29.7.16

Escola "sem partido", na verdade é com partido único



O movimento “Escola sem partido” é mais uma frente de ataque da burguesia contra os trabalhadores, dedicado a perseguir professores e profissionais da educação que tenham uma atuação minimamente progressista, cerceando a liberdade de cátedra e retirando o caráter laico da educação pública, para impor valores ultraconservadores e retrógrados, baseados numa visão de mundo religiosa. O “movimento” busca aprovar leis que impeçam os professores de controlar o conteúdo de suas aulas, e enquanto tais leis não existem, ele usa brechas na legislação existente para perseguir professores que tentem exercer a liberdade de cátedra.
Logo de saída, quando se observa o “projeto” mais de perto, algo cheira muito mal: não é uma iniciativa de profissionais da educação, professores, pedagogos, etc., pessoas envolvidas no ensino e no dia a dia das salas de aula e na realidade das escolas em geral. Nem partiu de cientistas, acadêmicos, pesquisadores, etc., pessoas envolvidas na produção e difusão do conhecimento. Pelo contrário, o “projeto” é uma iniciativa de políticos e religiosos oportunistas, que querem evitar qualquer tipo de discussão crítica da sociedade nas escolas. Em resumo, eles não querem uma escola “sem partido”, eles querem que o partido deles possa mandar e desmandar sem ser questionado. Querem uma escola de partido único.
Esse “movimento” está baseado numa série de mitos sobre os problemas da educação brasileira, que é preciso desmistificar e combater.

1. O verdadeiro problema da educação é a falta de financiamento e baixos salários, devido ao desvio de verbas públicas para os lucros privados.
Primeiro, o mito de que o problema da educação é a “doutrinação ideológica”. Como se os professores estivessem organizados para “manipular” as mentes frágeis de crianças e adolescentes, usando de sua autoridade e influência para difundir determinado projeto de sociedade, que é oposto ao dos defensores do movimento. Na verdade, o maior problema da educação brasileira é a falta de investimento dos governos federais, estaduais e municipais. Devido à prioridade do orçamento público, que é cevar os agiotas da especulação financeira (quase metade do orçamento é desviado para pagar uma dívida pública fraudulenta, chegando a quase R$ 1 trilhão por ano), não sobra quase nada dos impostos que nós pagamos (e que a burguesia não paga) para que o Estado possa investir nos serviços que realmente interessam à população, como a educação, a saúde, os transportes, moradia, saneamento básico, etc. No momento atual de crise econômica no país (parte de uma crise estrutural do capital em nível mundial), a linha dos governos tem sido de cortar ainda mais o investimento em serviços públicos para conseguir mais verbas para salvar os negócios capitalistas.
Nesse contexto, as escolas brasileiras, que já são precárias, não possuem estrutura, equipamento, bibliotecas, laboratóros, etc., tendem a piorar ainda mais. Os salários dos professores são de fome, o piso nacional da categoria é letra morta e não é cumprido (e ainda que fosse, é muitíssimo insuficiente), as condições de trabalho são as piores possíveis, com superlotação das salas, sobrecarga de serviços burocráticos, falta de tempo para preparação de aulas, formação e reciclagem, etc. Os professores consomem um tempo imenso em sala de aula apenas para controlar a indisciplina e conseguir falar alguma coisa. Fora da sala de aula, são obrigados a usar seu tempo livre preparando aula, ou muito pior, em tarefas burocráticas exigidas por gestões escolares autoritárias, militarescas, medievais. A categoria é uma das que mais adoecem no país e recentemente uma professora se suicidou em Sergipe por ficar meses sem receber salário (http://www.jornaldodiase.com.br/noticias_ler.php?id=20798). Esse foi apenas o mais recente de vários casos que têm acontecido no país. Os professores são uma das categorias que mais adoecem no país em função da precariedade das escolas, baixa remuneração, excesso de serviço dentro e fora da sala de aula, etc.
Esse estado geral de precariedade é na verdade verdadeiro grande problema da educação no país. Qualquer movimento que queira seriamente questionar a precariedade da educação no Brasil precisa passar também por uma reorganização da categoria dos professores. A organização sindical da categoria é controlada nacionalmente pela CNTE, confederação vinculada à CUT, uma instituição pelega, pró-patronal e pró-capitalista, que não organiza as lutas e não discute os problemas da educação com a sociedade. Qualquer luta da categoria, como algumas fortes greves estaduais que vimos nos últimos anos, tem que ser feita também contra essa direção sindical e apesar dela, por meio da mobilização de base. Então, também é preciso afirmar que não existe qualquer organização dos professores para “doutrinar” os alunos, pois a categoria sequer consegue se organizar para lutar por sua sobrevivência.

2. Não existe “doutrinação” em escolas, e a verdadeira produção e difusão da ciência e do conhecimento é democrática por natureza
O segundo mito é a própria ideia de “doutrinação ideológica”, como se as salas de aula fossem um campo de pregação e de proselitismo. Esse mito revela uma visão extremamente tosca, primitiva, desinformada, do que é o trabalho educacional, a produção e a difusão de conhecimento científico. Só pode ser difundido por pessoas que não tiveram qualquer tipo de formação científica real e não entendem o mínimo sobre o funcionamento do trabalho intelectual. A doutrinação era uma prática de séculos atrás, quando as escolas e universidades eram controladas pelas igrejas e instituições religiosas, e transmitiam dogmas na forma de catecismo. Depois da separação entre igreja e Estado, as escolas, como instituições públicas, passaram a ter compromisso com a difusão da ciência, que tem um funcionamento completamente diferente da prática de “doutrinação”. Ao contrário do mito da “doutrinação”, a ciência não impõe, mas dialoga, debate, experimenta, critica e constroi coletivamente.
O conhecimento científico, em qualquer área, para existir, precisa necessariamente do mais amplo debate e liberdade de crítica entre pesquisadores e docentes. Seja nas ciências naturais ou humanas, os trabalhos tem que ser exaustivamente criticados e avaliados pelos especialistas em cada campo, para serem validados. É assim que o conhecimento humano avança, por acumulação, experimentação e crítica. Da mesma forma, a transmissão de conhecimento, por meio da educação, precisa transmitir o espírito de debate livre inerente ao trabalho intelectual, para que os alunos possam se familiarizar com a diversidade de teorias, concepções, métodos e abordagens do conhecimento.
Mais do que isso, na sua dimensão de formação humana, a educação precisa formar indivíduos capazes de conviver numa sociedade que já é em si diversa. Uma das fórmulas com a qual o “Escola sem partido” trabalha (tenta transformar em artigo de lei) diz que os alunos não podem ser expostos a conteúdos que contrariem a sua visão de mundo e/ou de suas famílias. Se esse princípio for colocado em prática, ele não estará garantindo um direito, mas ao contrário, retirando o direito das crianças e adolescentes de conhecer concepções de mundo diversas e aprender a conviver com elas. Sem isso, ao invés de formar pessoas capazes de conviver em sociedade e tolerar ideias e modos de vida diferentes dos seus, a educação estará sendo conivente com a formação de fanáticos, pessoas que não sabem conviver com a contrariedade senão por meio da violência, do ódio, do silenciamento. Em resumo, sob o aspecto minimamente democrático, o cerceamento da liberdade de debate intelectual na educação é um retrocesso em direção a condições medievais.
Além disso, não é papel das escolas se submeterem às crenças particulares de igrejas e famílias, que no âmbito privado, continuam tendo a liberdade de difundir suas ideias. Aqui se trata justamente de garantir a separação entre público e privado, entre Estado e igreja. O Estado não pode ter compromisso com nenhuma crença particular, e sim garantir a liberdade de todas elas. Essa é a essência do princípio de laicidade, que está seno atacado. Além disso, mesmo do ponto de vista de uma sociedade capitalista, o estado deveria ter compromisso com a difusão da ciência, como pré requisito para a competição econômica. A menos que se esteja abrindo mão disso completamente.

