3.11.15

Os rumos do sindicalismo no Brasil



Origem dos sindicatos
Os sindicatos surgiram no século XIX como uma forma espontânea de defesa dos trabalhadores contra os abusos da classe patronal. Na época as jornadas de trabalho diárias chegavam a 14 horas, os salários eram de fome, mulheres e crianças trabalhavam como os homens e eram submetidas a todo tipo de abuso, não havia seguro contra acidentes de trabalho, doenças ou invalidez, não havia aposentadoria, etc. Os trabalhadores se revoltavam contra essas condições abusivas e paravam a produção, obrigando os patrões a negociar. Essa união do trabalhadores para a luta coletiva é o que deu origem aos sindicatos (em inglês os sindicatos se chamam “unions”).
Entretanto, ainda no século XIX Karl Marx havia apontado o caráter contraditório dos sindicatos. De um lado são um instrumento importante da luta dos trabalhadores, pois surgiram de sua organização espontânea e pela sua força tiveram que ser reconhecidos pelos patrões e pelo Estado. De outro lado, porém, a luta sindical acaba tendo como limite a luta por maiores salários e melhores condições de trabalho, o que significa na prática a conquista de um preço melhor para a venda da força de trabalho, e assim, a manutenção da relação de trabalho assalariado. Segundo Marx a verdadeira emancipação dos trabalhadores seria na verdade o fim do trabalho assalariado.
Isso só seria possível com uma revolução que pusesse fim ao capitalismo e levasse à construção do socialismo, um tipo de sociedade em que os trabalhadores teriam o controle total sobre a produção e o poder de decidir coletivamente o que produzir, como produzir, em que quantidade, etc. A sociedade daria a cada um segundo a sua necessidade e pediria de cada um conforme a sua capacidade. A participação dos militantes marxistas nos sindicatos somente se justifica então como uma forma de fazer os trabalhadores irem além da luta meramente sindical (salarial) e avançarem na luta pelo socialismo.

Os sindicatos no Brasil
Os primeiros sindicatos no Brasil foram fundados entre fins do século XIX e início do XX por trabalhadores imigrantes espanhóis e italianos, trazidos para as primeiras indústrias. Isso porque os industriais da época não contratavam trabalhadores negros, nordestinos e brasileiros pobres, que tinham sua própria e longa história de resistência e luta. Esses militantes estrangeiros que construíram os primeiros sindicatos eram em sua maioria anarquistas. Rejeitavam a negociação com o Estado e buscavam fazer com que os trabalhadores fossem completamente independentes. Além de organizar as greves e demais lutas, criavam caixas de assistência para os doentes, inválidos e idosos, publicavam jornais, montavam bibliotecas e associações culturais, etc.
Essa fase do sindicalismo classista e independente terminou na década de 1930, quando o governo Vargas reprimiu as lutas operárias e perseguiu os militantes. Além disso, editaram-se leis criando a estrutura sindical que vigora até hoje no país. Os sindicatos são obrigados a se registrar no ministério do trabalho para ser reconhecidos nas negociações salariais. Cria-se a lei de greve, que obriga os sindicatos a notificar os patrões com antecedência, para que a greve seja julgada legal na Justiça do Trabalho, também criada nessa época. Proíbe-se a existência de mais de um sindicato da mesma categoria num mesmo município (unicidade sindical). O governo passa a cobrar o imposto sindical, que é descontado de todos os trabalhadores do país, independentemente de serem sindicalizados ou não, e o valor é repassado para os sindicatos, o que dá margem para a existência de uma camada de burocratas sindicais que se sustentam no comando de entidades mesmo sem fazer nenhum tipo de organização entre os trabalhadores.
Nas décadas de 1950 e 60, mesmo com essa estrutura sindical engessada pelo Estado desenvolvem-se importantes lutas, como a greve geral de 1963, que resultou na conquista do 13º salário. Esse ciclo de lutas foi barrado pelo golpe militar de 1964, que cassou os mandatos dos dirigentes sindicais (em sua maioria ligados ao antigo PCB) e instalou em seu lugar dirigentes nomeados pelos militares, que ganharam o apelido de “pelegos”. Somente em fins da década de 1970 o movimento sindical voltaria a se organizar, com uma nova geração de operários e de militantes que lideraram uma importante onda de greves. As greves do ABC paulista entre 1978 e 1980, juntamente com as lutas de vários outros movimentos sociais, colaboraram para dar fim à ditadura. Esse ciclo de lutas fez com que novos dirigentes combativos fossem eleitos para a direção dos sindicatos, expulsando os pelegos. O marco desse movimento de retomada dos sindicatos foi a fundação da Central Única dos Trabalhadores – CUT – em 1983, que reunia os sindicatos mais combativos do país e alcançou grande representatividade.

