Está
em discussão o projeto de lei do deputado Marcelo Aguiar
(DEM/SP), que quer proibir a pornografia na internet, bem como os
sites de sexo virtual e prostituição. Para se opor ao
projeto de lei, está sendo organizado um protesto na forma de
“Punhetaço/Siriricaço” (página de evento do
Facebook: https://www.facebook.com/events/227956420985721).
Apesar de ser contra o projeto de lei, e a favor da masturbação
e da sexualidade em geral, também considero que o protesto tal
como está sendo convocado, na forma de “punhetaço/siriricaço”,
foi mal concebido em seus fundamentos. Na discussão a seguir
apresentamos os motivos para ser contra o projeto de lei, em seguida
os motivos para não ir ao protesto, e concluímos com
uma breve discussão sobre a situação geral da
sexualidade na nossa sociedade (em anexo, ao final do texto,
reproduzimos um trecho da justificação de motivos do
projeto de lei, bem como um link para o texto completo, e também
o texto dos organizadores do protesto contrário a ele).
Porque
ser contra o projeto de lei
Primeiramente,
é preciso considerar que o deputado em questão é
membro da bancada evangélica (e também dublê de
cantor gospel: http://www.marceloaguiar.com.br/
) e do contingente maior dos que têm votado a favor das medidas
austericidas recentemente aprovadas no Congresso contra as nossas
condições de vida, serviços públicos,
aposentadoria, direitos trabalhistas, etc., e isso já o torna
um inimigo. Nenhuma iniciativa vinda desse setor terá qualquer
aspecto positivo, e de saída o projeto já deve ser
repudiado por isso.
Considerando
esse elemento, o texto do evento do Facebook contra o projeto de lei
contém uma perspectiva muito limitada. A crítica ao
projeto de lei se baseia principalmente no ataque à figura do
deputado que o propôs, expondo a hipocrisia de um falso
moralista que tem uma amante (algo de resto bastante comum nesse
meio), e que já teve algum sucesso como cantor fazendo
justamente apologia do sexo, etc. (confesso que nunca tive a
infelicidade de ouvir). Ainda que o desmascaramento do autor seja
válido, é muito insuficiente como principal
argumentação. O evento também menciona que o
projeto “fere a nossa liberdade individual”, mas não
desenvolve devidamente esse ponto. A nosso ver há dois
elementos importantes para que tenhamos que se opor a esse projeto.
Primeiro,
se aprovado, o projeto de lei anti-pornografia abre o precedente da
censura de conteúdo na internet. Se for aberto esse precedente
(ainda que muitos possam argumentar, talvez com alguma razão,
que a censura total da internet é tecnicamente muito difícil,
ou mesmo quase impossível), mesmo que seja sob o pretexto mais
“bem intencionado” de todos, está colocada a possibilidade
de tentar censurar qualquer outro tipo de conteúdo, como a
crítica política e social, denúncias e
investigações, debate científico, etc. Depois
desse projeto, não vai demorar para que outros apareçam
tentando impor a censura, seja também em defesa da “moral e
dos bons costumes” ou da “segurança nacional”, etc., mas
na verdade simplesmente querendo impedir que se faça qualquer
questionamento aos poderes estabelecidos. Esse motivo já é
suficiente para que tenhamos que lutar contra esse projeto e para que
seja construída uma oposição séria contra
ele.
Segundo,
desenvolvendo concretamente o aspecto da “liberdade individual”,
o que transparece no espírito da proposta de lei é o
agravamento da sanha proibicionista em vigor na sociedade. O
raciocínio proibicionista detecta um determinado hábito
ou comportamento considerado nefasto ou perigoso para o indivíduo,
e tenta combatê-lo com o enquadramento no direito penal. Ao
invés de medidas educativas ou outras que ataquem as causas
profundas do problema social em discussão, opta-se por
criminalizar o indivíduo que adere a esse comportamento
considerado “perigoso” ou “imoral”.
Esse
raciocínio proibicionista é aplicado contra os usuários
de drogas, por exemplo, com resultados pífios e efeitos
colaterais desastrosos, haja visto o caos carcerário em
andamento no país. O proibicionismo não impede as
pessoas de usarem drogas, apenas fomenta uma lucrativa indústria
do tráfico de drogas, da qual as instituições
policiais, judiciais, bancárias, etc., altamente corrompidas,
fazem parte, com o corolário da violência sem fim que
domina os bairros periféricos (lembrando que uso de drogas é
diferente de abuso e também da prática de crimes contra
outrém sob efeito de drogas). O proibicionismo causa mais
danos, mortes e sofrimentos do que o mal que pretende combater.