3. Não existe “neutralidade” do conhecimento
Mas talvez o mito mais nefasto difundido por esse movimento é a ideia de “neutralidade” do conhecimento, como se qualquer teoria científica ou concepção pudesse estar desvinculada de um projeto de sociedade. Mesmo nas ciências naturais, faz muita diferença determinar se a pesquisa deve ser direcionada para a cura de doenças ou para a produção de medicamentos para os sintomas, que vão deixar as pessoas na dependência da indústria farmacêutica por uma vida inteira. Em qualquer área das ciências, é preciso discutir o que vai ser pesquisado e como vai ser usado esse conhecimento, em proveito de quem. No caso das ciências humanas, é preciso reconhecer a existência da divisão da sociedade em classes sociais, pois do contrário qualquer tese ou concepção vai se colocar a serviço de alguma classe sem assumir que o faz.
A divisão da sociedade em classes não se refere à existência de “ricos” e “pobres” e de uma “classe média” que está no meio do caminho, classificados por níveis de renda. A divisão da sociedade se refere à relação que cada segmento mantém com a propriedade dos meios de produção.
As classes fundamentais são os proprietários de meios de produção e circulação (fábricas, fazendas, bancos, comércio), que exploram os não proprietários, os trabalhadores, obrigados a vender sua força de trabalho para sobreviver. A exploração não é um ato de “maldade” do explorador, mas decorre do fato de que o valor do salário que o trabalhador recebe em troca do seu trabalho é sempre menor do que o valor que o seu trabalho gera para o empregador. Essa diferença é a fonte do lucro da classe proprietária. Não existe portanto, a rigor, salário justo, e a luta dos trabalhadores deve ser não apenas para que recebam maiores salários, mas pelo fim do trabalho assalariado, de modo que aqueles que produzem a riqueza possam se apropriar dela, e determinar coletivamente o que deve ser produzido, como, em que quantidade, qualidade, etc.
Os trabalhadores e os proprietários possuem portanto projetos de sociedade diferentes e radicalmente opostos. De um lado, uns querem acabar com a exploração, e de outro, precisam mantê-la. Qualquer teria da sociedade que não reconheça esse fato básico estará encobrindo a existência da exploração e ajudando a perpetuá-la. Mesmo a defesa da “democracia”, da igualdade de direitos e da tolerância na sociedade é vazia, se não estiver baseada no reconhecimento de que a igualdade formal é insuficiente, e a verdadeira igualdade só é possível por meio do fim da exploração. É por isso que o verdadeiro alvo do “escola sem partido” é o conhecimento da história, que revela que a origem da riqueza dos “ricos” é a expropriação, o roubo e a exploração dos trabalhadores, e o estudo da sociologia e da filosofia, que fornecem as ferramentas para ajudar a que se possa acabar de vez com a exploração.

Contra o “Escola sem partido” e qualquer retrocesso!
O conhecimento da exploração, da divisão de classes e dos projetos de sociedade diferentes é hoje extremamente minoritário. Os profissionais da ciência e da educação que possuem esse conhecimento estão isolados, perseguidos e censurados, sem condições de debater e de ensinar, e muito menos de “doutrinar” ninguém (todo conhecimento, é sempre bom repetir, se reproduz por debate e não por “doutrinação”). Na verdade trata-se de mais um mito, pois os educadores críticos que ainda sobrevivem nas escolas são uma minoria (a grande maioria dos professores está tão esmagada pela sobrecarga de serviço e pela luta para sobreviver que rebaixou o nível do seu ensino e não representa nenhum “perigo”, não contribui para desenvolver uma visão crítica). É essa minoria que está sob ataque do “Escola sem partido”, que quer acabar de exterminá-los. São os últimos remanescentes da defesa da educação, da ciência e de um pensamento minimamente crítico.
Quem pratica a “doutrinação”, na verdade, são os defensores do “escola sem partido”, com seus mitos sobre a educação, sua visão retrógrada da sociedade e sua defesa da exploração. Para finalizar, uma amostra do caráter nefasto desse movimento é a sua luta contra o que eles chamam de “ideologia de gênero” (expressão que não tem o menor sentido), ou seja, a reação conservadora contra as lutas das mulheres e LGBTs.
Pautado por doutrinas religiosas (ou seja, aceitas por fé e não por debate), o movimento quer impedir que se discuta educação sexual nas escolas, dominação patriarcal e opressão histórica sobre as mulheres, isso num país com números alarmantes de feminicídio, violência de todos os tipos contra as mulheres, estupros e abusos sexuais, mortes e sequelas por aborto sem assistência do sistema de saúde (que está proibido por lei de fazê-lo), além de mortes, violência e discriminação contra LGBTs. A falta de educação, de tolerância e de debate já está custando vidas e sofrimento. Não podemos permitir nenhum retrocesso!
- Pelo não pagamento da dívida pública e uso desse dinheiro para financiar os serviços que interessam à população, como a educação!
- Por melhores salários e condições de trabalho para professores e profissionais da educação!
- Pela liberdade de cátedra e de debate de qualquer questão social em sala de aula!
- Por um estado laico, contra a interferência religiosa na educação e em qualquer instituição pública!
- Contra a violência e a discriminação, todo apoio à luta das mulheres e LGBTs!
- Contra o “escola sem partido”!
- Por uma educação pública, gratuita e de qualidade em todos os níveis, acessível a todos e baseada nos interesses da população trabalhadora!
- Por uma sociedade sem exploração e sem opressão!