A década de 1990 e o “sindicalismo cidadão”
O ciclo de lutas e greves que se estendeu ao longo de toda a década de 1980 obteve importantes conquistas salariais e sociais, mas não conseguiu fazer questionamentos mais profundos à ordem social. Mesmo com toda a sua combatividade, a CUT da década de 1980 não chegou a incorporar em seu programa a luta pela superação do capitalismo, no sentido entendido pelos marxistas. Nem sequer foi derrubada a estrutura que vinha da era Vargas (imposto sindical, unicidade sindical, judicialização das greves, etc.).
Na década de 1990 as quedas do muro de Berlim e da URSS trouxeram importantes mudanças para as lutas dos trabalhadores. Aqueles países não eram socialistas, mas o seu desmantelamento deu oportunidade para que a classe empresarial atacasse várias conquistas dos trabalhadores, com o discurso de “fim do socialismo”, “fim da história”, as ideologias pós modernas, etc. Foi o momento da implantação das políticas neoliberais, da chamada “globalização”, da formação de um mercado mundial de força de trabalho, da reestruturação produtiva, das terceirizações, privatizações, etc.
Nesse período a CUT, dirigida pelo PT, abandonou o sindicalismo combativo das suas origens em troca do “sindicalismo cidadão”, que privilegia as negociações. Os sindicalistas da CUT passam a participar de fóruns “tripartites”, com a presença do Estado e de empresários. Foi o caso das chamadas “câmaras setoriais”, que elaboram políticas para cada segmento da economia, como o setor automotivo, eletrodomésticos, etc. Ao invés da defesa intransigente dos interesses dos trabalhadores, os sindicalistas do PT-CUT incorporaram o discurso da patronal de que não há alternativa ao capitalismo, e sendo assim, para garantir seus empregos e salários, os trabalhadores devem colaborar com os empresários e o governo. Ao invés da luta de classes, colaboração de classe.
Nessa linha, os sindicatos devem deixar de fazer greves, ou fazer movimentos cada vez mais “comportados” (nada de greve geral, ocupações de fábrica, ações diretas, etc.). Em alguns casos, os trabalhadores devem concordar em ceder aos patrões, aceitando salários menores, mais horas de trabalho, e outros sacrifícios, pois supõe-se que somente com o sucesso das empresas os trabalhadores podem voltar a ter ganhos no futuro. Acontece que as perdas, uma vez aceitas, são definitivas, e os supostos ganhos futuros ficam só na suposição. Os únicos que conseguem lucros garantidos são os empresários, com a colaboração dos sindicatos.

Os governos do PT
Com esse tipo de sindicalismo e essa relação com os empresários, o PT se credenciou a chegar ao governo federal, com a eleição de Lula em 2002 e Dilma em 2010. Com a chegada do PT ao governo, a CUT avançou em sua incorporação à gestão do capital. As centrais sindicais passaram a ter direito a uma parte da verba do imposto sindical, o que levou a um “festival” de novas centrais sindicais, a como CTB, UGT, NCST, etc., saídas da CUT e Força Sindical, todas já nascidas sem nenhuma relação com a luta (como foi a criação da CUT nos anos 1980), interessadas apenas em levar uma fatia das verbas do imposto para seus partidos e camarilhas dirigentes.
Torna-se cada vez mais nítido que o projeto das principais burocracias sindicais é chegar ao tipo de sindicalismo praticado na Europa e nos Estados Unidos. Nesses países assumiu-se de tal forma a colaboração de classes que os sindicatos se tornaram uma espécie de anexo ao departamento de recursos humanos das empresas. Em algumas categorias, os sindicatos são responsáveis pelas contratações e demissões (o que impede a existência de qualquer tipo de oposição à diretoria). Em outras, são responsáveis pela gestão do fundo de pensão (aposentadoria) dos trabalhadores. O caso mais escandaloso foi o da GM em 2009. A empresa foi à falência e para receber um empréstimo do governo estadunidense e ser ressuscitada, os trabalhadores teriam que aceitar demissões, redução de salários e benefícios. O sindicato dos metalúrgicos dos Estados Unidos conseguiu que os trabalhadores aprovassem esse plano. Em troca, o sindicato ganhou ações da empresa...
Exemplos recentes da degeneração dos sindicatos nas mãos da burocracia
Esse modelo de sindicalismo de empresa não está tão distante assim do Brasil. Vejamos alguns exemplos recentes retirados dos principais sindicatos da CUT.
- O Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo lançou a proposta do Acordo Coletivo Especial – ACE. Se esse tipo de acordo for aprovado, será possível aos sindicatos assinar acordos inferiores à CLT (suspendendo conquistas históricas, como férias, 13º, jornada de 8 horas, licença maternidade, etc.) sem sequer passar por assembleias. Esse acordo dará poder à patronal para passar um rolo compressor sobre as conquistas históricas da classe trabalhadora e fazer o Brasil retroceder às condições da revolução industrial do século XIX descritas acima. Por isso, a luta para impedir a aprovação do ACE é uma das principais tarefas do atual momento.
- Na greve dos professores da rede estadual de São Paulo em 2013 a diretoria da APEOESP (Articulação, setor que representa a CUT) decretou o fim da greve, quando a imensa maioria da assembleia, com milhares de trabalhadores, havia votado pela continuidade. A revolta dos professores foi tanta que a direção do sindicato teve que sair do local da assembleia escoltada pela polícia, que providencialmente estava presente em grande número. Esse método de “tratorar” assembleias já tinha sido visto em outros momentos, mas nunca de maneira tão escancarada, numa categoria tão importante, de tamanha visibilidade e numa assembleia de tão grandes proporções.
- O sindicato dos bancários de São Paulo, Osasco e Região, o maior do país e principal da categoria, realizou em maio uma assembleia para alteração do estatuto, a pretexto das eleições de 2014. Além de tornar mais difícil a montagem de uma chapa de oposição e outras medidas que tornam o sindicato mais burocrático e distante da base, um dos artigos alterados é o que legalizou a incorporação pelo sindicato de rendas provindas de entidades coligadas. Entre essas entidades coligadas temos a Bancoop (cooperativa habitacional que frequentou as páginas policiais em escândalo de desvio de dinheiro das obras), Bancredi (cooperativa de crédito que faz empréstimos para bancários, o que represente no mínimo um sério conflito de interesse para uma entidade que deveria ter como objetivo lutar por aumento de salário), Bangraf, faculdade (que dá cursos como matemática financeira, ajudando a formar mão de obra para os banqueiros, ao invés de dar cursos sobre a história da luta dos trabalhadores), projeto Travessia (ONG que faz trabalho assistencial), Rede Brasil Atual (ponta de lança de um projeto de comunicações que visa formar uma opinião pública favorável ao PT).
A Articulação-CUT-PT já controlava essas rendas, mas a aprovação em estatuto facilita muito mais a contabilização. Com isso, o sindicato se torna financeiramente independente da situação dos trabalhadores. O fato é que uma entidade que deveria servir para a luta de uma categoria se transformou em um conglomerado empresarial.

A luta por uma alternativa para a organização dos trabalhadores
Como dissemos acima, a traição explícita da CUT a várias lutas importantes levou os militantes combativos a buscar novas alternativas de organização ainda nos primeiros anos do governo Lula. Foi assim, que surgiram a Conlutas e a Intersindical, que em sua origem disputavam a direção dos sindicatos contra as correntes cutistas com um programa de luta e de oposição ao governo do PT. Entretanto, a política dos partidos que dirigem essas centrais, o PSTU e o PSOL, respectivamente, ficou muito aquém do que seria necessário para a construção das alternativas que a classe trabalhadora precisa.
Vivemos há algumas décadas uma crise estrutural do sistema do capital, o que significa que as crises são cada vez mais agudas e os períodos de recuperação da economia são mais limitados. Não há mais margem para que a classe dominante ofereça concessões aos trabalhadores, pelo contrário, está retomando as anteriores. Isso significa que as lutas não podem mais ser limitadas às questões imediatas. É preciso cada vez mais retomar a ofensiva contra o capitalismo e seus gestores, como o PT e demais partidos da situação e da oposição. É preciso fazer uma ampla denúncia desse governo e de suas políticas pró-patronais e anti-operárias e anti-populares. É preciso superar a crise da alternativa socialista, que se instalou na consciência da classe trabalhadora desde a década de 1990, quando a idéia de uma alternativa ao capitalismo foi afastada.
Nem Conlutas nem Intersindical têm estado à altura dessas tarefas, por uma política deliberada de suas direções. Ao invés de construir a consciência e a independência política dos trabalhadores, limitam-se a uma política de exigências ao governo Dilma, como se o governo do PT fosse em algum momento mudar sua orientação pró-patronal. Ao invés de preparar para as lutas, essas centrais priorizam a constituição de chapas para as eleições sindicais com setores da CUT ou da CTB, sacrificando a consciência e a organização da classe a interesses aparatistas imediatos.
Por discordar da linha da direção majoritária da Conlutas, o PSTU, nós do Espaço Socialista, em conjunto com o Movimento Revolucionário, lançamos em 2012 o Bloco Classista, Anticapitalista e de Base, com o objetivo de lutar para resgatar o projeto da central. Defendemos:
- oposição ao governo Dilma-PT e às correntes governistas no movimento dos trabalhadores; oposição à CUT e demais centrais governistas; contra as chapas e alianças com setores cutistas e governistas no movimento;
- organização de oposições sindicais que se tornem espaços de resistência dos trabalhadores, a partir dos locais de trabalho, em direção à retomada dos sindicatos;
- luta pela democratização dos sindicatos, pelo respeito às assembleias e fóruns de base;
- contra a burocratização dos sindicatos, rodízio dos dirigentes e limitação do número de mandatos;
- campanhas de denúncias do capitalismo e da necessidade da sua superação;

Daniel M. Delfino
Julho 2013



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