Em outra
esfera, no que se refere aos direitos das mulheres, o proibicionismo
também não impede que as mulheres abortem, apenas faz
com que morram ou sofram de sequelas terríveis pelo resto da
vida por falta de acompanhamento médico adequado para o
procedimento (ver:
http://politicapqp.blogspot.com.br/2016/12/sobre-descriminalizacao-do-aborto.html).
Da mesma forma, a proibição contida no projeto de lei
em discussão não vai impedir que os usuários
acessem a pornografia, sexo virtual, prostituição ou
que se masturbem, como deseja o discurso moralista. Proibir o
indivíduo de praticar qualquer tipo de ato que seja (real ou
supostamente) perigoso para si ou que afete a suscetibilidade moral
de outrém nunca vai resolver o problema, apenas vai legitimar
a violência estatal contra o indivíduo.
A única
forma de impedir que as pessoas usem drogas ou pornografia (partindo
do pressuposto de que isso seja danoso para elas, o que então
terá de ser verificado) seria construir uma sociedade em que a
vida seja compensadora e as relações humanas sejam
autênticas, de modo que o indivíduo não sinta a
necessidade de alternativas para a obtenção de prazer
que sejam de alguma forma destrutivas. Mas como mudar a sociedade por
inteiro é muito difícil, opta-se por julgar e condenar
o comportamento do indivíduo. E na verdade, essa opção
hipócrita de julgar, rotular, perseguir, criminalizar, etc., e
a política proibicionista que a acompanha, são
disseminadas pelos mesmos segmentos que lucram com essa sociedade
desigual, injusta, violenta, opressiva, vazia e fundamentalmente
desumana.
E
finalmente, a posição de ser contra a abordagem
proibicionista para questões de comportamento que afetam
apenas o usuário e seu corpo não significa ser
conivente com crimes que afetam outro indivíduo. Por exemplo,
a prostituição envolve o crime da exploração
da atividade sexual de quem se prostitui, praticado por usuários
e cafetões. E no universo da pornografia, existe o
sub-universo dos sites de pedofilia, que envolve a exploração
de crianças, definidos aqui como seres que não tem
condições de consentir no ato, etc. Nesses casos, não
se trata meramente de comportamento pessoal do usuário, que
afeta apenas a ele, mas que possa ser considerado “inadequado”
sob algum critério moral (a ser discutido); trata-se de crime
contra terceiros.
Porque
ser contra o protesto na forma de “punhetaço/siriricaço”
Resta
então a questão de determinar se a pornografia (e
também o sexo virtual) são ou não danosos para
quem recorre a eles ou para a sociedade, e a resposta é sim,
mas não por conta de algum critério moral religioso. O
problema não é que o indivíduo se masturbe, mas
com que inspiração o faz. O “punhetaço/siriricaço”
apresenta a masturbação como uma forma de oposição
ao projeto de lei, mas ao fazer isso, está legitimando a
pornografia como matéria prima para a masturbação,
o que é bastante questionável. A única
finalidade da pornografia é acompanhar a masturbação;
mas a única forma de masturbação possível
é com acompanhamento da pornografia? Ou ainda, é
possível dizer que não há problema nenhum em se
masturbar com o acompanhamento da pornografia?
Quem
convoca o protesto contra esse projeto de lei propondo um
“punhetaço/siriricaço” está respondendo sim
a essas perguntas. Está indiretamente tratando pornografia e
masturbação como sinônimos, evidenciando assim
uma imensa superficialidade e irresponsabilidade no tratamento da
questão, quando não um puro e simples sensacionalismo
(além de um certo tom de deboche ao classificar as “irmãs
feministas” em “peludas e depiladas”, conforme vemos no anexo).
Independentemente dos equívocos e problemas do projeto de lei,
a pornografia não pode ser tratada como algo inocente ou
neutro.