12.7.16

A "queda do Muro de Berlim" da esquerda brasileira


Um debate com a proposta do “Fora Todos”*

Em textos anteriores sobre a situação do país temos nos concentrado em debater com a posição de companheiros que, não sendo vinculados ao PT e mantendo críticas (muitas vezes profundas) aos governos de Lula e Dilma, entendem que neste momento, em face de uma situação de extrema gravidade, em que se dá uma ofensiva reacionária no país, é preciso fazer unidade com o PT contra o “golpe” da direita (ou lutar contra o “golpe” e a ofensiva reacionária, mesmo que isso signifique estar no mesmo campo que o PT, conforme esses setores se sentem mais confortáveis em apresentar a si mesmos a questão). Uma vez que entendemos que estes textos anteriores já demonstram suficientemente o que pensamos a respeito, não vamos nos estender mais aqui nos argumentos sobre essa posição. (ver: http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/04/o-pt-e-o-castelo-de-cartas-da.html e http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/06/agora-e-golpe-ou-luta-de-classes-como.html).
Uma outra posição que precisa ser debatida é aquela que, desde o começo, passou a propor o “Fora Todos”, nivelando Dilma, Temer, Cunha, Renan, etc. Também não temos acordo com esta posição, e chegou o momento de tratar dela. O “Fora Todos” rejeita todas as alternativas políticas disponíveis, e se completa pela positiva com o chamado a “Eleições gerais”. O pressuposto do “Fora Todos” é de que se trata de “todos” os políticos burgueses, inimigos da classe trabalhadora, e de que, através de eleições gerais, os trabalhadores supostamente podem eleger representantes fiéis aos seus interesses. Dessa forma, a proposta procura se apresentar como uma alternativa radical e uma saída contra todo o sistema político no seu conjunto.
Do alto da sua generalidade, o “Fora Todos” tem a vantagem de poder abrigar em seu interior posições opostas: ele pode significar, ao mesmo tempo, “Fora Dilma” e “Fora Temer”. Aliás, por uma questão de coerência, ele tem na verdade a obrigação de abranger tanto o “Fora Dilma” como o “Fora Temer”, e não pode ser de outra maneira. A esquerda já fazia oposição a Dilma e agora faz a Temer, mas o “Fora Todos” diz não só que eles devem ser derrubados, mas que já podem ser derrubados. Depois que se dá esse passo, não é possível voltar atrás e diferenciar entre “uns” e “outros”, para determinar quem vai ser posto para “fora” primeiro. É preciso insistir no nivelamento de “todos”. Para dar esse passo, é preciso acreditar que essa proposta é capaz de unificar a indignação geral e dialogar ao mesmo tempo tanto com os que se opunham a Dilma como com os que se opõem a Temer.
Se essa suposição se materializará na prática ou não é o próprio processo que vai dizer. A situação ainda está em aberto, mas num primeiro momento, a impressão é de que o “Fora Todos” não dialogou muito bem nem com os opositores de Dilma, nem com os de Temer. Essa proposta não cresceu, pelo menos por enquanto. Achamos muito improvável que isso aconteça, e a razão disso é um dos motivos pelos quais somos contra essa posição, que é a ausência de uma base social real. Para que se possa derrubar “todos”, é preciso que haja uma força social massiva e muito organizada, e no momento não há. E não estamos falando de uma força social como uma determinada quantidade numérica de pessoas, mas como classe social organizada.

1. Quem derruba quem?
A burguesia esteve organizada ao substituir o gestor de plantão no governo do país. Assim como esteve unificada ao eleger e sustentar o PT, a burguesia decretou a hora da sua substituição. FIESP, mídia, Judiciário e Congresso conseguiram construir uma narrativa capaz de mobilizar um setor significativo da população, em torno da ideia de que Dilma tinha que ser removida. Mas o “Fora Todos” parou por aí. Depois de Dilma, o “movimento” não foi além para derrubar “todos”. A “revolta” com a corrupção se provou mais uma farsa para acobertar os corruptos, conforme eles mesmos confessaram em áudio. Depois que Dilma foi posta para fora, os setores que defenderam o “Fora Todos” só conseguiram mobilizar uma fração infinitesimal da base social que apoiou a saída de Dilma.
E ainda mais desconcertante, os que defendem o “Fora Temer” e o “volta Dilma” também estão em muito maior número. Assim, o “Fora Todos” permaneceu muito minoritário. Fazer de conta que o atual “Fora Temer” é a mesma coisa que a continuação do “Fora Dilma”, ou seja, uma espécie de 2ª etapa do “Fora Todos”, exige uma dose cavalar de auto engano. É preciso ignorar completamente a composição de classe e a ideologia de cada um desses movimentos, como se não fizesse a menor diferença quem (qual classe) está na rua para derrubar quem (qual projeto político).
Para que pudesse se realizar um “Fora Todos”, seria preciso que a classe trabalhadora estivesse organizada da mesma forma que a burguesia esteve, e não está. O “Fora Todos” desconsidera a situação real da consciência e organização da classe, ou no mínimo supõe que isso possa ser improvisado da noite para o dia, por meio de palavras de ordem “radicais”. Várias organizações políticas estão defendendo o “Fora Todos”, com nuances e diferenciações entre elas, e também com saídas e alternativas “positivas” diversas. Algumas jogaram mais peso no “Fora Dilma”, outras foram mais tímidas; algumas estão mais abertamente no “Fora Temer”, outras nem tanto; algumas defendem “eleições gerais”, outras não exatamente. Na impossibilidade de tratar das muitas matizes entre essas posições, tentaremos abordar os fundamentos comuns da ideia do “Fora Todos”.
Um desses fundamentos é o pressuposto da homogeneidade, como se todos os processos da luta de classes nos últimos anos fossem uma coisa só, um único processo de “rejeição do governo”. Outro fundamento, baseado no anterior, é a narrativa de que a classe trabalhadora está em ascenso. Essas concepções serão discutidas nas seções 2 e 3, respectivamente. As seções 4, 5 e discutem as Jornadas de Junho de 2013, acontecimento fundamental para a narrativa do ascenso e do “Fora Todos”, e os aspectos ideológicos contraditórios que emergiram deste acontecimento. As seções 7 e 8 apresentam as respostas que a esquerda elaborou para tentar entender as Jornadas de Junho e o cenário que se criou depois delas. E finalmente, nas seções 9, 10 e 11, explicamos porque comparamos o cenário que se criou no país, desde 2013 até o impeachment em 2016, com a queda do Muro de Berlim.

2. O pressuposto da homogeneidade
O “Fora Todos” se baseia numa determinada leitura da situação do país, segundo a qual os trabalhadores estão na ofensiva da luta de classes, ou no mínimo, estão em situação de revolta e insatisfação prestes a explodir, bastando apenas algum tipo de faísca para disparar o incêndio. E essa situação teria como marco as Jornadas de Junho de 2013. Uma vez que, desde junho de 2013, os trabalhadores estão rejeitando “todos” os políticos, tanto Dilma e o PT, como o PSDB, PMDB e o restante dos partidos, estaria assim justificado defender o “Fora Todos”. Em tal concepção, a rejeição aos “políticos” pode ser medida por fatores como o aumento do número de greves e lutas sociais desde o início da década, as próprias Jornadas de Junho em 2013, e o número muito grande de abstenções e votos nulos e brancos nas eleições de 2014 (para os cargos de governadores, senadores, deputados federais e estaduais, houve muitos estados em que as abstenções, brancos e nulos somados “ganharam” ou ficaram em 2º ou no mínimo 3º lugar). Essa seria a base social para a defesa do “Fora Todos”.
O problema dessa leitura da realidade é tratar todos os fenômenos desde Junho como se tivessem sido um único processo, inteiramente homogêneo, com a mesma composição social, a mesma base de classe e a mesma ideologia. Às vezes, no interior do campo dos que defendem essa proposta, se fala em idas e vindas, avanços e retrocessos, mas de uma forma a dar a entender que houve apenas mudanças quantitativas e de intensidade, como se o movimento fosse ora mais fraco, ora mais forte, mas mantivesse a mesma identidade qualitativa, como se fosse o tempo todo, desde 2013, o mesmo movimento. Segundo essa visão, todos os fenômenos desde as Jornadas de Junho de 2013, incluindo a greve dos garis do Rio em 2014, os atos contra os gastos na Copa, a derrota da seleção, as eleições gerais (desde o fenômeno Eduardo Campos/Marina até o 2º turno e a reeleição apertada da chapa Dilma/Temer), a decepção do eleitorado dilmista com o estelionato eleitoral, as manifestações pró-impeachment, as ocupações de escolas, a condução coercitiva de Lula, a votação do impeachment, etc., tudo isso e muito mais ao longo desses anos foi uma coisa só, um único “movimento de trabalhadores contra Dilma”.
Sendo assim, de acordo com os que defendem essa posição, só faltou a esquerda ser mais combativa para se colocar na direção do processo. Se a esquerda tivesse conseguido assumir sua direção, esse “movimento” poderia ter resultado na derrubada de Dilma na forma de uma revolução. Essa é a suposição em que se baseia a proposta do “Fora Todos”.
O erro gritante desse raciocínio é que vários dos processos listados acima foram socialmente heterogêneos e politicamente opostos em seu projeto, discurso e ideologia. Desconsiderar isso e enxergar tudo como um só grande “movimento de trabalhadores contra Dilma” é expressão de uma incompreensão radical ou desconsideração absoluta da importância do estado real de organização e consciência da classe. É uma visão ultra simplista do fazer político, em que não há nenhum papel protagonístico real para a classe. Desaparecem nessa visão os trabalhadores de carne e osso, bem como a importância da sua organização de base, dos processos moleculares de resistência e formulação de alternativas a partir de cada local de trabalho, moradia, estudo, cada atividade social. O protagonismo está todo concentrado nas “direções” partidárias, que, atuando no nível da superestrutura política e relacionando-se superficialmente com a classe, supostamente poderiam liderá-la.

3. A eterna narrativa do “ascenso”
A ideia de que a esquerda poderia ter alcançado a “direção” do processo simplesmente agitando as palavras de ordem corretas expõe portanto uma determinada concepção de “direção”, em que os partidos/organizações dirigem as massas para a revolução. Essa concepção transporta a forma de relacionamento interno das organizações de esquerda para a relação entre as organizações e o conjunto da classe. No interior das organizações de esquerda pratica-se o método de funcionamento em que os dirigentes burocratizados comandam militantes de base tarefeiros e acríticos (ver a respeito: http://blogjunho.com.br/reinventar-a-esquerda-e-reorganiza-la/). A esquerda pretende reproduzir esse mesmo funcionamento na relação com a classe, com os militantes se imaginando “dirigentes” das massas por decreto de autoproclamação. Não é de se surpreender que, com tal comportamento, a esquerda siga sendo uma força marginal na sociedade, e para todos os efeitos, irrelevante na disputa política. Esse vício, infelizmente, não é exclusivo dos setores que defendem a proposta de “Fora Todos”.
Fechado esse parênteses sobre o funcionamento da esquerda, voltemos ao problema de se tratar de toda a imensa diversidade, complexidade e contraditoriedade da realidade brasileira sob o denominador comum de um único “movimento” homogêneo contra “todos” os políticos. Para se adotar esse tratamento é preciso forçosamente deformar a realidade, destacando somente os fatos que se encaixam na visão desejada (as greves, lutas, revoltas, apatia eleitoral) e descartando os que não se encaixam (as derrotas, a repressão, a presença da ultradireita, o imaginário conservador de amplas camadas da população). É preciso minimizar os seus aspectos negativos e superestimar os aspectos positivos, e com isso construir a narrativa de um permanente “ascenso” dos trabalhadores.
Essa narrativa serve certamente para motivar militantes menos experientes e mantê-los sob controle dos dirigentes burocratizados, mas não servirá como um guia para entender a realidade. Tirar política com base nos desejos das organizações, mas não na situação real da classe, pode até servir para manter as organizações em atividade por algum tempo, mas não vai servir para liderar a classe. Não estamos dizendo que as organizações da esquerda precisam converter cada trabalhador individualmente para o projeto, até que todos se convençam da necessidade da revolução e todos pensem a mesma coisa. Isso seria idealismo. O que estamos dizendo é que o oposto também não funciona, e o oposto é exatamente a situação que temos atualmente: um total descolamento e estranhamento da esquerda em relação ao grosso da classe trabalhadora.
As narrativas de ascenso permanente exageram absurdamente as possibilidades reais de mobilização e ação da classe, para manter o discurso revolucionário das organizações. Não poderemos aqui, por falta de espaço, contestar a versão unilateral de cada um dos fenômenos e processos citados acima, para desmontar tal narrativa do “ascenso”. Falaremos apenas, de passagem, nas próximas duas seções, das Jornadas de Junho, tema que por si só bastante complexo.

4. Breve narrativa das Jornadas de Junho de 2013
Para começar a refutação da suposta “homogeneidade”, basta lembrar que houve no mínimo duas fases muito distintas nas Jornadas de Junho. A primeira foi quando a juventude trabalhadora e as organizações de esquerda enfrentaram uma repressão brutal numa série de manifestações contra o aumento das passagens nas grandes cidades. A maior das manifestações dessa fase teve por volta de 30.000 pessoas em São Paulo, no dia 13 de junho, uma quinta-feira, e foi dispersada em uma verdadeira batalha campal, com a polícia caçando manifestantes noite adentro pelas ruas do centro (caçada da qual ainda guardo lembranças bastante vívidas). Aquela manifestação foi o máximo que a esquerda conseguiu reunir. Naquele momento o MPL dirigia essas manifestações, e os grandes partidos, PSTU e PSOL, demoraram a se incorporar, e quando o fizeram quiseram se colocar artificialmente na direção, como de praxe, sendo repudiados por isso.
A repressão naquela noite de 13 de junho foi tão brutal e teve tal repercussão que serviu como gota d'água para transbordar o copo de indignação e insatisfação que já estava se avolumando por muitos anos. O conjunto da opinião pública se virou a favor dos manifestantes, e contra os governos em geral, tanto Dilma quanto Alckmin e Haddad. A partir daquele momento, ganhamos o direito de se manifestar novamente. Uma barreira foi rompida, uma espécie de “estado de sítio” que estava em vigor praticamente desde os anos FHC foi revogado.
Na segunda-feira seguinte, dia 17, centenas de milhares de pessoas ocuparam a avenida Paulista e outras centenas de cidades do país. Dessa vez, não apenas jovens da classe trabalhadora levados pelas organizações de esquerda, mas pessoas de todas as idades e todas as classes sociais, com um perfil político e ideológico amplamente diversificado. A esquerda organizada ficou invisível no mar de gente, ainda que estivesse presente. As “massas” foram às ruas, mas como massas, não como classes. Naquele momento, isso teve bastante impacto e não pode ser menosprezado. O caráter antidemocrático da democracia burguesa foi contestado, e os governos tiveram que recuar. Não só revogaram o aumento das passagens, como retiraram a polícia da rua, e fizeram algumas outras pequenas concessões. Teve início assim a 2ª fase das Jornadas de Junho. Dali por diante, passou a haver manifestações praticamente diárias no país, com as mais diversas pautas, durante os meses seguintes. As Jornadas de Junho não tiveram um marco de encerramento formal, apenas foram se diluindo, diminuindo de tamanho e de intensidade contestatória. A 2ª fase terminou sem que tivesse havido uma 3ª.
O recuo relativo da repressão, que se prolongou por alguns meses imediatamente seguintes, permitiu que o clima de contestação influenciasse as campanhas salariais do segundo semestre de 2013 e produzisse logo depois um fenômeno como a greve dos garis no Rio no início de 2014. Mas é evidente que o Estado e a patronal não iriam ficar parados observando essa situação e partiriam para o contra-ataque. Já no início das manifestações contra os gastos na Copa que se aproximava, em fevereiro de 2014, o cinegrafista Santiago Andrade foi assassinado pela repressão no Rio, com o objetivo de montar uma farsa judicial e midiática e colocar a culpa nos manifestantes. Esse crime veio completar uma campanha massiva e permanente que a mídia burguesa já vinha desenvolvendo há meses para demonizar os “black blocs” e as manifestações “violentas”, conseguindo o efeito de reverter parcialmente o apoio da opinião pública às manifestações. Os protestos se reduziram drasticamente de tamanho e voltaram ao mesmo porte da 1ª fase das Jornadas de Junho. Em relação ao aspecto do aspecto numérico das manifestações, essa é a situação que temos até hoje.

