesso aos ultra modernos equipamentos médicos de uso exclusivo dos cidadãos, capazes de regenerar quase instantaneamente os estragos de qualquer doença ou lesão, tornando os seus possuidores virtualmente imortais. Contrabandistas vendem o acesso a esses vôos não autorizados, dos quais apenas uma minúscula fração consegue pousar.
A dirigente da segurança tem como projeto simplesmente explodir os transgressores, para dar uma lição nos contrabandistas e por fim a essas tentativas. O restante do governo do Elysium é contra a detonação sumária de viajantes ilegais, preferindo apenas deportá-los de volta para a Terra. Para por fim a essa hipocrisia, a segurança aplicará um golpe, contando com a assistência de agentes atuando de forma ilegal na Terra. Enquanto isso, o protagonista do filme, associando-se aos contrabandistas, será obrigado a tentar a viagem para o Elysium como única forma de sobreviver a um acidente de trabalho que o expôs a contaminação por radiação.
Com essa trama, o filme expõe algumas das situações típicas da mundialização capitalista, o abismo entre as populações de ricos e pobres, e a crescente violência contra imigrantes que tentam chegar às regiões onde esperam encontrar trabalho e melhores condições de vida. O acesso à saúde é uma questão chave para bilhões de pessoas, tanto assim que uma acirrada disputa política foi travada nos Estados Unidos em torno do tamanho e do ritmo dos cortes no orçamento da assistência destinada aos pobres. A mesma disputa está representada no filme, entre um setor de direita, que mantém a separação abissal entre os terráqueos e os habitantes do Elysium, mas com alguns pudores humanitários hipócritas; e um setor de ultra direita, que quer simplesmente explodir os trabalhadores que tentam chegar ao seu paraíso.
Da mesma forma, tivemos no intervalo de poucos meses duas tragédias envolvendo a tentativa de imigrantes africanos de chegar na Europa, que custaram centenas de vidas. Uma se deu por naufrágio próximo da Itália, e outra por falta d'água no deserto do Saara, depois que os caminhões dos contrabandistas falharam no mar de dunas, antes ainda de chegar às margens do Mediterrâneo. O lançamento do filme se deu nesse mesmo intervalo.
A obra cinematográfica não foi feita evidentemente para conscientizar as platéias das iniquidades do capitalismo. Ainda assim, ela as retrata com nitidez exemplar. Ao contrário porém das soluções hollywoodianas, em que um punhado de heróis (mesmo que agora com rostos terceiromundistas) reverte as injustiças por meio de uma reprogramação dos sistemas, será preciso uma revolução socialista para superar as misérias e barbáries do capitalismo.
Toda a imensa riqueza em ciência e tecnologia hoje disponível, que seria capaz de proporcionar um modo de vida confortável para toda a humanidade (senão no nível do Elysium, mas muito próximo disso) e com um mínimo de esforço para todos, precisa ser expropriada dos grilhões da propriedade privada capitalista e submetida a uso coletivo e racional. Isso só pode ser feito por meio da ação coletiva, consciente e organizada dos trabalhadores, contra o Estado, seus agentes e suas mistificações ideológicas.

Daniel M. Delfino
Novembro 2013





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