Além
de não explorar motivos mais profundos para ser contra o
projeto de lei, conforme expostos no ponto anterior, o protesto se
omite sobre os problemas que o projeto de lei supostamente quer
combater, ou seja, isenta a pornografia de qualquer problema. Ser a
favor da masturbação não pode significar ser
automaticamente a favor de pornografia, e o protesto cai nessa
armadilha. A indústria pornográfica representa um
problema real, e o fato da solução proposta pelo
projeto de lei ser inadequada (por ser proibicionista) não
torna os aspectos negativos da pornografia menos graves. O
“punhetaço/siriricaço” absolve a pornografia e não
entra no mérito dos seus malefícios, entre os quais
podemos citar os seguintes:
- a
narrativa do ato sexual apresentada nos vídeos e imagens
pornográficas está montada de uma tal forma que visa
apenas o prazer do homem e trata a mulher como objeto. Não só
o prazer feminino é completamente desconsiderado, o que já
seria bastante grave, mas o abuso, violência, humilhação,
estupro da mulher são difundidos implícita ou mesmo
explicitamente. Isso por si só já seria suficiente para
que a pornografia seja de fato combatida (não com métodos
proibicionistas, conforme expusemos acima) de forma efetiva;
- as
mulheres exploradas na produção dos vídeos dessa
indústria são violentadas, espancadas, humilhadas,
exploradas, submetidas ao risco de DSTs, etc., o que seria mais um
motivo para combater a pornografia. Trata-se de pura exploração
e degradação humana, não há nenhum tipo
de “glamour” e realização nessa indústria,
nenhum vestígio de valor estético, por mais remoto que
seja;
- para
além das cenas de sexo explícito em si, que são
o produto direto da indústria pornográfica, a mesma
narrativa de objetificação da mulher que ela reproduz
se espalha e contamina indiretamente outros círculos da
indústria cultural “oficial” e “respeitável”,
como a publicidade, que usa o corpo feminino para agregar “valor
erótico” a qualquer produto. Num imaginário
contaminado pela narrativa da pornografia, o comercial de cerveja é
só um “teaser” para um vídeo pornográfico
implícito, e a mulher que nele aparece é só mais
um objeto como o desses vídeos. Essa objetificação
é uma das partes da cultura do estupro e de violência
contra a mulher também amplamente disseminada no país,
como acaba de atestar o caso da chacina machista e proto-fascista em
Campinas;
- um
outro aspecto da opressão reproduzido igualmente pela
indústria pornográfica e pela publicidade é o da
imposição de um determinado padrão de beleza, o
qual estabelece que há um único tipo de mulher
“desejável”. Em função da imposição
desse padrão, as mulheres que não se equadram caem
prisioneiras de uma série de indústrias que tentam
vender esse padrão inalcançável, por meio de uma
infinidade de tipos de produtos, desde vestuário a cosméticos,
drogas, etc.;
- do
ponto de vista psicológico, a pornografia age sobre os centros
de prazer do cérebro do usuário da mesma forma que
qualquer outro causador de dependência química. Ela
produz uma satisfação imediata, apenas durante o
momento em que o usuário está exposto a ela, mas
imediatamente depois produz sentimentos de culpa, mal-estar,
frustração. Assim como outros causadores de vício,
ela também acaba exigindo doses cada vez mais fortes (de onde
deriva a demanda para modalidades mais “harcore”, ou seja, mais
degradantes) para produzir efeito. Além disso, por conta dessa
característica de imediaticidade, ela também empobrece
a experiência erótica do usuário;
-
pornografia e erotismo são coisas completamente diferentes,
senão opostas, e essa diferença precisa ser abordada. A
pornografia castra a imaginação erótica do
indivíduo e oferece um roteiro já pronto para o prazer
imediato. O imediatismo e a facilidade com o qual esse tipo de
gratificação está disponível não
aumentam o prazer, na verdade o diminuem. O prazer da experiência
erótica está na “dificuldade” do percurso, na
insinuação, na dissimulação e na sedução,
não na entrega direta do objeto desejado, que é
justamente o que a pornografia faz. Ao invés de estimular o
erotismo, ela o destrói com uma narrativa ultrassimplificada,
coreografada, previsível, do ato sexual. Nesse sentido, a
pornografia é mais uma forma de simplificação da
experiência do mundo de seus usuários, como curtir uma
sucessão de imagens numa linha do tempo de Facebook, ao invés
de ter interações humanas reais, olho no olho, pele com
pele. E por falar nisso, a sexualidade é muito mais tato do
que visão, enquanto a pornografia a reduz a uma experiência
meramente visual e unidimensional. Nesse sentido, o conceito de “sexo
virtual” é uma contradição nos termos e nem
merece ser discutido;
Contra a
industrialização do prazer
O
filósofo alemão Herbert Marcuse criou o conceito de
“dessublimação repressiva” para explicar como a
sociedade atual transforma a sexualidade em mercadoria e com isso
cria indivíduos mais dóceis para a dominação.