5. O que mudou em uma semana
Mas bem antes disso, retomemos um acontecimento crucial que se deu logo na passagem da 1ª para a 2ª fase das Jornadas de Junho, que foi o dia 20 de junho de 2013, uma outra quinta-feira, uma semana depois da batalha campal contra a polícia. Nessa noite a esquerda foi expulsa da avenida Paulista por grupos neonazistas, e sob aplauso da massa de “manifestantes”. Na concepção da massa confusa de indivíduos de diversas classes sociais que ocupavam a Paulista, a esquerda, os “vermelhos” do PSTU, PSOL, PCB, PCO e a miríade de outros grupos menores, eram a mesma coisa que os corruptos do PT, que também usam vermelho (e que estavam representados por alguns grupos ligados a tendências minoritários do partido, que também estavam no local). O público presente na Paulista naquela noite sequer sabia que a mensagem da esquerda é diferente daquela do PT, o que deu uma medida do quanto o peso dessa esquerda na realidade é insignificante. Pateticamente, sem condições de resistir, a esquerda teve que se retirar com o rabo entre as pernas.
Em uma semana, a esquerda, que antes era protagonista, foi banida dos protestos que ela mesma tinha inicialmente impulsionado. As organizações não podiam mais se apresentar em trajes na cor vermelha, para não serem confundidas com o PT. O que mudou nesse intervalo não foi apenas o transcurso de tempo de uma semana entre 13 e 20 de junho, mas o pêndulo da disputa ideológica que se definiu. Esse intervalo de uma semana na verdade foi o tempo suficiente para trazer à tona a correlação de forças real da disputa ideológica entre projetos de sociedade, encoberta durante mais de uma década de lulopetismo. A insignificância da esquerda organizada fora do PT e o peso avassalador da ideologia burguesa em suas diversas variantes (em especial a mais conservadora) se manifestou de forma cabal e transparente.
Depois de ter uma medida inequívoca da rejeição que o PT tinha acumulado em praticamente todas as camadas sociais, a burguesia detectou a atmosfera propícia e se relocalizou. A FIESP pintou seu prédio de verde e amarelo e se transformou ela sim em direção efetiva das “manifestações”. A insatisfação difusa e generalizada de todas as camadas da população foi habilidosamente concentrada pela mídia empresarial (Globo, Veja, Falha de São Paulo, etc.) e seus mercenários, intelectuais orgânicos da classe dominante, em uma única pauta, a corrupção, e foi dirigida especificamente contra o PT. A “luta contra a corrupção” se transformou numa bandeira nacional e numa forma da burguesia descartar o PT. Isso quase aconteceu nas eleições de 2014, mas foi construído ao longo de 2015, até chegar ao impeachment em 2016.

6. A diferença entre massa e classe
Muitos setores interpretaram a fraqueza do PT como se fosse a demonstração da sua própria força, quando na verdade era a expressão da predominância avassaladora da ideologia burguesa. As Jornadas de Junho não foram, como muitos chegaram a interpretar, uma oportunidade perdida pela esquerda para dirigir um movimento que levasse à derrubada do governo Dilma. Foram o momento em que se tornou patente que o PT tinha perdido a disputa ideológica na sociedade, e que a esquerda na verdade jamais havia sequer entrado de fato naquela disputa. Mas isso não apareceu dessa forma naquele momento, pelo menos não para uma boa parte da esquerda.
Durante aqueles poucos dias em meados de junho de 2013, era como se não existisse governo. As instituições estavam paralisadas. Multidões nas ruas xingavam os governantes, cercavam e ameaçavam invadir prédios públicos. Não era difícil cair na ilusão de que o governo poderia ser derrubado com facilidade. Para não cair nessa ilusão, seria preciso ter o critério de que, naquele momento, ainda que uma boa parte das pessoas nas ruas fossem trabalhadores (a maioria da sociedade é sempre composta de trabalhadores), a forma e as pautas com que se apresentavam eram as mais diversas. Esses trabalhadores não se apresentavam como classe ou como coletivo organizado, mas como indivíduos. Estavam dissolvidos em multidões. Cada um tinha sua própria bandeira, cada um era um “partido de si mesmo”. As Jornadas de Junho abriram um espaço no interior da democracia burguesa, o direito de manifestação, que ela nominalmente garante, mas que não vinha sendo respeitado, e passou a ser. Para além desse avanço momentâneo e reversível (ou atualmente em processo de reversão), não houve conquistas significativas.
É importante fazer essa demarcação para não perder de vista o critério que separa a democracia burguesa da democracia operária. Na democracia burguesa os indivíduos se diluem numa massa amorfa de eleitores, quantitativamente nivelados. Na democracia operária os indivíduos se organizam de forma coletiva e estruturada, a partir de seu papel na reprodução social. Cada local de trabalho forma um coletivo e discute sua direção. Da mesma forma, em cada local de moradia, de estudo, e assim por diante. A participação dos indivíduos é qualificada conforme o papel que cumprem na reprodução social e as atividades de que participam. As questões são diretamente decididas por aqueles que estão envolvidos, desde as mais imediatas e locais até as mais gerais e nacionais. Há uma coordenação desde as instâncias de decisão locais até as nacionais, mas a partir de uma base social estruturada.
Não foi nada disso que despontou em Junho, e sim uma massa de indivíduos nas ruas (entre eles, uma parte de trabalhadores), desestruturados, sem organização e sem unidade. Todos insatisfeitos, mas sem uma pauta hierarquizada, apresentando questões de todos os níveis, sem qualquer ordem, distinção de importância, eixo ou projeto totalizante. Aumento das passagens, corrupção, homofobia, inflação, fim do escanteio curto, Jesus Cristo, era tudo a mesma coisa. Para que as manifestações pudessem tomar outro rumo, seria preciso que houvesse um trabalho prévio de organização e politização, que não houve. Essa conclusão não apareceu imediatamente. O que apareceram foram as diversas posições da esquerda, que discutiremos logo a seguir, nas seções 7 e 8. Em seguida, a partir da seção 9, trataremos de voltar às raízes profundas da mudança drástica do “clima”ideológico que descrevemos na seção 5.

7. Das Jornadas de Junho para o impeachment
No rescaldo das Jornadas de Junho, surgiram ou se consolidaram as três posições da esquerda que viemos debatendo nos textos anteriores:
1ª) um setor que (mesmo sendo crítico do PT) desde o começo identificou a ameaça de “golpe da direita” e se perfilou na defesa do PT, chamando voto crítico em Dilma nas eleições de 2014, engrossando o movimento “não vai ter golpe” e hoje aderindo ao “volta querida” (mesmo que não queiram reconhecer, estão reforçando o PT);
2ª) um setor que permanece cego para a defasagem ideológica e a falta de organização e referências da classe, e segue entendendo tudo que aconteceu desde junho de 2013 como um único e homogêneo “ascenso” dos trabalhadores, e por isso defende o “fora todos”, mas sem conseguir uma base social real;
3ª) um setor que desde aquele momento apostou na transferência do clima de contestação aberto por Junho para as lutas dos trabalhadores, de modo que a classe pudesse desenvolver novas referências, organizações e projetos, já de forma independente do PT e da oposição burguesa, e que acaba sendo o menor dos três;
A primeira posição, como dissemos, já vem sendo criticada em textos anteriores. Seguiremos aqui na crítica da segunda posição. Um de seus erros está na definição do caráter de classe do movimento que veio resultar no impeachment de Dilma. Segundo a sua visão, a onda de protestos, desde as Jornadas de Junho até as marchas de verde-amarelos na Avenida Paulista, é composta de “trabalhadores”, na sua maioria ou pelo menos em parte. E como supostamente são “trabalhadores” de verde e amarelo, a esquerda deveria organizá-los.
Em relação à segunda fase das Jornadas de Junho a afirmação de que eram compostas de trabalhadores requer uma qualificação para fazer algum sentido, como expusemos nas três seções acima. Em relação ao movimento pelo impeachment tal afirmação é um absurdo gritante. Inúmeras pesquisas feitas em todo o país no interior dos atos pelo impeachment apontam para um perfil muito bem definido dos “manifestantes” verde e amarelos: cor da pele, faixa etária, escolaridade, nível de renda mostram sem sombra de dúvida, de maneira inquestionável e insofismável, que se tratava da parte de cima da pirâmide social brasileira.
Quem esteve na avenida Paulista e em centenas de cidades vestindo verde e amarelo foi a pequena e a alta burguesia, a elite branca, na sua maioria racista, machista, hipócrita. Quem não quer se dar ao trabalho de ler as pesquisas pode ver as fotos das manifestações pró-impeachment numa cidade como Salvador, em que as linhas demarcatórias de raça e classe se combinam quase perfeitamente. Numa cidade com 90% de negros (ou seja, onde a massa da classe trabalhadora é negra), não se via um negro nas manifestação de verde e amarelos.
A afirmação de que a “classe trabalhadora” estava nos protestos contra o impeachment cai por terra. Dizer que havia trabalhadores nessas manifestações ou mesmo um setor da pequena burguesia, profissionais liberais, que poderia ser organizado pela esquerda, não muda o caráter de um processo hegemonizado claramente pela burguesia. Uma coisa é constatar que os trabalhadores estão presentes numa manifestação, outra coisa é dizer que isso automaticamente faz com que essas manifestações sejam progressistas. Nos atos pelo impeachment, se havia trabalhadores, eles estavam em minoria. E não só numericamente, mas ideologicamente, para além da questão pontual do impeachment, o conteúdo implícito que essas manifestações reforçaram era totalmente conservador e oposto aos interesses da nossa classe. Disputar os trabalhadores e setores da pequena burguesia para que não caiam prisioneiros dos projetos reacionários é uma tática que pode e deve ser aplicada nas devidas circunstâncias, que não estavam presentes nos atos pelo impeachment.
Não pode ser tabu para a esquerda reconhecer que a burguesia existe e se mobiliza, e que a direita e a extrema-direita também mobilizam e estão na disputa. Reconhecer isso faz parte do processo de entender as condições reais da disputa em que estamos. Identificar que existe uma direita atuante no país não significa perder a independência de classe e buscar socorro na burocracia petista. Reconhecer que a direita está na ofensiva não significa dizer que seria preciso defender o PT. Esse tipo de racicínio mecânico e dualista serve para escolher um time de futebol para torcer, não para a política. Foi a burguesia que mudou de posição em relação ao PT, não foi o PT que mudou e deixou de ser aquilo que era. O PT era e é um partido burguês, um instrumento da classe dominante, e isso não mudou. Não é porque a burguesia rejeitou o PT que o partido supostamente passou a ser, por passe de mágica, uma opção para os trabalhadores. O PT não mudou, e continua sendo o que é, uma barca furada, um beco sem saída, uma armadilha e um engodo, que não servirá para enfrentar a ofensiva reacionária.

8. O escolasticismo sindical
Se de um lado houve setores que superestimaram a presença de trabalhadores nas manifestações “verde amarelas”, de outro houve setores “escolásticos” que se negaram a reconhecer que alguma coisa nova estava acontecendo a partir de Junho. Para esses setores, distribuídos entre as três posições da esquerda, as Jornadas de Junho não eram um espaço a ser disputado, porque nelas simplesmente “não havia trabalhadores”. Não é que estavam desorganizados ou em minoria, como dissemos acima, mas que simplesmente “não existiam”. Para esses setores, o trabalhador só existe quando está no seu local de trabalho. Ou pior, o trabalhador é apenas aquele que vai ao sindicato e faz greve. Excetuando-se essa situação, não se enxerga o trabalhador, não se ouve e não se dialoga com sua realidade.
Esses setores da esquerda passaram as últimas décadas esperando que a massa dos trabalhadores comparecesse aos sindicatos para que ela pudesse organizá-los. Essa esquerda confunde “centralidade do trabalho” e da classe trabalhadora com fetichismo e aparatismo sindical. A esquerda, e principalmente o setor que se define como “marxista-leninista” ou “marxista-leninista-trotskista”, não entende o que é centralidade do trabalho, pois sua concepção e prática apontam justamente para o oposto disso.
O que esses setores colocam em prática é a centralidade da política, que é justamente o desvio da luta de classes para a ocupação de espaços de poder no Estado, com a ilusão de que através do poder do Estado se pode administrar ou controlar o capital. Por isso, essa esquerda desenvolve a obsessão com a tomada do poder político, como se fosse a solução de todos os problemas. E é para isso que a esquerda trata a base dos trabalhadores como massa de manobra, como força social a ser usada para a tomada do poder político, ou seja, como bucha de canhão. É para usar os trabalhadores como “gado” que a esquerda disputa obsessivamente os sindicatos, supondo que através do controle dos sindicatos irá “mobilizar” os trabalhadores e derrotar a burguesia, chegando ao poder do Estado. E ao chegar ao poder, a esquerda imagina que irá controlar o capital. Esse é o arremedo de estratégia que temos hoje em vigor na maior parte da esquerda.
A centralidade do trabalho, ao contrário dessa caricatura, é a concepção de que o conjunto das diversas formas de alienação se originam na alienação do trabalho, que é a fonte do poder do capital, que hoje coloca sob seu comando todas as esferas da vida social. Sendo assim, a emancipação do trabalho só é possível rompendo-se com o poder do capital no local onde ele é gerado, ou seja, nos microcosmos da reprodução social, nos locais de trabalho, num processo coordenado, organizado e consciente. Esse processo envolve certamente a destruição do poder político materializado na forma do Estado e a construção de um poder político transicional. Mas a revolução é antes de tudo um processo social, de superação da alienação, de inversão da posição atual, em que os trabalhadores se tornem sujeitos e assumam o controle dos processos econômicos, políticos, culturais, etc. A “tomada do poder”, o sonho messiânico da esquerda revolucionária, é só uma parte do processo, e talvez mesmo a parte mais fácil de uma verdadeira e profunda transformação social.
O que a esquerda pratica hoje é um fetichismo da disputa sindical como suposta via para a “direção” da classe e a conquista do poder político. Com isso, se menospreza todo um amplo espectro de lutas sociais, por conta desse fetichismo sindical. As Jornadas de Junho serviram também para demonstrar que a esquerda não acompanhava ou dialogava com uma série de outras questões que afetam o dia a dia dos trabalhadores. E foram justamente as questões que passaram a pautar o debate público desde então, como a luta por serviços públicos, por saúde e educação, por transporte público, mobilidade urbana, acesso à cidade, moradia, além de outras questões que sempre estiveram na pauta (mas eram ignorados pela esquerda sindicaleira), como as lutas contra o racismo, o machismo e a LGBTfobia, etc.

9. O muro que caiu na cabeça da esquerda
As raízes profundas da virada ideológica que identificamos acima na 2ª fase das Jornadas de Junho remontam à queda do Muro de Berlim. Para entender como esse acontecimento tem paralelos com as respostas atuais de setores da esquerda brasileira para a crise em andamento, é preciso traçar a genealogia das respostas que foram dadas na época para esse fato histórico de importância decisiva.
Quando o Muro de Berlim e a URSS caíram, uma parte da esquerda raciocinou da seguinte forma: 1º) a burocracia stalinista é o maior obstáculo para a revolução socialista; 2º) a burocracia desmoronou; 3º) logo, estamos às portas da revolução socialista mundial. Foram as famosas “Teses de 90” da LIT – Liga Internacional dos Trabalhadores, tendência trotskista orientada pelas elaborações de Nahuel Moreno. O principal herdeiro dessa posição no Brasil hoje é o PSTU, que comanda a LIT, mas há também outros grupos que reivindicam a herança morenista.
A falha desse raciocínio é evidente. Não é verdade que a burocracia stalinista fosse o maior obstáculo para a revolução. O maior obstáculo era na verdade a completa ausência de qualquer movimento na direção da revolução. Não seria possível haver uma “direção revolucionária” no momento da queda do stalinismo sem que houvesse um movimento revolucionário a ser dirigido. E não havia tal movimento, nos países em que vigorava o stalinismo, porque neles a vigência dos mecanismos alienantes da relação capital (não do capitalismo, que não é a mesma coisa) não poderia gerar uma subjetividade capaz de lutar pela revolução.
Acompanhando a reprodução material, estão as formas ideológicas correlatas. A forma de existência determina a forma de consciência. A vigência das relações capitalistas alimenta cotidianamente as formas ideológicas correspondentes, as diversas variantes da ideologia burguesa, o imperialismo, o nacionalismo, a religião, etc. O maior obstáculo para a revolução não é apenas o poder político estruturado no Estado capitalista ou pós capitalista, mas as relações de produção alienadas na forma de capital. É isso que tem que ser revertido. O poder do capital tem que ser quebrado lá onde é gerado, em cada local do trabalho, em cada processo de reprodução social. Esse é o maior obstáculo para a revolução. É preciso que a classe esteja organizada para derrubar não apenas o poder político do Estado, mas o poder econômico do capital.
No momento da queda do muro, a classe não estava organizada para isso, nem nos países pós-capitalistas, nem no mundo capitalista. Ao contrário do prognóstico morenista, a década de 1990, na sequência da queda do Muro e da URSS, foi uma década de ofensiva brutal da burguesia em nível mundial, tanto econômica quanto política e ideológica. A “globalização”, a abertura dos mercados, a especulação financeira, as privatizações, a reestruturação produtiva, a retirada de direitos, tudo isso foi politicamente facilitado pelo discurso de “fim do socialismo”, “fim do marxismo”, “fim da história”, “fim das narrativas”, etc. (e de novo, reconhecer isso não significa assumir que o regime pós-capitalista da URSS e outros teria que ser defendido, mas que era preciso que houvesse uma alternativa de independência de classe). Esse discurso de “fim da história” foi prontamente aceito por organizações de viés reformista, como o PT no Brasil, que assim absteve-se da devida resistência à ofensiva burguesa e adaptou-se ao neoliberalismo. Aos poucos, o PT rompeu a barreira de classe e localizou-se do outro lado da trincheira social e política. E paralelamente a isso, a consciência dos trabalhadores formada na nova situação adaptou-se ao individualismo, à meritocracia, ao consumismo, etc.

10. Onde a esquerda falhou
Para o morenismo, o PT era uma espécie de “Muro de Berlim” ou obstáculo para a tomada do poder no Brasil. A partir do momento em que “as massas estão nas ruas contra o PT”, é hora de defender o “Fora Dilma” e a derrubada do governo. Esse raciocínio mecânico é uma espécie de reprodução das Teses de 90, em escala brasileira. Uma parte da esquerda tentou conduzir a insatisfação popular para o “Fora Todos” no momento em que a burguesia punha em pauta o “Fora Dilma”, e errou feio o alvo, por não contar com o respaldo de uma organização e politização real da classe. Ao agir dessa forma, essa parte da esquerda diluiu-se num projeto claramente hegemonizado pela direita tradicional (contra a direita atípica, o PT).
Além disso, esse tipo de palavra de ordem voltado para o ocupante do cargo máximo do Estado deixa de lado a discussão de que, mais do que mudar a direção do Estado, é preciso superar o capitalismo. Concentrar as expectativas na ilusão de que a mudança de um governante pode resolver os problemas só serve para reforçar a continuidade da crença no Estado e no conjunto do sistema. Falar em “Fora Dilma”, “Fora Temer”, “Fora todos”, sem que haja organização para que a classe assuma o poder, é o mesmo que falar “voltem todos”. Remover os governantes não modifica o governo, uma vez que o Estado como tal não é alterado.
O Estado pode muito facilmente solucionar a crise política promovendo novas eleições para reciclar o governo. Novas eleições produzem novos governantes que pertencem à mesma classe social dos que saíram. A questão de fundo não é qual partido ocupa o governo, mas qual classe social impõe seu projeto de sociedade. E para isso, as eleições podem até ser um método de diálogo com uma população mais ampla, com muitíssimas ressalvas, mas ainda assim estão longe de ser o método principal de ação, como é hoje para alguns setores da esquerda. Além disso, a proposta de eleições gerais ajuda a burguesia a entender como ela poderia resolver a crise política a seu favor, engendrando um novo governo devidamente legitimado pelo ritual das urnas, forte e incontestado, para seguir aplicando o projeto de gestão do capital em sua nova fase.
Insistimos no ponto de que a esquerda foi incapaz de desenvolver um grau de organização e politização capaz de justificar a proposta de um “Fora Todos”. A omissão da esquerda não se deu apenas nas Jornadas de Junho de 2013 ou no impeachment de 2016. Esses processos simplesmente demonstraram à esquerda o seu real tamanho. A omissão se deu muito antes, durante as décadas de convivência à sombra do PT. Durante essas décadas a esquerda brasileira se especializou em disputar sindicatos e entidades assemelhadas ou lançar candidatos para as eleições gerais. Esse trabalho limitado foi praticado em piloto automático como se fosse o equivalente do trabalho de organização da classe e disputa de consciência que deveria estar sendo feito, e não foi. Ao invés de uma disputa real pela consciência e organização de cada categoria e local de trabalho, travaram-se disputas superestruturais pela direção dos organismos.
Esse tipo de disputa superestrutural não serve nem sequer para o próprio trabalho sindical. Pois muitos dos setores de esquerda que chegaram à direção de alguns sindicatos e entidades descobriram que estavam apenas dirigindo aparatos, mas não dirigindo realmente, ideológica e politicamente, as categorias que essas entidades representam. Não eram uma liderança real reconhecida pelos trabalhadores para além das questões imediatas de negociação salarial. Não influenciavam o pensamento dos trabalhadores sobre as questões sociais decisivas. A esquerda dirige os sindicatos como cascas vazias, de forma tão burocrática e artificial quanto o próprio PT.
Se a prática da esquerda ao longo dos anos de hegemonia do PT não atende os requisitos necessário nem sequer para o trabalho sindical, o que dizer então para a disputa de poder na sociedade? No momento em que seria necessário ter uma base social organizada para enfrentar o momento de queda do PT, não havia. Porque assim como a queda do Muro de Berlim e da URSS fortaleceu a direita mundialmente, a queda do PT no Brasil produziu a mesma coisa, uma ofensiva reacionária.

11. A queda do muro, parte 2: o PT
Quando o PT neoliberal sai do governo, em 2016, uma nova onda da queda do muro se produziu no Brasil. O PT não era esquerda, nem socialista, nem anticapitalista, etc., nem nada disso. Mas só quem sabe disso é a própria esquerda. Uma coisa é o que a esquerda sabe sobre a realidade, outra coisa é como essa realidade aparece para o restante da sociedade. Aquilo que a maioria das pessoas pensa sobre a realidade ou a imagem que elas tem da realidade faz parte da própria realidade, sob a forma de ideologia. Para o restante da sociedade, o PT era o que havia de esquerda. Assim, além da queda do PT não ter aberto o caminho para uma ofensiva da esquerda, serviu ao contrário, para facilitar a ofensiva da direita.
É evidente que a imensa maioria da população brasileira estava contra o PT, trabalhadores e não trabalhadores. Mas a grande maioria dos trabalhadores apenas está insatisfeita, mas não está mobilizada (nem para derrubar o governo, nem para apoiá-lo). Quem se mobilizou de fato para derrubar Dilma não foi a maioria dos trabalhadores, foi uma outra parte da população, que levou um setor de trabalhadores a reboque. Quem se mobilizou foram camadas médias da população (aquilo que normalmente e de maneira não científica se chama de "classe média"). Quem estava nas manifestações de verde e amarelo era uma maioria pertencente a essas camadas médias, seguida por uma minoria de trabalhadores que participaram do processo e uma maioria de trabalhadores olhando de longe.
Essa maioria de setores médios vestidos de verde e amarelo serviu como massa de manobra para a derrubada do PT. Serviram para legitimar um discurso da oposição de direita de que o PT = esquerda e esquerda = corrupção. A narrativa inventada pela direita se fixou em largas camadas da opinião pública, ou seja, vários segmentos de diferentes classes sociais, estabelecendo a versão de que esquerda, comunismo, socialismo, luta de classe, organizações dos trabalhadores, sindicatos, movimentos sociais, etc., são sinônimos de oportunistas que querem se eleger para roubar. De acordo com essa narrativa os movimentos de negros, mulheres, LGBTs são compostos de “vitimistas”, de pessoas “ressentidas” que culpam a sociedade pelos seus problemas (que segundo essa versão são de origem individual). E ainda, os pobres que participam dos movimentos sociais são “vagabundos” que não querem trabalhar e querem viver às custas do “cidadão que paga impostos”.
O “coxinha” das manifestações verde e amarelas é o “cidadão que paga impostos”, que se sente roubado pelos “vagabundos” que “não querem trabalhar” e foram aliciados pelo PT corrupto. É essa a narrativa que se fixou, não foi a da luta de classes. O “coxinha” não sabe que os vagabundos que vivem às custas dos impostos que ele paga são na verdade os banqueiros, os latifundiários, os industriais, etc. O saque do dinheiro público, na forma do pagamento de uma dívida pública fraudulenta, empréstimos a juros subsidiados, incentivos fiscais, etc., beneficia a alta burguesia, mas a pequena burguesia desenvolveu um ódio patológico e irracional contra a base eleitoral do PT.
O que importa para o caso é que nem o PT teve forças para contestar essa narrativa (porque foi justamente a sua prática concreta no governo e nos movimentos sociais que deu fundamento a ela), nem muito menos a esquerda. Então é muito superficial dizer que a esquerda deveria ter ajudado a derrubar o PT porque a "população" estava revoltada com a corrupção, sem enxergar o processo de fundo de fortalecimento das concepções de direita. Da mesma forma que seria equivocado defender o PT, que é o causador de tudo, como suposta via de resistência contra a “direita”.
Os setores reacionários aproveitaram a queda do PT para desencadear um ataque contra todo o legado histórico da esquerda no país. As ideias de comunismo, socialismo, luta de classe, organismos de luta, sindicatos, associações, movimentos sociais, movimentos de mulheres, de negros, de LGBTs, etc., foram todas colocadas numa vala comum como se fossem sinônimo de tramóias dos corruptos do PT para enganar os pobres ou aglutinar os “vagabundos” que não querem trabalhar e culpam a sociedade pelos seus problemas. Ao desmoronar, o PT leva consigo o prestígio e a imagem da esquerda, que ele já não mais representava. Esse é na verdade o maior crime do PT, e uma das razões pelas quais é um erro dar qualquer tipo de apoio ou fazer qualquer tipo de unidade com o PT. Para resgatar a esquerda, é preciso urgentemente se delimitar e demarcar da imagem e do projeto do PT.
No caso da queda do Muro de Berlim e da URSS, para evitar a ofensiva da burguesia, a esquerda não deveria ter defendido aqueles regimes como “modelo” de socialismo, mas ter um projeto socialista estruturado para apresentar como alternativa. Não tinha, porque nem sequer entendia o que eram a URSS e seus satélites, o que havia de defensável e de falhos nesses países, etc. Hoje, no Brasil era preciso que a esquerda tivesse um entendimento correto do que é o PT e uma relação mais orgânica com a classe. Não tem. Assim como na queda do muro seria um erro defender os regimes que lá existiam tais quais eram, na queda do PT, a esquerda não deve fazer unidade com a burocracia petista para evitar o crescimento da “direita”, mas organizar um projeto independente baseado na luta dos trabalhadores.

*No momento em que este texto estava sendo finalizado, tomamos conhecimento de que a principal organização que defende a proposta de “Fora Todos”, e uma das principais organizações da esquerda brasileira, o PSTU, acaba de sofrer um racha em que perdeu quase metade dos seus militantes. A carta de ruptura dos militantes que saíram e a resposta do partido, ainda que relevantes para a questão que estamos debatendo, não poderiam ser abordadas aqui, por envolver uma discussão sobre uma série de outros aspectos, e teriam que ser tema de um texto em separado.