A sublimação é o mecanismo que transfere a
pulsão sexual para formas de criação intelectual
como a ciência e a arte, tornando possível a civilização
e tornando o indivíduo consciente do conflito com o “princípio
de realidade” repressivo da sociedade dividida em classes. A
dessublimação oferece uma falsa satisfação
da pulsão sexual por meio da oferta ilimitada de produtos de
consumo os mais variados (inclusive corpos na pornografia), desviando
uma energia criativa que seria sublimada, impedindo o desenvolvimento
intelectual, neutralizando assim o conflito do indivíuo com a
sociedade e encaminhando dessa forma um tipo de repressão mais
eficiente, porque disfarçado de “liberdade de escolha”.
Ver a respeito o clássico “Eros e civilização”.
A
sexualidade é o tipo de relação mais íntima
entre dois seres humanos, envolvendo uma série de outros
sentimentos e componentes para além do prazer físico.
Separar o prazer físico do sexo do restante dos seus
componentes humanos significa empobrecer essa experiência e
quantificá-la. O sexo se torna mais uma modalidade de
performance imposta: seja produtivo no trabalho, tenha boas notas no
estudo, consuma as últimas bugingangas do mercado, esteja na
moda, modele seu corpo, pratique esporte e seja campeão, viaje
nas férias para os lugares mais famosos, tenha muitas
curtidas, etc., e finalmente, também, goze muito. A compulsão
doentia por resultados numericamente mensuráveis,
pré-definidos, roteirizados, previsíveis, substitui a
experiência qualitativa, única, incomparável e
autenticamente humana.
É
por isso que para ser contra a pornografia e outros vícios
dessa sociedade, é preciso estabelecer um outro modo de vida,
em que um indivíduo não seja um meio para a satisfação
do outro, como acontece na sociabilidade submetida ao capital.
Precisamos de um mundo em que cada indivíduo humano seja visto
como um fim em si mesmo, ou seja, a realização do outro
seja a condição para a realização de cada
um.
Anexo 1
O texto
de justificação dos motivos do projeto de lei contém
o seguinte:
“Estudos
atualizados informam um aumento no número de viciados em
conteúdo pornô e na masturbação devido ao
fácil acesso pela internet e à privacidade que celular
e o tablet proporcionam.
Os
jovens são mais suscetíveis a desenvolver dependência
e já estão sendo chamados de autossexuais – pessoas
para quem o prazer com sexo solitário é maior do que o
proporcionado, pelo método, digamos, tradicional.
Essa
conclusão de acordo com Carmita Abdo Coordenadora do Programa
de Estudos de Sexualidade da USP é “porque eles começam
a atividade sexual sem parceria, na masturbação em
frente a um vídeo no qual escolhem tipo físico e idade
de todas as variedades imagináveis”, publicado na Folha
de São Paulo em 27 de setembro de 2016."
O texto
completo está disponível no link:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=BD1CBDF4191C59E515780797B7842AB4.proposicoesWebExterno1?codteor=1506026&filename=PL+6449/2016
.
Anexo 2
Já
o texto sobre os detalhes do evento do Facebook, marcado para 22 de
janeiro na Avenida Paulista, apresenta o protesto da seguinte forma:
“O
deputado federal Marcelo Aguiar (DEM/SP) apresentou um projeto à
Câmara propondo que as operadoras telefônicas criem uma
maneira de vetar 'conteúdos de sexo virtual, prostituição
e sites pornográficos'.
Isso
fere a liberdade individual e como nós aprendemos com nossas
co-irmãs feministas (sem elas não existiríamos)
vamos fazer um protesto, com masturbação coletiva
contra este absurdo.
Sugiro
um pacto de união com nossas co-irmãs feministas -
Depiladas ou Peludas - em defesa de nossa liberdade.
Vale
lembrar que o deputado e PASTOR, já engravidou a amante e fez
sucesso com música sertaneja de cunho sexual
Fontes
abaixo: